“Born In The U.S.A.” (Columbia, 1984), Bruce Springsteen

Por Sidney Falcão

Em 1984, os Estados Unidos se encontravam às vésperas de uma eleição presidencial crucial. De um lado, o carismático Ronald Reagan (1911-2004), ex-astro de Hollywood, buscava a reeleição pelo Partido Republicano, aproveitando-se do ímpeto da recuperação econômica após um período de recessão entre 1981 e 1982. Do outro lado do ringue político estava Walter Mondale (1928-2021), ex-vice-presidente dos Estados Unidos durante o mandato de Jimmy Carter entre 1977 e 1981. 

Nesse caldeirão político fervilhante, surge Born In The U.S.A., o sétimo álbum de estúdio do renomado cantor e compositor Bruce Springsteen. Por mais que o título do disco e a faixa homônima possam sugerir um hino de patriotismo cego, a verdade é bem mais complexa. O álbum é um retrato vívido da desilusão e frustração do cidadão comum americano diante de seu país, uma reflexão contundente sobre as falhas e contradições da nação. No entanto, de forma astuta, o então candidato à reeleição, Ronald Reagan, apropriou-se da música para sua campanha eleitoral, distorcendo completamente a mensagem original do autor. 

Springsteen já era uma figura de destaque na cena musical naquele momento. Com apenas 34 anos de idade e duas décadas de carreira, o artista acumulava uma série de álbuns aclamados pela crítica e pelo público, incluindo obras como Born To Run (1975), Darkness On The Edge Of Town (1978), The River (1980) e Nebraska (1982). 

Embora oficialmente lançado em 1984, parte do material de Born In The U.S.A. começou a ser gravado já em janeiro de 1982, antes do lançamento de Nebraska naquele mesmo ano. A maior parte das faixas, no entanto, foi registrada entre 1983 e 1984. Ao todo, foram gravadas 70 músicas, com apenas 12 selecionadas para compor o álbum final. Springsteen contou com a colaboração fiel de sua banda de longa data, The E Street Band, durante as sessões de gravação. A produção ficou a cargo de Jon Landau, Chuck Plotkin, Bruce Springsteen e Steven Van Zandt, o guitarrista da E Street Band. 

O álbum começa com a faixa-título, que possui uma base instrumental forte e imponente, trazendo um Bruce Springsteen cantando com a alma, com total entrega. Associada equivocadamente a uma ideia de patriotismo desmedido e “engessado”, o conceito da letra na verdade segue num caminho inverso: é crítico, questionador, e mostra um eu lírico desiludido, frustrado como cidadão com o seu próprio país. Toca de maneira sensível ao tratamento dispensado aos veteranos da Guerra do Vietnã, que entregaram a sua vida e a sua juventude naquele conflito bélico, mas que após a guerra, eram tratados como meros produtos descartáveis. 

Ronald Reagan e sua esposa Nancy Reagan em campanha
pela reeleição em 1984: carona na popularidade de Born In The U.S.A.  

“Cover Me” traz Springsteen com a sua voz rouca e rasgada cantando versos onde o eu lírico busca num relacionamento conjugal, além de vivenciar um grande amor, apoio emocional e abrigo diante dos desafios da vida.

A contagiante "Darlington County" é um country rock sobre dois amigos que partem de Nova York de carro e seguem numa viagem em busca de aventura e romance. 

“Working On The Highway” é um rockabilly alegre e agitado que contrasta com o tema da letra da música que conta a história um operário que trabalha duro numa rodovia, mas que um dia foi preso arbitrariamente após um romance com uma garota que contrariou o pai severo e os irmãos dela. 

Em “Downbound Train”, o eu lírico reflete sobre uma série de acontecimentos infelizes em sua vida, como a perda do emprego e o fim do relacionamento com a mulher que ele tanto o amava, mas que o deixou. Os sintetizadores criam todo uma sonoridade que combina com a sensação de perda, desespero e saudade vivenciada pelo eu lírico. 

Fechando o lado 1 do álbum, "I'm On Fire", uma balada despojada, de clima atmosférico e arranjo minimalista. O riff repetitivo de guitarra e os teclados “forrando” a base de fundo, dão suporte para os vocais sussurrados de Springsteen cantarem versos que tratam sobre desejo ardente e um amor não correspondido. O eu lírico expressa seu anseio por alguém que não pode ter, transmitindo uma sensação de saudade e frustração. 

O lado 2 começa com “No Surrender”, que quase ficou de fora do álbum, mas foi incluída de última hora graças à persistência de Steven Van Zandt. Neste pop rock, os versos celebram a amizade, a resiliência e o otimismo juvenil. 

"Bobby Jean" emerge como uma comovente despedida de Van Zandt, possivelmente prenunciando sua partida iminente da E Street Band após as gravações de Born In The U.S.A.. Na letra, o eu lírico evoca o seu passado, relembrando um amigo que partiu em busca de seus sonhos. 

Bruce Springsteen e a E Street Band em foto do encarte do álbum Born In The U.S.A.

