“Raça Humana” (Warner, 1984), Gilberto Gil
Raça Humana é um dos mais importantes álbuns
desde que Gilberto Gil inclinou-se para um apelo mais pop para o seu trabalho a
partir do álbum Realce, lançado em 1979. Em Raça Humana, nota-se um
Gilberto Gil não só levando adiante as suas experiências com o reggae, que
começaram no final dos anos 1970, mas também uma aproximação com o rock, ou melhor dizendo, uma reaproximação, afinal de contas: o baiano já havia firmado laços com o rock a partir do Tropicalismo, nos anos 1960. Provavelmente, por conta do novo sopro de vida do rock brasileiro nos anos 1980, Gil fez essa reaproximação com o rock.
O álbum
começa a ser germinado no início de 1984, durante a pausa da fase internacional
da turnê do álbum anterior, Extra, de 1983. Após concluir a
trilha sonora do filme Quilombo, de
Cacá Dieques, Gil e o produtor Liminha viajam em abril de 1984 para Kingston,
na Jamaica. Nos estúdios da Tuff Gong, os mesmos onde Bob Marley gravou alguns
de seus álbuns, Gil gravou três músicas acompanhado de ninguém menos que os
Wailers, a banda de apoio de Marley. As músicas eram “Gimme Your
Love”, "Jamaican Sunday Morning” e “Probe”. Após deixarem a Jamaica, Gil e Liminha foram Nova
York, Estados Unidos, onde adicionaram em “Gimme Your Love”, vocais de apoio de
três cantoras norte-americanas nos estúdios da Record Plant. Essa música acabou
sendo a única das três gravadas na Jamaica a ter um lançamento comercial.
Liminha e Gilberto Gil conversando durante os intervalos de gravações nos estúdios da Tuff Gong, em Kingston, na Jamaica, em 1984. |
Entre junho
e julho de 1984, Gilberto Gil e sua banda, retomaram a turnê internacional de Extra
que passou pela Europa, Estados Unidos, México e Israel. Ao retornarem ao
Brasil, começam em agosto de 1984 as gravações do álbum Raça Humana no recém
inaugurado estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro, construído por Gil em
sociedade com Liminha. Em breve, Nas Nuvens se tornaria emblemático, pois
alguns dos mais importantes álbuns da história do rock brasileiro seriam
gravados naquele estúdio, como Cabeça Dinossauro, dos Titãs, Selvagem?,dos
Paralamas do Sucesso, e Da Lama Ao Caos, de Chico Science
& Nação Zumbi.
Com uma bela
e misteriosa capa, Raça Humana chegou às lojas no final de outubro de 1984.
Naquele momento em que Gil lançava o seu novo álbum, o rock brasileiro
vivenciava um processo de renovação com o surgimento de novas bandas e cantores
sob a influência musical e estética da new wave e do punk internacionais. E
esse novo momento do rock brasileiro não passou despercebido por Gil, que para
o seu novo trabalho, agregou algumas referências desse novo rock praticado no
Brasil naquela época, como o uso um tanto quanto exagerado de sintetizadores e
programações – e aí se nota a influência do synthpop, a mesma que influenciaria
bandas como Metrô e RPM.
O álbum
começa num pique eletrizante e em ritmo de rock. Com teclados na abertura e um
baixo pulsante, “Extra II" trata sobre o julgamento das pessoas pela
aparência, e não pelo que de fato elas são. “Feliz Por Um Triz” é um rock ao
estilo The Police – fase Synchronicity – em que se destaca o
baterista Pedro Gil, filho de Gilberto Gil, que com apenas 14 anos de idade,
fazia a sua estreia como músico profissional no álbum Raça Humana. Além de
“Feliz Por Um Triz”, o garoto toca na faixa-título. No ano seguinte, Pedro
forma com Arthur Maia – baixista da banda de Gil - e mais outros músicos a
banda de rock Egotrip. Pedro Gil teria um futuro brilhante não fosse um
acidente de carro que ceifou-lhe a vida no começo de 1990, aos 19 anos de
idade.
“Pessoa
Nefasta” trata daquele tipo de pessoal desprezível, invejosa, baixo astral. O
ritmo veloz e os riffs de teclados
mostram que Gil estava muito bem conectado com o novo rock que se consolidava.
Após uma
sequência das três primeiras faixas do álbum numa levada pop rock, uma canção
para desacelerar, acalmar e refletir: “Tempo Rei”. Nela, Gil faz a sua reflexão
sobre as mudanças pelas quais passamos através da passagem do tempo. Quem faz
participação nos vocais de apoio é o rock
star inglês radicado no Brasil, Ritchie.
Abrindo o
lado B, “Vamos Fugir”, talvez o melhor reggae em língua portuguesa já gravado.
