"New York Dolls" (Mercury Records, 1973), New York Dolls


Por Sidney Falcão

Imagine uma banda de rock composta por cinco indivíduos vestindo calças coladas ao corpo, echarpes, botas com saltos plataforma imensos, os rostos com maquiagem pesadas e os lábios marcados com baton, tocando um tipo de música que seria uma mistura do rock'n'roll dos Rolling Stones com o peso e a fúria sonora do MC5. Esse bando de malucos entrou para a história do rock com o sugestivo nome de New York Dolls ("Bonecas de Nova York"). Com o seu visual andrógino tosco e a sua crueza sonora, os New York Dolls sacudiram a cena roqueira alternativa de Nova York na primeira metade dos anos 1970 e ajudaram a pavimentar caminho para uma nova geração de bandas nova-iorquinas que viria pouco depois como Ramones, Blondie, Talking Heads e Television, e que daria um novo rumo para o rock, não apenas nos Estados Unidos, mas também no Reino Unido.

A história dos New York Dolls começa em 1971, tendo em sua formação David Johansen (vocais), Johnny Thunders (guitarra solo, 1952-1991), Rick Rivets (guitarra base), Arthur Kane (baixo, 1949-2004) e Billy Murcia (bateria, 1951-1972). Poucos meses depois, Rivets deixa a banda e é substituído por Sylvain Sylvain (1951-2021), um velho amigo de Murcia dos tempos de colégio. Em dezembro de 1971, ocorre a primeira apresentação da banda ao vivo, no Endicott Hotel, em Nova York, outrora um hotel de luxo que entrou em declínio e virou um lugar decadente, abrigando sem-tetos, viciados em drogas e traficantes. 

Em outubro de 1972, o quinteto partiu para uma turnê na Inglaterra, onde conseguiu abrir alguns shows dos Faces, na época ainda com Rod Stewart nos vocais. No começo de novembro, quando a banda ainda estava na Inglaterra em turnê, ocorre uma tragédia: Billy Murcia morre vítima de uma overdose após ingerir álcool e drogas numa festa em Londres. Desmaiado, Murcia foi colocado numa banheira e deram-lhes  café na tentativa de reanimá-lo. A ideia deu errado: Múrcia acabou morrendo asfixiado, provavelmente pelo próprio vômito. 

De volta a Nova York, a banda sai à procura de um substituto para ocupar o lugar de Murcia. Após testes com alguns bateristas, o escolhido foi Jerry Nolan (1946-1992), que entra para os New York Dolls no final de 1972. 

New York Dolls, da esquerda para a direita: Arthur Kane, Jerry Nolan,
David Johansen, Sylvain Sylvain e Johnny Thunders.

Em março de 1973, a banda assina contrato com a gravadora Mercury Records para gravação de dois álbuns. No mês seguinte, o quinteto entra nos estúdios da The Record Plant, em Nova York, para gravar o seu primeiro álbum, sob a produção de Todd Rudgren. As gravações ocorreram durante oito dias, foi tudo muito rápido.

O álbum de estreia dos New York Dolls foi lançado em 27 de julho de 1973, e leva o próprio nome da banda. A capa mostra o quinteto em trajes femininos, uma imgem provocativa, para chocar os mais conservadores. Provocar e chocar talvez tenham sido os principais propósitos da banda.

Composto por dez faixas de autoria da banda e uma releitura de uma canção de Bo Diddley (1928-2008), o primeiro e autointitulado álbum dos New York Dolls mostra que a provocação e o deboche da banda não se limitavam ao viual, mas também estavam presentes no tipo de música que praticava. Percebe-se influências de Rolling Stones (especialmente na levada rítmica e nos vocais berrados de David Johansen), Chuck Berry (1926-2017), MC5 e Stooges. 

