“Blitz 3” (EMI-Odeon, 1984), Blitz


Por Sidney Falcão 

No cenário efervescente da música brasileira dos anos 1980, a Blitz despontou como um meteoro, conquistando rapidamente o público com seu estilo irreverente e letras bem-humoradas. Blitz 3, o terceiro e último álbum da fase áurea da banda, marcou um ponto vital na trajetória do grupo, refletindo tanto o ápice de sua popularidade quanto os desafios de manter-se relevante em um mercado em constante mudança. 

Conforme relembra Evandro Mesquita, "Eu sentia a Blitz sem a relevância de dois anos atrás. Era uma coisa amarga, porque achava que tínhamos munição para continuar nas cabeças, apesar da sede de novidades natural do público e da mídia." Essa percepção de declínio, agravada pela superexposição na mídia, contrastava com o início meteórico da banda, que alcançou um público recorde e se tornou onipresente na cultura pop brasileira. 

A trajetória da Blitz é marcada por momentos emblemáticos, como a participação no especial infantil Plunct, Plact, Zuuum... 2, da TV Globo, e a apresentação na Praça da Apoteose, que arrastou 30 mil pessoas. Contudo, apesar desses triunfos, a banda começou a se fechar em uma postura antipática, diferente das novas bandas que surgiam e conquistavam espaço, como Paralamas do Sucesso e Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens. 

Lançado em um período de transição e desafios, Blitz 3 é um álbum que reflete a tentativa da banda de reinventar-se e permanecer relevante. Ao mesmo tempo, é um reflexo das tensões internas e externas que a banda enfrentava, tornando-o um registro decisivo para entender não apenas a música, mas também o contexto cultural daquela época. 

Blitz em sessão de fotos para o álbum Blitz 3, em 1984.

Blitz 3 começa com um choro de uma “criança” (na verdade, um choro debochado feito por um dos membros da Blitz), que abre a faixa "Eugênio". A música narra a trajetória de um menino prodígio, destacando seu talento precoce e sua queda para vícios e frustrações, culminando em um desaparecimento enigmático. A canção mistura humor e crítica social, explorando as pressões e expectativas em torno do talento. 

A faixa seguinte é “Xeque-Mate”, um pop rock sobre um relacionamento rompido de forma abrupta, onde o eu lírico descreve a surpresa e a dor do término, comparando-o a um golpe inesperado no jogo de xadrez e à sensação de solidão resultante. Em “Egotrip”, a Blitz narra uma história cômica de um homem excêntrico que invade o apartamento de sua amada no meio da noite para declarar seu amor obsessivo por si mesmo, culminando em uma cena absurda onde ambos são encontrados nus em uma praça. No fundo, a letra não deixa de ser uma crítica ao narcisismo e à autoestima exagerada das pessoas. A música, que começa como rock, termina em um ritmo festivo de samba. 

"Amídalas" possui variações rítmicas ao longo da faixa. Os versos tratam sobre uma experiência cômica e frustrante com problemas de garganta que levam o eu lírico a remover as amídalas, resultando em perda temporária da voz. Já a faixa “Tarde Demais” é um rock agitado, intenso, com refrão “chiclete”, que trata do arrependimento de quem perdeu oportunidades em um relacionamento por procrastinação, usando metáforas esportivas para destacar a negligência: “Agora é tarde pra você / Agora é tarde pra nós dois / Você pensou que tinha tempo pra tudo / E deixou tudo pra depois”. Misto de rock e ska, “Táxi” trata de uma busca desesperada e noturna pelo ser amado, expressando a ansiedade e a necessidade de encontrar a pessoa antes do amanhecer. 

Se o The Clash tem o seu "Sandinista!", a Blitz tem um "Sandinista!" para chamar de seu. A canção é sobre um amor idealizado e impossível entre um guerrilheiro e uma mulher envolvida em atividades misteriosas e perigosas, misturando romance e política em um cenário de lutas revolucionárias. O termo "sandinista" refere-se aos seguidores do sandinismo, um movimento político revolucionário na Nicarágua liderado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). O sandinismo é associado à luta contra a ditadura de Anastasio Somoza (1925-1980) e à tentativa de estabelecer um governo socialista na Nicarágua durante os anos 1980. O nome é uma homenagem a Augusto César Sandino (1895-1934), um líder revolucionário nicaraguense que liderou uma rebelião contra a presença americana na Nicarágua entre 1927 e 1933.

