“Aladdin Sane” (RCA, 1973), David Bowie



Por Sidney Falcão

Em 1972, David Bowie (1947-2016) havia se tornado uma grande estrela do rock graças ao sucesso do álbum The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders FromMars, lançado em junho daquele ano. A saga contada no álbum sobre um astro do rock extraterrestre e bissexual que chega à Terra, levou Bowie a conquistar milhões de fãs mundo a fora e a se apresentar para grandes plateias. Alguns desses fãs chegaram a ir aos concertos da turnê do álbum fantasiados de Ziggy Stardust, o personagem encarnado por Bowie nos shows.

O estrondoso sucesso alcançado por Ziggy Stardust foi tão grande que personagem e cantor acabaram virando uma coisa só. O personagem não se resumia aos palco: não foram poucas as vezes em que David Bowie comparecia a eventos, entrevistas e encontros particulares vestido e maquiado como Ziggy Stardust. Aos poucos, isso foi incomodando o cantor.

Foi então que na reta final da Ziggy Stardust Tour, Bowie decidiu “matar” Ziggy Stardust. A última aparição do astro do rock extraterrestre foi em julho de 1973 no show de Bowie no Hammersmith Odeon, em Londres, Reino Unido.

Foi durante a etapa americana da turnê Ziggy Stardust que David Bowie começou a compor canções para o seu próximo álbum. A inspiração de Bowie para compor essas novas canções foi a sua experiência em solo americano, no que ele viu na sociedade americana com seu olhar estrangeiro. Algumas dessas canções, como “The Jean Genie”, “Panic In Detroit” e “Drive-In Saturday” foram tocadas ao vivo nos shows da turnê Ziggy Stardust antes de Bowie entrar em estúdio para gravar o novo álbum.

David Bowie em apresentação durante a turnê Ziggy Stadust. 

As gravações do novo álbum começaram em outubro de 1972, com a turnê Ziggy Stardust em curso. O empresário de David Bowie na época, Tony Defries, chegou a tentar um contato com o produtor americano Phil Spector (1939-2021) para produzir o novo disco de Bowie, mas ele não deu resposta. Bowie decidiu então ele mesmo cuidar da produção e chamar Ken Scott para ser seu co-produtor. As sessões de gravação ocorreram nos estúdios Trident, em Londres, Inglaterra, entre outubro de 1972 e janeiro de 1973. O material gravado foi mixado nos estúdios da RCA em Nova York e Nashville, nos Estados Unidos.

Os músicos que acompanharam David Bowie nas sessões de gravação foram os mesmos da banda que o acompanhou no disco anterior, os Spiders From Mars: Mick Ronson (1946-1993; guitarra elétrica, piano, vocais de apoio e arranjos de cordas), Trevor Boldier (1950-2013;baixo) e Mick “Woody” Woodmansey (bateria). Quem também participou das gravações foi o pianista Mike Garson, que deu à faixa-título ares de jazz de vanguarda com o seu piano.

Lançado em 13 de abril de abril de 1973, o sexto álbum de estúdio de David Bowie foi intitulado com um nome estranho, Aladdin Sane, que nada mais é do que um trocadilho da expressão “A Lad Insane” (tradução: “Um Rapaz Insano”). Bowie decidiu por esse título inspirado na saúde mental do seu irmão, Terry Jones, que na época foi diagnosticado com esquizofrenia.

A capa de Aladdin Sane traz Bowie com um visual que se tornou um dos mais icônicos da cultura pop em todos os tempos. O cantor aparece com o rosto maquiado com um raio e com o corte de cabelo curto e ruivo. Era um novo personagem que ele assumia e que tem o mesmo nome do álbum. Na prática, a nova persona era uma evolução de Ziggy Stardust, só que mais sombrio. Bowie costumava dizer que esse personagem era um “Ziggy vai à América”, já que o repertório de Aladdin Sane é baseado na experiência vivenciada por Bowie durante a turnê americana de Ziggy Stardust.

Composto por dez faixas, Aladdin Sane traz um repertório musicalmente mais variado que o seu antecessor. Além do glam rock, o álbum passeia por outros estilos, desde o jazz de vanguarda à música de cabaré.

Um dado curioso do disco é que as canções do álbum enfatizam algumas cidades americanas: "Watch That Man" (Nova York), "Drive-In Saturday"(Seattle e Phoenix), "Panic In Detroit"(Detroit), "Cracked Actor"(Los Angeles), "Time"(Nova Orleans) e "The Jean Genie"(Detroit e Nova York novamente). No entanto, duas faixas foram dedicadas a localidades britânicas, “Lady Grinnings”(Londres) e “The Prettiest Star” (Gloucester Road).

O álbum começa com “Watch That Man”, um rock vigoroso, divertido e com refrão “grudento”. A sonoridade rock’n’roll da faixa remete aos Rolling Stones. Destaque para a guitarra de Mick Ronson e para o piano de Mike Garson. O clima alegre e festivo da faixa anterior é quebrado pelo tom melancólico dos primeiros minutos de “Aladdin Sane (1913-1938-197?)”, faixa que dá nome ao disco. Com uma letra que parece tratar sobre um jovem tido como louco e que foi, mesmo assim, convocado para uma guerra, “Aladdin Sane” traz a sensacional performance de Mike Garson ao piano, que cria solos perturbadores e angustiantes. Os números que aparecem como subtítulo da faixa são os anos referentes respectivamente ao início da Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, e o último a uma possível guerra mundial que na visão do cantor, poderia acontecer em algum ano da década de 1970.