O álbum abre com um clássico do glam rock, "Personality Crisis", música que mostra as credenciais dos New York Dolls. A faixa funde a descontração dos Rolling Stones com o peso e a agressividade inspirada nos Stooges e MC5. "Looking For A Kiss" é uma canção sobre um sujeito apaixonado que busca a todo custo o beijo da garota pela qual está apaixonado. 

"Vietnamese Baby" foi composta numa época em que a Guerra do Vietnã envergonhava o mundo. O produtor Todd Rudgren tocou sintetizador nesta faixa, dividindo espaço com as guitarras punks de Thunders e Sylvain. A faixa seguinte, "Lonely Planet Boy", acalma o clima com a sua suavidade, com direito a solos de saxofone de Buddy Bowser e um David Johansen mais dócil, cantando calmamente. 

O lado 1 do álbum encerra com "Frankenstein", a faixa mais longa do álbum, com aproximadamente cinco minutos de duração. A banda retoma o seu som nervoso, estressado, acentuado pelos vocais berrados de Johansen e os solos alucinantes de guitarra de Thunders. 

A crueza sonora dos New York Dolls prossegue com "Trash", faixa que abre o lado 2 do álbum. Os versos de "Trash" tratam sobre uma relação de amor confusa e explosiva de um casal que vive no submundo barra pesada da Nova York do começo dos anos 1970. Destaque para o refrão onde um vocal de apoio agudo e doce faz um contraponto com o vocal agressivo de David Johansen e o som pesado da banda. 

"Bad Girl" é um rock proto-punk sobre o um indivíduo completamente dominado pelo poder de sedução de uma garota. Ele deseja essa garota com todas as suas forças, mas ela o despreza como um bagaço de laranja. Com um início em rítmo de rock balada, "Subway Train" é marcada pela alternância de momentos mais melódicos e agradáveis com momentos pesados e velozes. 

A única faixa não-autoral do álbum é "Pills", canção originalmente gravada por Bo Diddley em 1961. Os New York Dolls fizeram uma versão muito inspirada nos Rolling Stones, seja através dos vocais e da gaita tocada por Johansen ou na base instrumental executada pela banda como um todo. A letra tem todo um apelo sexual, onde uma enfermeira ninfomaníaca tenta assediar o seu paciente. 

O sexo está presente na próxima faixa, "Private World", em que o eu lírico recorre a uma prostituta para realizar as suas fantasias sexuais. Encerrando o álbum, "Jet Boy", um rock sobre um garoto voador que através de um jato, sobrevoa Nova York carregando consigo a namorada do eu lírico da canção, que lá em baixo, se desespera e teme ter perdido a sua garota para o rapaz voador. 

A reação da imprensa musical da época ao lançamento de New York Dolls, o álbum, beirou entre o controverso e o negativo. Tony Glover, da revista Rolling Stone, impressionou-se com a qualidade da produção do álbum, a cargo de Todd Rudgren. Nick Kent, da revista NME (New Music Express), destacou em seu artigo que o álbum do New York Dolls era o único caminho que o rock deveria seguir naquele começo dos anos 1970. Numa visão inversa, Mark Plummer, crítico musical da Melody Maker, afirmou que a forma de tocar da banda era o que de pior ele havia ouvido até então. 

O cantor, compositor, multiinstrumentista e produtor Todd Rundgren, responsável
pela produção do álbum de estreia da banda New York Dolls. 

Se os comentários dos críticos musicais se dividiam, as vendas do álbum foram um fracasso comercial por completo, muito abaixo do esperado. O álbum de estreia dos New York Dolls vendeu pouco mais de 100 mil cópias.  

O lançamento do álbum foi seguido por uma turnê dos New York Dolls pelos Estados Unidos, abrindo os shows da banda britânica Mott The Hoople, que estava em pleno auge. No ano seguinte, em 1974, os New York Dolls lançaram o segundo álbum de estúdio, Too Much Too Soon, um trabalho que assim como o primeiro, também não teve um grande desempenho comercial. 