Revolucionários sandinistas na Nicarágua, em 1979. Movimento
sandinista foi inspiração para duas músicas homônimas de The Clash e Blitz.


 "Você Vai, Você Vem" trata da inquietação e do constante movimento em busca de algo ou alguém, refletindo sobre a insatisfação e a falta de paz em um relacionamento tumultuado. O refrão “grudento” é cantado por Fernanda Abreu e Márcia Bulcão, acompanhadas por uma bem construída base instrumental, onde o destaque fica para os teclados de Billy Forghieri. 

"Louca Paixão" é a única faixa do disco cantada apenas por Fernanda Abreu e Márcia Bulcão. Os versos desse pop rock tratam do amor intenso e possessivo, onde uma garota expressa sua total devoção e dependência emocional pelo homem que ela ama, descrevendo-se como uma prisioneira de seu coração e escrava de sua paixão. Ela valoriza a relação acima de tudo, ignorando defeitos e desejando estar sempre junto a ele. 

Além de “Egotrip”, uma das principais faixas de Blitz 3 é "Dali de Salvador". Com uma sonoridade inspirada na música caribenha, a faixa faz referência à beleza natural e à cultura vibrante de Salvador, na Bahia, com ênfase no deslumbrante visual do litoral e no pôr do sol da capital baiana. "Dali de Salvador" convida à dança como uma expressão de alegria, liberdade e uma forma de alívio da dor. Além disso, a letra aborda a questão da poluição do mar, mesclando a apreciação da beleza com a consciência ambiental. A canção possui um trecho que faz um trocadilho interessante entre o nome da capital baiana e o mestre espanhol da pintura surrealista, Salvador Dalí: “Que bonito ver o entardecer / Que bonito ver o Sol se pôr / De Salvador / Dalí de Salvador”. 

Negociações e acordos financeiros enganosos são a temática do pop rock "Trato Simples”, destacando a desconfiança e o senso de aprisionamento em um sistema econômico opressor. A música critica a manipulação por parte de figuras de autoridade e expressa a sensação de desesperança e exploração contínua. Na letra da música, há uma citação a “I Need You”, dos Beatles.

 

"Louca Paixão" é a única faixa de Blitz 3 cantada apenas
Fernanda Abreu e Márcia Bulcão.

O álbum chega ao fim com "Cresci, Mamãe, Cresci", que começa com uma narração de uma propaganda fictícia de uma churrascaria, tendo ao fundo uma trilha sonora jazzística. Mais adiante, a canção toma um ritmo mais arrastado de marcha rancho, com Evandro Mesquita, Fernanda e Márcia cantando sobre um homem de 36 anos que ainda mora com os pais em Copacabana, lidando com suas aspirações não realizadas e expectativas familiares. Ele sonha em ser um rei do bairro e vive um estilo de vida boêmio, enquanto sua avó deseja que ele se torne médico, seguindo os passos do avô. Da metade para o fim, a música ganha um ritmo mais acelerado de marchinha carnavalesca. 

Lançado em 15 de dezembro de 1984, Blitz 3 chegou às lojas de discos com três capas diferentes: vermelho, amarelo e verde. O design gráfico da capa e do encarte do álbum foi criado pela agência A Bela Arte. No entanto, a ideia de três capas diferentes para Blitz 3 não impediu que o álbum tivesse uma recepção morna por parte da crítica. Ainda assim, faixas como "Egotrip" e "Dali de Salvador" tiveram boa execução em rádio. 

Apesar de ser a banda de rock mais popular do Brasil naquele momento, a convivência interna entre seus integrantes não era das melhores. Uma série de fatores, como a superexposição na mídia, o excesso de compromissos profissionais e o conflito de egos, tornou o ambiente dentro da Blitz muito tenso. Mesmo assim, a banda ainda conseguiu seguir adiante. 

Em janeiro de 1985, a Blitz se apresentou na primeira e histórica edição do festival Rock in Rio, no Rio de Janeiro, em duas datas: 13 de janeiro e 20 de janeiro, respectivamente para públicos estimados em 110 mil e 200 mil pessoas. A banda carioca foi uma das atrações musicais do 12° Encontro Mundial da Juventude Democrática, na União Soviética, em agosto do mesmo ano.