A canção foi gravada em inglês com o título “Gimme Your Love” em Kingston, na
Jamaica, tendo os Wailers como banda de apoio. Em Nova York, foram acrescidos
os vocais de apoio feitos por três cantoras norte-americanas contratadas.
“Gimme Your Love” chegou a ser lançada em compacto na Europa. Quando Gil e
Liminha voltaram para o Brasil, eles escreveram uma versão em português e
rebatizou a canção de “Vamos Fugir”. Gil regravou seus vocais em português
aproveitando a base instrumental gravada na Jamaica e os vocais de apoio em
inglês gravados nos Estados Unidos. Daí se ouvir os vocais de apoio a todo momento
cantando “Gimme Your Love”. Destaque
para os irmãos Aston e Carlton Barrett, respectivamente baixista e baterista
dos Wailers fazendo uma bela interação, enquanto os vocais de apoio femininos
encantam no coro bem ao estilo jamaicano ainda que fossem norte-americanas.
O produtor Liminha, e dois membros dos Wailers, o tecladista Earl lindo e o baixista Aston Barrett, nos estúdios Tuff Gong, em Kingston, Jamaica, em 1984. |
“A Mão Da
Limpeza” trata de maneira irônica e num ritmo contagiante sobre o racismo e do
passado escravagista do Brasil, enquanto que sexo e prazer explodem no reggae
pop “Índigo Blue”. “Vem Morena”, antigo sucesso de Luiz Gonzaga, ganha uma
versão reggae com “pitadas” de baião, com direito a solos fantástico do baixo
de Arthur Maia dialogando com a percussão e bateria dançantes da música.
Gil andrógino na primeira edição do festival Rock in Rio, em 1985. |
Fechando o
álbum, “A Raça Humana”, reggae que Gil compôs após sua viagem a Israel, onde
visitou lugares sagrados como os túmulos de Jesus Cristo e de Lázaro. Como toda
a letra, o refrão da a canção tem inspiração bíblica: “A raça humana é / Uma semana / Do trabalho de Deus”.
O apelo pop
e acessível de Raça Humana fez o álbum emplacar quase todas as suas nove
faixas. “Vamos Fugir”, “Pessoa Nefasta”, “Extra II”, “Raça Humana” e “Tempo
Rei” se tornaram grandes sucessos. Outra faixa do álbum que virou hit, “Índigo
Blue”, foi usada numa propaganda dos jeans Santista. No final de outubro de
1984, Gilberto Gil iniciou a turnê promocional de Raça Humana, que além das
cidades brasileiras, passaria também pela Europa e Estados Unidos. Mas antes da
fase internacional da turnê de Raça Humana que começaria em meados
de 1985, Gil e sua banda se apresentaram em janeiro daquele ano na primeira
edição do festival Rock in Rio, no Rio de Janeiro em duas datas. Gil se
apresentou no festival com um visual completamente andrógino, com muita
maquiagem e cabelo com topete.
Gilberto Gil
repetiria a receita reggae/pop rock de Raça Humana no álbum seguinte, o Dia
Dorim Noite Neon, de 1985, porém sem o mesmo vigor. O álbum que celebraria
os 20 anos de carreira do cantor baiano e que marca uma aproximação de Gil com
a nova geração rock brasileiro que surgia naquela época através de canções como
“Roque Santeiro – O Rock” (um bonito tributo às bandas daquela geração) e em “Seu
Olhar”, que conta com a participação especial de Herbert Vianna (dos Paralamas
do Sucesso) fazendo solos de guitarra.
Faixas
Lado A
- "Extra II (O Rock do Segurança)"
- "Feliz por um Triz"
- "Pessoa Nefasta"
- "Tempo Rei"
- "Vamos Fugir" (Gilberto Gil – Liminha)
- "A Mão da Limpeza"
- "Índigo Blue"
- "Vem Morena" (Luiz Gonzaga - Zé Dantas)
- "A Raça Humana"
Ouça na íntegra o álbum Raça Humana
(mais faixas bônus)
Gilberto no vídeo-clipe de "Vamos Fugir",
programa "Fantástico", TV Globo, 1984.
Gilberto no vídeo-clipe de "Pessoa Nefasta",
programa "Fantástico", TV Globo, 1984.
Gilberto no vídeo-clipe de "A Mão da Limpeza",
programa "Fantástico", TV Globo, 1984.
Participação especial de Chico Buarque.
Participação especial de Chico Buarque.
Gilberto Gil e banda com "Vamos Fugir", ao vivo,
no festival Rock in Rio, em 1985.
Gilberto Gil e banda ao vivo com "Índigo Blue"
no Conpenhagen Jazz Festival, em 1985
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