Em 1975, os New York Dolls passavam por momentos muito tensos. Problemas com álcool e drogas de Thunders, Nolan e Kane somavam-se aos conflitos entre os membros da banda por causa das diferenças artísticas. Foi nesse em meio a essa tirmenta de problemas que o inglês Malcolm McLaren (1946-2010), tornou-se empresario dos New York Dolls. Já algum tempo, McLaren, vinha fazendo a ponte-aérea Londres-Nova York, pois ele tinha negócios na área da moda alternativa com a sua esposa, a estilista Vivienne Westwood (1942-2022). Em março do mesmo ano, Thunders e Nolan deixaram a banda, sendo substituído por outros músicos. Aos poucos, o grupo se esfacelava. O contrato com a Mercury terminou e não foi renovado, e no final de 1976, a banda se desfez. Antes mesmo da banda acabar, McLaren havia deixado o carrgo de empresário dos New York Dolls e retornado para Londres, onde em pouco tempo, iria ajudar a criar os Sex Pistols. 

Após o fim dos New York Dolls, cada integrante prosseguiu com projetos individuais ou em parceria, sendo que o melhor sucedido foi David Johansen, que no final dos anos 1980, adotou o pseudônimode Buster Poindexter, e com essa identidade, fez uma série de aprentações e gravou discos com um repertório formado por canções de jazz, lounge music e música caribenha. 

Em 2004, quase trinta anos depois do seu final, os New York Dolls voltaram à ativa. A banda nova-iorquina retornava aos palcos tendo apenas David Johansen, Sylvain Sylvain e Arthur Kane da formação original. Com ajuda de Morrissey, os New York Dolls se apresentaram no Meltdown Festival, em Londres, em junho de 2004, onde tudo foi gravado ao vivo e lançado nos formatos álbum e DVD sob o título Morrissey Presents: The Return Of New York Dolls Live From Royal Festival Hall. No mês seguinte, Kane faleceu vítima de leucemia. 

A banda prosseguiu nos anos seguintes em atividade, fazendo turnês e lançando álbuns inéditos de estúdio como One Day It Will Please Us To Remember Even This (2006), Cause I Sez So (2009) e Dancing Backward In High Heels (2011). E foi em 2011 que os New York Dolls chegaram ao fim mais uma vez. Dez anos depois, Sylvain Sylvain perdeu a vida após uma batalha contra o câncer, fazendo de David Johansen o único membro vivo da formação original dos New York Dolls.

Faixas

Lado 1

1-"Personality Crisis" (David Johansen - Johnny Thunders)

2-"Looking For A Kiss" (David Johansen)

3-"Vietnamese Baby" (David Johansen)

4-"Lonely Planet Boy"(David Johansen)

5-"Frankenstein"(David Johansen-Sylvain Sylvain)

Lado 2

1-"Trash"(David Johansen-Sylvain Sylvain)

2-"Bad Girl"(David Johansen - Johnny Thunders)

3-"Subway Train"(David Johansen - Johnny Thunders)

4-"Pills" (Bo Didley) 

5-"Private World"(David Johansen - Arthur Kane) 

6-"Jet Boy"(David Johansen - Johnny Thunders)

New York Dolls: David Johansen (gongo, gaita, vocais), Arthur "Killer" Kane (baixo), Sylvain Sylvain (piano, guitarra base e vocais de apoio) e Johnny Thunders (guitarra solo e vocais de apoio) e Jerry Nolan (bateria).


Ouça na íntegra o álbum New York Dolls.

Apresentação dos New York Dolls com
"Looking For A Kiss", no programa 
The Old Gray Whistle Test, na BBC TV,
Reino Unido, em novembro de 1973.

Apresentação dos New York Dolls com
"Jet Boy", no programa 
The Old Gray Whistle Test, na BBC TV,
Reino Unido, em novembro de 1973.

New York Dolls tocando ao vivo 
"Personality Crisis" no programa de TV 
Don Kirshner's Rock Concert, no 
Long Beach Auditorium, Los Angeles, 
em julho de 1974.




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