David Bowie ao lado do guitarrista Mick Ronson, peça fundamental na
sonoridade da fase glam do cantor. 

“Panic In Detroit” foi composta por Bowie inspirado numa experiência vivida por Iggy Pop em Detroit, no chamado “Motim de Detroit”, em 1967, quando houve uma rebelião popular naquela cidade contra uma batida policial num bar noturno que funcionava sem alvará. A base instrumental tenta simular uma batida de salsa em meio ao caótica das guitarras de Mick Ronson.

O lado 1 do álbum finaliza com “Cracked Actor”, cuja letra trata sobre um astro de cinema de passado de fama, mas que aos 50 anos está em plena decadência. A ideia da canção foi baseada no que David Bowie viu nos bastidores de Hollywood, durante a turnê Ziggy Stardust. O cantor presenciou velhos senhores da indústria cinematográfica em encontros animados com prostitutas, regados a muito sexo e drogas.

“Time” abre o lado 2 de Aladdin Sane, uma canção sobre a passagem do tempo. O piano de Mike Garson faz a abertura da canção, bem ao estilo dos pianos de cabaré dos anos 1920. Em seguida, a canção toma um rumo em direção ao rock balada, mas mantendo a presença do piano de cabaré executado por Garson.

A canção “The Prettiest Star” foi escrita por David Bowie em 1970 (dedicada à sua futura esposa Angie Bowie) e foi gravada por ele naquele ano, e que contou com a participação especial de Marc Bolan (1947-1977) na guitarra. A primeira versão é leve, com um arranjo muito bem cuida e que conta com um naipe de cordas que cria todo um clima de romantismo muito forte. Já a versão regravada por Bowie para Aladdin Sane, embora seja uma balada, é mais pesada, mais acentuada para o rock, porém com algumas referências de doo-wop nos vocais de apoio.

Bowie fez uma releitura sensacional de “Let's Spend The Night Together”, um clássico dos Rolling Stones de 1967. A versão de Bowie é mais acelerada e urgente que a original, e possui uns efeitos sonoros criados por sintetizador. “The Jean Genie” possui riff de guitarra muito semelhante ao da canção “La Fille Du Pere”, sucesso de 1966 do cantor francês Jacques Dutronc. O título por sua vez seria uma alusão ao escritor francês Jean Genet (1910-1986), enquanto que a letra dessa música teria sido mais uma presente no disco inspirada em Iggy Pop, o qual Bowie conheceu durante a turnê Ziggy Stardust.

Os Rolling Stones em 1967, ano em que a banda lançou "Let's Spend The Night Together",
regravada por David Bowie seis anos depois para o álbum Aladdin Sane.  

Fechando o álbum,“Lady Grinning Soul”, balada composta por Bowie e dedicada por ele à cantora americana de soul music Claudia Lennear. A letra da canção é sobre alguém que vivenciou um amor forte, intenso, uma paixão tão avassaladora por uma mulher que, ao fim do romance, ele ficou sem rumo, desiludido, desorientado. 

Aladdin Sane foi lançado em plena turnê do álbum anterior. Se por um lado, o álbum foi bem recebido pela imprensa, por outro, chegou a sofrer severas críticas dos fãs mais antigos de David Bowie, provavelmente fãs do artista antes da fase Ziggy Stardust. Para se ter uma ideia, as redações das revistas britânicas Melody Maker e New Music Express receberam várias cartas desses fãs criticando o álbum e tachando Bowie de “vendido”, revoltados por verem o cantor se tornar um ídolo do público adolescente.

Mesmo com a revolta dessa parcela de fãs, Aladdin Sane conseguiu alcançar o 1° lugar no Reino Unido por cinco semanas. Teve pedidos antecipados de 100 mil cópias, levando o álbum rapidamente conquistar o disco de ouro. Aladdin Sane gerou quatro singles: “The Jean Genie”(2° lugar na parada de singles do Reino Unido), “Drive-In Saturday”, “Time” e “Let's Spend The Night Together”.

Durante o restante da turnê Ziggy Stardust, que acabou em julho de 1973, David Bowie tocou todas as faixas de Aladdin Sane, exceto a faixa “Lady Grinning Star”. Em outubro do mesmo ano, Bowie lançou Pin Ups, um álbum apenas de covers de canções de bandas que o cantor admirava nos anos 1960 como The Who, Pretty Things, The Yardbirds, The Kinks, Them, Pink Floyd entre outros.

Faixas

Lado 1

  1. "Watch That Man"
  2. "Aladdin Sane (1913–1938–197?)"
  3. "Drive-In Saturday"
  4. "Panic in Detroit"
  5. "Cracked Actor" 

Lado 2

  1. "Time"
  2. "The Prettiest Star"
  3. "Let's Spend the Night Together"
  4. "The Jean Genie"
  5. "Lady Grinning Soul"

 

Todas as faixas são de autoria de David Bowie, exceto "Let's Spend the Night Together", de Mick Jagger e Keith Richards .

 

 

Ouça na íntegra o álbum Aladdin Sane

"The Jean Genie" (videoclipe oficial_


Comentários