"À Flor da Pele" (EMI–Valentim de Carvalho,1981), UHF


Por Sidney Falcão

A década de 1970 representou para Portugal uma transição crucial, tanto no âmbito político quanto cultural. O estopim dessa mudança foi a Revolução dos Cravos, desencadeada em abril de 1974 que pôs fim a 41 anos de regime autoritário do Estado Novo em Portugal. Esse período de metamorfose em direção à democracia também abriu espaço para uma efervescência cultural, especialmente na música.

Foi nesse caldo de transformações que o rock português passou por um processo de renovação e fez surgir um nova geração de bandas e cantores do gênero como Rui Veloso, Xutos & Pontapés, GNR, Taxi, Trabalhadores do Comércio entre outros nomes. Dessa geração renovadora do rock português também fez parte a banda UHF, que trouxe em suas canções letras muitas vezes imersas em questões sociais e políticas.

A história da UHF começou em 1977, na cidade de Costa de Caparica, em Almada, Portugal, quando António Manuel Ribeiro (voz e guitarra), Carlos Peres (baixo) e Alfredo Antunes (bateria) formaram a banda Purple Legion. Em 1978, a banda foi rebatizada para À Flor da Pele, e mais tarde para UHF, consolidando a formação num quarteto com António Manuel Ribeiro (voz e guitarra), Renato Gomes (guitarra), Carlos Peres (baixo) e Américo Manuel (bateria). Sob influência do punk e do nascente pós-punk das bandas britânicas, a UHF fez a sua primeira apresentação em 20 de novembro de 1978, no Bar É, em Lisboa, quando se apresentaram também as bandas Aqui d’el-Rock, Minas e Armadilhas e Os Faíscas.

Em outubro de 1979, a UHF lançou o EP Jorge Morreu, pelo selo Metro-Som, que trazia três canções, a faixa-título, "Caçada" e "Aquela Maria". O EP, no entanto não causou nenhuma repercussão. Após o lançamento do EP, a UHF trocou de baterista: saiu Américo Manuel e em seu lugar entrou Zé Carvalho.

No ano seguinte, em 1980, o quarteto assinou contrato com a gravadora Valentim de Carvalho. A banda lançou o seu primeiro single, "Cavalos de Corrida", cujo lado B continha a canção "Palavras". O single alcançou um grande sucesso em Portugal e figurou em 1° lugar nas paradas de singles daquele país por várias semanas. O sucesso do single contribuiu para que o novo momento do rock português tivesse visibilidade na grande mídia portuguesa.

Intitulado À Flor da Pele, o álbum de estreia da UHF foi lançado em junho de 1981. Sob a produção de Luís Filipe Barros e Nuno Rodrigues, o álbum À Flor da Pele carrega ao longo das suas oito faixas, influência sonora do punk e do pós-punk britânicos, com claras referências a bandas como The Clash e Gang Of Four, evidenciando a sonoridade simples, econômica e, por vezes, veloz da UHF, marcada pela presença de uma robusta linha de baixo.

Destaque notável no trabalho da UHF é a escrita das canções, majoritariamente assinadas por António Manuel Ribeiro, vocalista e guitarrista da banda. Ribeiro, reconhecido como um dos mais importantes compositores de sua geração no cenário do rock português, teve como referências artistas questionadores e politizados, como o emblemático José Afonso (1929-1987), figura destacada na Revolução dos Cravos, de 1974. Outras referências para ele no campo do texto das canções são ícones do rock como Patti Smith, Lou Reed (1942-2013), John Lennon (1940-1980) e Jim Morrison (1943-1971).

UHF, da esquerda para a direita Zé Carvalho, António Manuel Ribeiro,
Renato Gomes e Carlos Peres. 

À Flor da Pele começa com o ritmo acelerado de "Rua do Carmo", uma música que se tornou um clássico do rock português. Os versos tratam sobre uma famosa rua de Lisboa e que dá nome à faixa, retratando o cotidiano daquela importante via pública na capital portuguesa.

