“Beatles For Sale” (Parlophone, 1964), The Beatles

Por Sidney Falcão

Em 1964, os Beatles estavam no ápice da Beatlemania, dominando o cenário musical e a mídia. A agenda da banda estava lotada de shows nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Dinamarca, Holanda, Hong Kong, Austrália e Nova Zelândia. Em julho, estreava nos cinemas o primeiro longa-metragem estrelado pelo quarteto britânico, A Hard Day’s Night, assim como era lançado o álbum homônimo, o que só ajudou a disseminar ainda mais a popularidade da banda.

Numa das passagens dos Beatles pelos Estados Unidos, o quarteto conheceu Bob Dylan, com quem trocaram ideias musicais e tiveram a primeira experiência com maconha. O encontro com Dylan encorajou os Beatles, principalmente John Lennon (1940-1980), a escreverem canções mais introspectivas. Por outro lado, aquele encontro motivou Dylan não só a compor canções orientadas para o rock, como também a adotar a guitarra elétrica, o que despertou a ira de uma parcela mais ortodoxa do público de folk music, que via esse instrumento como símbolo de um estilo musical alienado.

Mal os Beatles haviam lançado o álbum A Hard Day’s Night, o próximo álbum já estava sendo pensado para as compras de Natal. Durante os intervalos da turnê no Reino Unido, os Beatles gravaram, em sete dias entre os meses de agosto e outubro de 1964, o álbum Beatles For Sale.

Quarto álbum de estúdio do quarteto, Beatles For Sale foi lançado em 4 de dezembro de 1964. Nos Estados Unidos, o álbum foi lançado como Beatles’ 65, com alterações na lista das faixas: continha oito músicas de Beatles For Sale.

Beatles For Sale foi o primeiro álbum da discografia dos Beatles em formato gatefold, uma capa dupla que se abre como um livro. Esse álbum representa uma mudança significativa em relação aos álbuns anteriores. Enquanto os discos anteriores dos Beatles eram caracterizados por um otimismo juvenil e energias vibrantes, este álbum mostra um lado mais melancólico e introspectivo. A influência de Bob Dylan é evidente, especialmente nas letras mais autobiográficas de John Lennon. A fusão de elementos de country, rockabilly, blues e folk rock com o som característico dos Beatles marca uma nova direção para a banda.

Parte interna da capa dupla de Beatles For Sale: foi o primeiro álbum
do quarteto britânico em formato gatefold.

O álbum Beatles For Sale evidencia um maior grau de experimentação, com o uso de feedbacks de guitarra e uma variedade de percussões, criando uma sonoridade mais rica e complexa. Das catorze faixas que compõem o álbum, oito eram canções inéditas de Lennon-McCartney até então, e as outras seis são covers de músicas de Chuck Berry (1926-2017), Buddy Holly (1936-1959) Little Richard (1932-2020) que os Beatles costumavam tocar na época do Cavern Club, em Liverpool, no início da carreira.

"No Reply" é a faixa que dá início ao álbum, uma balada pop rock em que John Lennon canta sobre a dor e frustração de um jovem que descobre que a garota que ele ama o ignora, dá justificativas mentirosas e mantém uma relação com outro homem. Na introspectiva "I'm A Loser", o eu lírico faz uma dura autocrítica na qual ele se define um perdedor, um fracassado, o que demonstra uma transição dos Beatles para narrativas mais pessoais e complexas em suas canções.

Misto de valsa, blues e country music, "Baby's in Black" traz um clima sombrio nos seus versos ao tratar sobre uma mulher em luto pela morte do marido. Ela é confortada por um homem, que é apaixonado pela viúva, mas não pode expressar seus sentimentos enquanto ela estiver em luto. Na sequência, Lennon reaparece apresentando os seus vocais numa releitura de “Rock and Roll Music”, sucesso de Chuck Berry que ressalta o poder contagiante sobre as pessoas.

A delicada "I'll Follow the Sun" é uma doce balada folk rock que traz Paul McCartney nos vocais. Os versos falam de recomeço e fazem uma reflexão sobre o início da vida, de uma partida, sugerindo que a busca por um novo caminho é uma resposta às incertezas e mudanças.

Gravada originalmente por Dr. Feelgood & The Interns, em 1962, “Mr. Moonlight” ganhou uma releitura dos Beatles que assemelha um arremedo de bolero, com Ringo tocando percussão e Paul tocando um órgão de sonoridade tenebrosa. É talvez a canção mais cafona gravada pelo famoso quarteto.

O lado 1 de Beatles For Sale termina com um medley que envolve numa só faixa “Kansas City” / “Hey-Hey-Hey-Hey!”, duas músicas que os Beatles costumavam tocar no Cavern Club. “Kansas City” foi composta e gravada pela primeira vez em 1958 por Little Richard, enquanto que “Hey-Hey-Hey-Hey!” teve a sua primeira gravação em 1952 através de Little Willie Littlefield.

Além de canções próprias, os Beatles gravaram para Beatles For Sale covers
de álbuns dos seus ídolos, como Chuck Berry, Buddy Holly e Little Richard.

