"The Works" (EMI Records, 1984), Queen


Por Sidney Falcão

Se houve um álbum que gerou uma grande polêmica na trajetória do Queen, sem sombra de dúvidas foi Hot Space, lançado em 1982. Talvez empolgada com o sucesso de "Another One Bites The Dust", faixa do álbum The Game (1980), onde a banda britância flertou com o funk e a disco music, e fez uso de sintetizadores pela primeira vez (assim como nas outras faixas daquele álbum), o Queen apostou todas as suas fichas numa imersão ainda maior na sonoridade eletrônica em Hot Space. 

O problema é que a incursão mais profunda do Queen numa musicalidade mais pop e eletrônica em Hot Space em detrimento ao rock clássico e imponente que consagrou o quarteto britânco, não foi bem "digerido" pelos fãs e pelo jornalismo musical. A banda exagerou na dose e o álbum foi completamente execrado pelo público e pela crítica. A única coisa que se salvou em Hot Space foi a faixa "Under Pressure", que contou com a participação especial de David Bowie, que tornou-se um grande sucesso mundial. 

O fracasso comercial e artístico de Hot Space instaurou uma crise na banda. Discordâncias criativas e de opinião entre os membros é algo comum em bandas de sucesso, e com o Queen, que havia alcançado o status de gigante do rock, não foi diferente. O processo de experimentação musical nos álbuns anteriores, sobretudo em Hot Space, gerou algumas divergências internas sobre a direção artística da banda.

Diante da crise que se abateu no Queen, seus integrantes optaram em fazer uma pausa. Pela primeira vez em dez anos, a banda não fez turnês e nem gravações. Cada membro do Queen decidiu dedicar-se a projetos individuais, o que de uma certa maneira foi positivo porque ajudou a dar uma "arejada" criativa nos quatro integrantes da banda.

A recepção controversa de Hot Space provocou uma reflexão na banda, levando seus integrantes a reconhecer a necessidade de se reconectar com seu público e retornar às raízes musicais que os consagraram como ícones do rock. Esse período foi marcado por uma reinvenção musical, onde o Queen procurou equilibrar as experimentações anteriores com a tradicional sonoridade roqueira da banda, tão familiar para os fãs. 

Cerca de um ano e meio depois, por volta de agosto de 1983, Freddie Mercury, Brian May, John Deacon e Roger Taylor se reuniram para darem início às gravações de um novo álbum do Queen. O material para o novo álbum foi gravado nos estúdios Record Plant, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Era a primeira vez que a banda britânica gravava um álbum naquele país. O álbum foi produzido pelo próprio Queen e com co-produção do engenheiro de som Reinhold Mack. As gravações foram concluídas no estúdio Musicland, na então Alemanha Ocidental (hoje apenas Alemanha). 

Capa do execrado Hot Space.

Intitulado The Works, o novo álbum do Queen foi lançado em 27 de fevereiro de 1984. Se em Hot Space o Queen deixou o rock de lado e focou numa linha musical mais dançante e pop, em The Works, a banda procurou estabelecer um equilíbrio entre o rock poderoso e imponente que a consagrou com referências de funk, R&B, baladas e pop eletrônico. 

O álbum começa com o megahit "Radio Ga Ga", um hino poderoso que reflete sobre a influência da mídia, com uma melodia cativante e um refrão marcante. A música tem ares futuristas, protagonismo de sintetizador e bateria eletrônica programada, vocais robóticos. Curiosamente, a guiatarra de Brian May só aparece na reta final da música, e assim mesmo, comedidamente. "Radio Ga Ga" foi escrita por Roger Taylor inspirado na reação do seu filho, ainda uma criança, ao ouvir uma música no rádio: "radio ca ca !" . Roger trocou a expressão "ca ca" por "ga ga". Em seus versos, "Radio Ga Ga" expressa nostalgia pela época em que o rádio era central na vida das pessoas, ao mesmo tempo em que lamenta seu possível declínio diante de outras formas de mídia, como a televisão. "Radio Ga Ga" destaca a preocupação sobre o rádio se tornar obsoleto e perder seu valor cultural e emocional. 

"Tear It Up" é um hard rock ao estilo Queen tradicional: guitarras distorcidas, bateria pesada e vocais melódicos e ao mesmo tempo agressivos. "It's A Hard Life" é uma balada emocional que destaca a habilidade vocal de Freddie Mercury, com arranjos elaborados, uma atmosfera melódica envolvente e um refrão que evoca o de "Play The Game", canção do disco The Game, de 1980. A letra fala sobre aproveitar a vida, sem perder tempo, e celebrar o amor e a paixão. 

Outra música de The Works que remete ao álbum The Game é "Man On The Prowl", faixa que encerra o lado 1 do disco. Esta faixa possui influência de rockabilly, assim como "Crazy Little Thing Called Love", um dos grandes sucessos do álbum The Game. "Man on the Prowl" aborda a busca por aventura e liberdade após o término de um relacionamento. A própria expressão "man on the prowl" sugere um estado de alerta, o indivíduo em busca de novas experiências e aventuras. Reflete um conflito entre a busca por um novo amor e o anseio por uma vida mais livre e desimpedida. 