Blitz 3 foi lançado em dezembro de 1984 com três capas diferentes ao mesmo tempo. 

 A sobrevida da Blitz resistiu até o começo de 1986, quando Evandro Mesquita gravou em Los Angeles um vídeo para uma propaganda da Pepsi ao lado de ninguém menos que Tina Turner. O público adorou, mas uma parcela dos integrantes da Blitz não achou graça alguma, encarando aquela propaganda como uma promoção de Evandro. Se a situação interna na banda já era tensa, aquela propaganda só piorou as coisas. 

Ricardo Barreto e Márcia Bulcão anunciaram suas saídas da banda. A Blitz ainda tentou seguir em frente, chegando a gravar uma canção para a trilha sonora do remake da novela Selva de Pedra, da TV Globo. Em março de 1986, a Blitz anunciou sua dissolução. No mesmo ano, Evandro começou sua carreira solo, enquanto Fernanda Abreu só faria o mesmo a partir do começo dos anos 1990. 

Em abril de 1994, estreou na TV Globo o remake da novela A Viagem, de Ivani Ribeiro (1922-1995), que incluiu na trilha sonora a música “Mais Uma de Amor (Geme Geme)”, um dos primeiros sucessos da Blitz. Muito provavelmente, o fato teria motivado a reunião da Blitz naquele ano para algumas apresentações que resultaram no Blitz Ao Vivo, o primeiro álbum gravado ao vivo da banda carioca. Por cerca de um ano, a Blitz seguiu fazendo turnê para matar a saudade do público. 

Um novo retorno da Blitz ocorreu em 2006, e desta vez para ficar. Da antiga formação, permaneceram apenas Evandro, Billy e Juba, que ao lado de novos integrantes, levaram a Blitz adiante, fazendo turnês e lançando novos álbuns com canções inéditas. 

 

Faixas

Lado A

1- “Eugênio”(Evandro Mesquita – Ricardo Barreto – William Forghieri)

2- “Xeque Mate” ”(Evandro Mesquita – Ricardo Barreto)

3- “Egotrip” (Evandro Mesquita – Antônio Pedro - Ricardo Barreto -Patrícia Travassos)

4- “Amídalas” (Chacal – Antônio Pedro – Ricardo Barreto – Evandro Mesquita)

5- “Tarde Demais” (Evandro Mesquita – Ricardo Barreto)

6- “Táxi” (Evandro Mesquita – Ricardo Barreto)

  

Lado B

7- “Sandinista” (Chacal – Ricardo Barreto )

8- “Você Vai, Você Vem” (William Forghieri – Evandro Barreto – Ricardo Barreto)

9- “Louca Paixão” (William Forghieri – Bernardo Vilhena – Ricardo Barreto)

10- “Dali de Salvador” (Antônio Pedro – Evandro Mesquita)

11- “Trato Simples” (Antônio Pedro – Evandro Mesquita)

12- “Cresci, Mamãe Cresci” (Evandro Barreto – Ricardo Barreto) 

 

Blitz: Evandro Mesquita (vocal, violão e gaita), Fernanda Abreu (vocal de apoio), Marcia Bulcão (vocal de apoio), Ricardo Barreto (guitarra), Antônio Pedro Fortuna (baixo) e Billy Forghieri (teclados) e Juba (bateria).

 

Referências:

Dias de Luta – o rock e o Brasil dos anos 80 – Ricardo Alexandre Luiz, 2013, Arquipélago Editorial, Porto Alegre, Brasil.

wikipedia.org 

“Eugênio”

“Xeque Mate”

“Egotrip”

“Amídalas”

“Tarde Demais”

“Táxi”

“Sandinista”

“Você Vai, Você Vem”

“Louca Paixão” (videoclipe exibido no 

"Fantástico", TV Globo, 1985)

 “Dali de Salvador”

 “Trato Simples”

 “Cresci, Mamãe Cresci”

“Dali de Salvador” (videoclipe exibido

no "Fantástico", TV Globo, 1984)

"Egotrip" (programa especial Blitz

, TV Manchete, 1984)


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