"I'm Goin' Down" é uma explosão de batidas fortes, riffs de guitarra arrebatadores e um solo de saxofone de tirar o fôlego. Apesar da atmosfera festiva da música, a letra retrata um relacionamento em colapso, onde o eu lírico luta em vão para salvar algo fadado ao fracasso. 

"Glory Days" se destaca como uma das faixas mais emblemáticas do álbum, um rock alegre e contagiante, impregnado de nostalgia, onde o protagonista rememora os dias gloriosos da juventude. “Dancing In The Dark” personifica o poder do pop rock, uma composição feita sob medida para dominar as paradas de sucesso radiofônicas. 

O álbum conclui sua jornada emocional com a balada folk “My Hometown”, onde o eu lírico evoca memórias de orgulho transmitidas por seu pai sobre a realidade da cidade natal. Entre recordações de violência racial e depressão econômica, o protagonista, agora um homem adulto e pai de família, contempla a possibilidade de deixar sua cidade natal com sua família, mas não sem antes transmitir os valores comunitários para seu filho. 

Assim que Born In The U.S.A. foi lançado em 4 de junho de 1984, Bruce Springsteen e a E Street Band embarcaram em uma extensa turnê que se estendeu por pouco mais de um ano, encerrando-se em outubro de 1985. Esta jornada musical percorreu a América do Norte, Austrália e alguns países da Ásia e da Europa, totalizando cerca de 186 apresentações. 

O álbum Born In The U.S.A. gerou sete singles de sucesso, incluindo "Dancing In The Dark", "Cover Me", "Born In The USA", "I’m On Fire", "Glory Days", "I’m Goin Down" e "My Hometown", todos alcançando o Top 10 das paradas de singles dos Estados Unidos. Além disso, Born In The U.S.A. dominou as paradas de álbuns em vários países, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Suécia, Noruega, Canadá e Austrália. 

Bruce Springsteen e Clarence Clemons em show da turnê Born In The U.S.A.,
em Murfreesboro, no Tennessee, em dezembro de 1984.

As vendas de Born In The U.S.A. foram espetaculares. Somente nos Estados Unidos, Born In The U.S.A. vendeu mais de 17 milhões de cópias. No Reino Unido, alcançou 1,2 milhão de cópias vendidas, enquanto na Itália, Alemanha e Canadá atingiu a marca de 1 milhão de cópias vendidas em cada país. 

O sucesso estrondoso de Born In The U.S.A. rendeu várias indicações e prêmios. Em 1985, o álbum levou para casa o Grammy de "Melhor Performance Vocal de Rock" por "Dancing In The Dark", além de três American Music Awards, incluindo "Álbum favorito de pop rock", "Álbum pop rock favorito de artista masculino" e "Vídeo favorito de artista masculino". 

Além disso, o impacto de Born In The U.S.A. levou Bruce Springsteen a ser convidado a participar do projeto USA For Africa, em 1985, uma verdadeira constelação de astros da música americana que gravou um álbum para angariar fundos para o combate à fome na Etiópia. A canção "We Are The World", composta por Michael Jackson e Lionel Ritchie para o encontro estelar, foi o grande sucesso do ano. O fantástico dueto entre Springsteen e Stevie Wonder é um dos momentos mais memoráveis de "We Are The World". 

Born In The U.S.A., a obra-prima de Bruce Springsteen, transcendeu as fronteiras de um mero álbum de sucesso comercial para se estabelecer como um marco da cultura pop americana. Não se tratava apenas de um conjunto de canções, mas sim de um manifesto de fidelidade aos heróis da classe trabalhadora e às almas esquecidas do sonho americano. Desde a faixa-título que abre o álbum até a faixa de encerramento, cada nota refletia esperanças e lutas de um povo imerso em transformações políticas e sociais. Born In The U.S.A. não apenas catapultou Springsteen de um respeitado artista a um astro mundial do rock, mas também continua a ecoar em mentes e corações através das gerações ao longo do tempo. 

Faixas

Todas as canções são de autoria de Bruce Springsteen. 

Lado 1

  1. "Born In The U.S.A."
  2. "Cover Me"
  3. "Darlington County"
  4. "Working On The Highway"
  5. "Downbound Train"
  6. "I'm On Fire" 

Lado 2

  1. "No Surrender"
  2. "Bobby Jean"
  3. "I'm Goin' Down"
  4. "Glory Days"
  5. "Dancing In The Dark"
  6. "My Hometown" 


Ouça na íntegra o
álbum Born In The U.S.A.

"Born In The U.S.A." (videoclipe oficial)

"I'm On Fire" (videoclipe original)

"Glory Days" (videoclipe original)

"Dancing In The Dark" (videoclipe original)









Comentários

  1. Na minha opinião, o melhor disco lançado em 1984. Trabalho essencial para conhecer a obra e a história do "The Boss" (apelido com o qual Bruce Springsteen é conhecido pelo público), e um item obrigatório em qualquer biblioteca musical. Born in the U.S.A. completa suas quatro décadas de sucesso em 2024 sendo um álbum que resistiu muito bem ao tempo e que até hoje mantém a sua relevância de forma impressionante. Longa vida a Bruce Springsteen e ao Born in the U.S.A. !

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