A alegre “Eight Days A Week” abre o lado 2 do álbum começando com um volume muito baixo, mas aumentando gradualmente, tornando-se uma das primeiras canções da música pop em que essa técnica foi usada numa gravação. Lennon e McCartney cantam juntos sobre o eu lírico e a sua devoção à namorada, cujo amor que sente por ela é tão grande que, segundo ele, nem oito dias por semana seriam suficientes para ele demonstrar adequadamente.

Lançada em 1957 por Buddy Holly, “Words Of Love” ganhou uma versão rock balada com vocais harmoniosos e melódicos dos Beatles, que são bem condizentes com os versos sobre o desejo do indivíduo de ouvir palavras de amor e de afeto da pessoa amada.

O rockabilly “Honey Don’t” apresenta o descontentamento do eu lírico com as promessas não cumpridas pela mulher que ele ama. A repetição da expressão “querida, não” reforça a sua decepção e a falta de confiança na amada companheira. É mais um cover presente no álbum, composta por Carl Perkins e gravada por ele em 1956.

Na doce balada pop rock “Every Little Thing”, John Lennon canta sobre a felicidade e gratidão de um homem por estar perto da mulher que ele ama. Ele se sente um indivíduo afortunado por tê-la em sua vida. Se “Every Little Thing” celebra o amor, "I Don't Want to Spoil the Party" é um country rock sobre frustração, em que um indivíduo havia marcado um encontro com sua namorada numa festa. Mas ela acaba não indo, e o rapaz amarga uma longa espera por ela para depois ir embora completamente frustrado.

"What You're Doing" é marcada por um riff de guitarra executado por George Harrison numa Rickenbacker de 12 cordas, em que a sonoridade remete aos Byrds. É uma canção que reflete sobre a espera de um amor verdadeiro e o impacto emocional das ações da pessoa amada sobre o indivíduo que ama.

Detalhe da contracapa de Beatles For Sale.

O álbum encerra com mais um cover de Carl Perkins, desta vez com "Everybody's Trying to Be My Baby", uma country music que trata de maneira leve e cômica sobre um sujeito doce como mel e desejado por todas as mulheres, que o seguem aonde quer que ele vá. A origem dessa música é controversa: há quem diga que ela teria sido composta por Rex Griffin (1912-1959) e gravada por ele em 1936, mas poderia ter sido composta por Perkins e gravada por ele em 1956.

Beatles For Sale alcançou o 1° lugar na parada de álbuns do Reino Unido, onde permaneceu por cerca de 11 semanas. Liderou também a parada de álbuns da Alemanha, Finlândia e Austrália.

No Reino Unido, nenhum single de Beatles For Sale foi lançado, apenas singles de músicas que ficaram de fora do álbum: "I Feel Fine" e "She's A Woman". Mas nos Estados Unidos, foi lançado o single de "Eight Days A Week" (com "I Don't Want To Spoil The Party" no lado 2), que se tornou 1° lugar em março de 1965 e vendeu 1 milhão de cópias, mas que ficou de fora do álbum Beatles’ 65, lançado apenas no mercado americano.

Beatles For Sale marcou uma transição na carreira dos Beatles, mostrando uma maturidade crescente e uma disposição para experimentar novas possibilidades musicais. A exaustão devido a uma infinidade de compromissos profissionais refletida no álbum não diminuiu sua inovação; pelo contrário, evidenciou a capacidade da banda de canalizar suas experiências pessoais e profissionais em música impactante. O álbum antecipou movimentos importantes que a banda faria em direção ao folk rock e ao country rock, por exemplo, influenciando uma geração de músicos e cimentando o legado dos Beatles como pioneiros e visionários.

Mesmo sob intensa pressão e exaustão, o quarteto de Liverpool mostrou através de Beatles For Sale que era capaz de se reinventar e evoluir. O álbum permanece como uma obra que refletiu tanto os desafios quanto as conquistas de um ano extraordinário na carreira dos Beatles.

Faixas

Todas as faixas são de autoria de John Lennon e Paul McCartney, exceto as indicadas.

Lado 1

1."No Reply"

2."I'm a Loser"

3."Baby's in Black"

4."Rock and Roll Music" (Chuck Berry)

5."I'll Follow the Sun"

6."Mr. Moonlight" (Johnson)

7."Kansas City / Hey-Hey-Hey-Hey!" (Jerry Leiber, Mike Stoller/Richard Penniman)

Lado 2

1."Eight Days a Week"

2."Words of Love" (Buddy Holly)

3."Honey Don't" (Carl Perkins)

4."Every Little Thing"

5."I Don't Want to Spoil the Party"

6."What You're Doing"

7."Everybody's Trying to Be My Baby" (Carl Perkins)

The Beatles:

John Lennon (vocais principais, vocais de apoio e harmonias vocais; guitarra elétrica rítmica e violão; harmônica; pandeireta, palmas).

Paul McCartney (vocais principais, vocais de apoio e harmonias vocais; baixo elétrico e violãoguitarra acústica; piano, órgão Hammond; palmas).

George Harrison (vocais de apoio e harmonias vocais; guitarras elétrica solo (de seis e doze cordas) e violão; percussão, palmas; vocais principais em "Everybody's Trying to Be My Baby").

Ringo Starr (bateria, pandeireta, maracas, tímpano, campana, packing case, bongôs; vocais principais em "Honey Don't").

Referências:

thebeatles.com

wikipdia.org