"Machines (Or 'Back To Humans')" abre o lado 2 de The Works, onde o Queen faz uma incursão experimental com sintetizadores, batidas eletrônicas e vocalizações robóticas. No entanto, o baixo e as guitarras marcam presença, dando o tom roqueiro à faixa, cuja letra trata sobre um futuro distópico, onde o mundo é dominado por máquinas. 

Queen em cena do vídeo clipe de "Radio Ga Ga".

"I Want To Break Free" é outro grande sucesso do Queen escrito por John Deacon. A música tem um forte apelo popular e carisma. Ao invés do tradicional solo de guitarra de Brian May, Deacon queria um solo de sintetizador, que foi executado pelo tecladista convidado Fred Mandel. Os versos de "I Want To Break Free" tratam sobre alguém que luta para se libertar de uma relação conjugal tóxica, opressiva e possessiva, onde o eu lírico busca uma liberdade emocional e física. 

"Keep Passing The Open Windows" foi composta por Freddie Mercury para o filme The Hotel New Hampshire, baseado num livro de John Irving. Os versos fazem referência a superação, perseverança e esperança diante das dificuldades da vida, e a importância de acreditar em si mesmo. Musicalmente, "Keep Passing The Open Windows" é um misto de hard rock e pop, no qual a banda faz uma alternância rítmica entre o lento e veloz.  

"Hammer To Fall" é um hard rock empolgante que traz na sua letra, de forma metafórica, uma mensagem antibelicista, numa época em que o mundo vivia sob a dualidade entre Estados Unidos e União Soviética. A balada acústica "Is This The World We Created...?", fecha o álbum, e tem uma introdução que faz lembrar a de "Love Of My Life, versão estúdio. Seus versos fazem uma reflexão sobre a crueldade, desigualdade e sofrimento no mundo, questionando se esse é o mundo intencionalmente criado pela humanidade, levantando preocupações sobre responsabilidade e compaixão diante do impacto das ações humanas na sociedade e no planeta. 

Com The Works, o Queen conseguiu se redmir do fracasso de Hot Space. A imprensa musical teve uma recepção positiva que saudou o novo trabalho como um retorno do Queen às raízes roqueiras que estiverm ausentes no álbum anterior. The Works alcançou 1° lugar na parada de álbuns de Portugal e Holanda, e 2° lugar na parada de álbuns do Reino Unido. Nos Estados Unidos chegou ao 23° lugar na parada da Billboard 200. 

As faixas "Radio Ga Ga" e "I Want To Break Free" estouraram nas paradas radiofônicas de todo o mundo. As duas músicas alcançaram grande índice de popularidade graças ao sucesso de seus respectivos videoclipes. Enquanto o videoclipe de "Radio Ga Ga" trazia o Queen num cenário futurista inspirado no filme Metropolis, de Fritz Lang, o videoclipe de "I Want To Break Free" apresenta os membros do Queen em trajes femininos, numa paródia à novela britânica Coronation Street. O videoclipe de "I Want To Break Free" chegou a ser banido da MTV americana, mas fez um grande sucesso mundial. 

Em agosto de 1984, o Queen iniciou a turnê  de The Works, que durante nove meses, passou pela Europa, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Brasil e África do Sul. 

A apresentação do Queen na África do Sul, em outubro de 1984, foi bastante criticada pela opinião pública internacional. A África do Sul estava sob regime do apartheid, e que por isso, era boicotado por vários artistas internacionais que evitavam se apresentar naquele país. 

No Brasil, o Queen foi uma das mais marcantes atrações da primeira edição do Festival Rock In Rio, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1985, onde se apresentou em duas noites. Em julho de 1985, o Queen fez uma apresentação antológica no Festival Live Aid, no estádio de Wembley, em Londres, ocasião em que Freddie Mercury comandou milhares de fãs que participaram em uníssino na música "Radio Ga Ga". 

Faixas 

Lado 1

  1. "Radio Ga Ga" (Roger Taylor)
  2. "Tear It Up"  (Brian May)       
  3. "It's a Hard Life" (Freddie Mercury)  
  4. "Man On The Prowl"  (Freddie Mercury)                     
  5. "Machines (or 'Back to Humans')" (Brian May - Roger Taylor) 

Lado 2

  1. "I Want To Break Free" (John Deacon)          
  2. "Keep Passing The Open Windows" (Freddie Mercury)                      
  3. "Hammer To Fall" (Brian May)                         
  4. "Is This the World We Created...?" (Freddie Mercury - Brian May)


QueenFreddie Mercury (vocal principal, piano, teclado), Brian May (guitarras, teclados, vocais), John Deacon (baixo, teclados), Roger Taylor (bateria, vocais). 

Referências:

Queen - Classic Rock Speciale, nº 11 - novembro-dezembro/2018, Sprea Editori, Italia

queenonline.com  

Ouça na íntegra o álbum The Works

"Radio Gaga" (videoclipe oficial)

"I Want To Break Free" (videoclipe original)
 
"It's A Hard Life" (videoclipe)
  
"Hammer To Fall"

"Is This the World We Created...?"

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