"Rapaz Caleidoscópio" descreve um indivíduo intelectual que perambula pelas ruas do Bairro Alto, em Lisboa, com uma aparência marcante, vestindo couro preto. A canção teria sido inspirada por António Manuel Ribeiro num amigo seu, Luís António Vitta, um homem alheio às convenções tradicionais.

O estado emocional e ambíguo do eu lírico é tratado nos versos de "Nove e Trinta", enquanto que "(Anjo) Feiticeiro encerra o lado 1 do álbum, com seu ritmo lento e uma letra complexa e introspectiva.

"Modelo Fotográfico" retoma o ritmo contagiante e veloz ao abrir o lado 2 do álbum À Flor da Pele. A letra é sobre a fascinação do eu lírico da canção por uma linda e sensual de ia modelo fotográfico bonita e sensual de anúncio publicitário.

"Roleta Russa" descreve um ambiente noturno marginalizado, onde homens de caráter duvidoso jogam fortunas e acabam saindo na bancarrota. A vida à margem social prossegue em "Geraldine", que trata sobre uma garota que ganha a vida se prostituindo e é explorada pelo cafetão.

O álbum termina com "Ébrios (Pela Vida)", a faixa mais longa de À Flor da Pele. É também a faixa com a letra mais introspectiva e melancólica do disco. O eu lírico encontra um recurso no álcool para aplacar toda a sua angústia que parece consumi-lo: "Às vezes prefiro despejar copos no meu silêncio macabro / Nas margens deserto / Por entre os dedos, o medo, o medo... / Estou a ficar bêbado, sabes / Bêbado na ânsia felina da espera".

As primeiras 12.500 cópias de À Flor da Pele incluíam um single extra com as faixas "Quem Irá Beber Comigo? (Desfigurado)" e "Noite Dentro". Através de faixas como "Rua do Carmo", "Modelo Fotográfico" e "Rapaz Caleidoscópio", o álbum foi um grande sucesso comercial. Ao chegar à marca das 30 mil cópias vendidas, a UHF foi contemplada com o primeiro disco de ouro. À Flor da Pele alcançou o 1° lugar na parada de álbuns em Portugal. Para promover o álbum, a UHF partiu para uma turnê com 138 apresentações e, no final doa ano, o quarteto foi contemplado com um prêmio na categoria "Revelação", pela Casa da Imprensa, em Portugal.

Após o sucesso de À Flor da Pele, a UHF prosseguiu com a sua carreira vitoriosa e longeva. Lançou álbuns, fez turnês regularmente e cravou o seu nome entre os mais importantes na história do rock português.

O álbum À Flor da Pele é um marco significativo no rock português. Elogiado por inovações musicais, letras poéticas e relevância cultural, o álbum incorporou elementos do punk e new wave, influenciou outras bandas e elevou o padrão lírico. Com sucesso comercial, refletiu o espírito da década de 1980 em Portugal, consolidando a posição da banda e contribuindo para o reconhecimento do rock português. Seu legado perdura, destacando-se como uma peça importante na história do rock no país.


Faixas

Lado 1

  1. "Rua do Carmo" ( António M. Ribeiro)          
  2. "Rapaz Caleidoscópio" (António M. Ribeiro / Renato Gomes)         
  3. "Nove e Trinta" ( António M. Ribeiro)            
  4. "(Anjo) Feiticeiro" ( António M. Ribeiro)       

             

Lado 2

  1. "Modelo Fotográfico" ( António M. Ribeiro)              
  2. "Rola Roleta" ( António M. Ribeiro / Carlos Peres / Zé Carvalho)   
  3. "Geraldine" ( António M. Ribeiro / Carlos Peres)      
  4. "Ébrios (pela vida)" ( António M. Ribeiro / Carlos Peres)

 

UHF: António Manuel Ribeiro (vocal, guitarra e teclados), Carlos Peres (baixo e vocal de apoio), Renato Gomes (guitarra) e Zé Carvalho (bateria).

 
Ouça na íntegra o álbum À Flor da Pele


"Rua do Carmo" (videoclipe oficial)


"Modelo Fotográfico" (videoclipe oficial)

Comentários