“Os Rouxinhos da Bahia” (Copacabana, 1978), Trio Nordestino
Por Sidney Falcão
Musicalmente,
Salvador é conhecida com a cidade da música dos trios elétricos, do
samba-reggae, do afoxé e dos mais variados ritmos derivados da cultura
africana. Porém, quem poderia imaginar que o Trio Nordestino, um dos mais
icônicos nomes da história do forró nasceu na capital baiana? Alguém poderia
jurar que o trio forrozeiro, formado em 1958 por Lindolfo Barbosa, José Pedro
Cerqueira e Evaldo Santos, mais conhecidos respectivamente como Lindú (voz e
sanfona), Cobrinha (triângulo) e Coroné (zabumba), surgiu em alguma cidadezinha
do sertão nordestino. Muito pelo contrário, o trio foi formado em Salvador,
cidade grande e litorânea. E as primeiras apresentações do trio aconteceram no
Pelourinho, lugar onde pulsa a cultura afro-baiana.
As
apresentações daquele jovem trio de forró chamou a atenção do radialista,
humorista e cantor baiano Gordurinha (1922-1969), famoso na época e que já
tinha uma carreira profissional no Rio de Janeiro, mas que estava presente em
Salvador. Gordurinha convidou o trio para ir ao Rio de Janeiro tentar um
contrato com alguma gravadora. O trio aceitou o convite e partiu para o Rio.
Com a ajuda
de Gordurinha, o Trio Nordestino conseguiu um contrato com a gravadora
Copacabana. Em 1962, lançaram o primeiro registro gravado, um disco de 78
rotações com as músicas “Carta a Maceió” e “Chupando Gelo”. O primeiro e
homônimo álbum saiu em 1963, que incluiu “Chupando Gêlo”, já lançado no disco
de 78 rotações no ano anterior. Em 1964, os três baianos lançaram o segundo
álbum, Pau de Arara É A Vovozinha, cuja faixa título, de autoria
de Gordurinha, se tornou um grande sucesso. Seguem-se uma sequência de álbuns lançados
anualmente, até que em 1967, o trio deixou a gravadora Copacabana e foram
contratados pela gravadora CBS. Em 1969, Lindú sofre um grave acidente de carro
que o deixa de cama por um ano. O trio fica por um longo período sem fazer
shows. Mesmo assim, foi possível Lindú gravar a sua voz para um novo álbum do
Trio Nordestino, indo ao estúdio numa ambulância e deitado numa maca.
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Trio Nordestino e Luiz Gonzaga numa premiação no auditório Francisco Alves, na Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, em outubro de 1965. |
Em 1970, Trio Nordestino se consagra com o sucesso fenomenal da música “Procurando Tu”. O álbum No Meio das Meninas, do qual “Procurando Tu” faz parte, chegou à incrível marca de 1 milhão de cópias vendidas, fazendo com que o Trio Nordestino se tornasse o segundo maior vendedor de discos do Brasil no ano de 1970, perdendo apenas para Roberto Carlos.
Com o
reconhecimento alcançado, o Trio Nordestino segue toda a década de 1970
lançando discos anualmente e com agenda de shows lotada. Em 1974, o trio
retorna para a gravadora Copacabana e mantém o prestígio em alta. Com o
sucesso, vem junto também aprimorações no som do Trio Nordestino, com a
inclusão da bateria e do baixo no acompanhamento, tornando a sonoridade do trio
forrozeiro mais robusta e atraente.
A partir de
meados dos anos 1970, Lindú concilia a carreira no Trio Nordestino com a
carreira de produtor de discos, a convite da gravadora Copacabana. Lindú passa
produzir os discos de artistas de forró da Copacabana como Genival Lacerda,
Marinês & Sua Gente, Zenilton, Negrão dos Oito Baixos, Sandro Becker,
Assisão e mais outros tantos artistas, além é claro, Trio Nordestino.
Nas mais diversas
apresentações Brasil a fora, era comum os grandes ídolos do forró se
apresentarem num mesmo evento, um sucedendo o outro no palco. Numa dessas
ocasiões, logo após terminar a sua apresentação no Rio de Janeiro, Luiz Gonzaga
avistou o Trio Nordestino que vinha chegando para se apresentar. E ao ver os
três baianos se aproximando, o “Rei do Baião” falou: “Tá chegando aí: os
rouxinhos da Bahia!”. A frase ficou na cabeça do trio baiano de forró, e acabou
virando nome de música, “Tá Chegando o Rouxinho”, e nomeando o álbum que iriam
lançar, Os Rouxinhos da Bahia.
Lançado em
1978, Os Rouxinhos da Bahia é um dos principais álbuns da
discografia do Trio Nordestino. Das doze faixas, seis se tornaram bastante
conhecidas pelo público como “Petrolina-Juazeiro”, “Chinelo de Rosinha”, “Forró
Desarmado”, “Alegria e Sorriso”, “Menino de Colo” e “Hô de Lá”.
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Trio Nordestino, da esquerda para a direita: Coroné, Lindú e Cobrinha. Eram chamados de por Luiz Gonzaga de "os rouxinhos da Bahia". |
O álbum abre
em ritmo de xote com “Menino de Colo”, em que Lindú, cheio de malícia, recorda
com saudades os tempos em que era bebê, quando era tratado pelas moças bonitas
que cuidavam dele, dando-lhes banho e trocando as suas fraudas. “Alegria e
Sorriso” é uma entre tantas músicas em que o Trio Nordestino faz alusão à terra
natal, a Bahia. Em “Alegria e Sorriso”, o trio expressa com felicidade e
alegria o desejo de voltar ao lugar de onde vieram.
“Forró
Desarmado” é o chamado “forró de duplo sentido”, um seguimento do forró que foi
muito popular nos anos 1970 e 1980, onde os versos possuem um duplo
significado, geralmente com conotação sexual. O Trio Nordeste chegou a
experimentar esse seguimento, mas com muita sutileza. Em “Forró Desarmado”, o
trio conta a história de um sujeito que foi flagrado dançando numa noite de
forró dançando “armado”. O “armado” nesse caso não se refere ao fato de o sujeito
estar portando um revólver, mas sim de estar com o seu órgão sexual ereto.
“Obrigado
Seu Rei” foi composta por Anastácia e Dominguinhos, e foi possivelmente
composta pelo casal para o Trio Nordestino gravar. O cantor e sanfoneiro do
Trio Nordestino havia ganhado de Luiz Gonzaga uma sanfona de presente. Gonzaga
costumava ao longo de sua carreira fazer essa ação. Lindú canta com todo o
sentimento de gratidão essa canção para o seu ídolo Luíz Gonzaga.
“Chinelo de
Rosinha” é um forró animado sobre a incansável Rosinha, uma jovem que dança
forró a noite inteira sem parar, no ritmo da música e do chiado do arrastar do
seu chinelo no chão. “Hô de Lá” prega alegria e diversão numa noite de forró, e
que gente chata e que gosta de confusão não é bem-vinda. A alegre “Forró
Quentão” descreve como é uma autêntica noite de festa de São João.
O xote
“Petrolina – Juazeiro” é de longe a principal música do álbum e um dos maiores
sucessos da carreira do Trio Nordestino. Composta por Jorge de altinho, a
música é uma homenagem às duas “cidades irmãs”, Petrolina, no estado de
Pernambuco, e Juazeiro, no estado da Bahia. Duas cidades separadas pelo Rio São
Franciso, e ao mesmo tempo unidas por uma ponte sobre o rio.
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Ponte Presidente Dutra, ligando Juazeiro, Bahia (acima) e a cidade de Petrolina, Pernambuco (abaixo): As duas cidades forma homenageadas no xote "Petrolina-Juazeiro". |
Se “Forró
Desarmado” prega a moralidade e os bons modos, “Forró no Claro”, vai sutilmente
no sentido contrário. Aqui, os versos falam de um forró mais agarrado, mais
íntimo e cheio de malícia, de preferência com o lampião apagado. “Tá Chegando o
Rouxinho” foi inspirada na ocasião em que Luiz Gonzaga recebeu o Trio
Nordestino numa apresentação dizendo a célebre frase “Tá chegando os rouxinhos
da Bahia”. Foi composta por Anastácia e Dominguinhos para o Trio Nordestino, e
trata sobre um forrozeiro baiano destemido, que quando pega a sanfona, toca sem
sair do tom.
O poder da
sedução feminina é o tema do xote “Tentação da Mulher”, enquanto que “O Chamego
Dela”, música que encerra o disco, é sobre uma mulher charmosa que se deixa
envolver pelo som do fole de um sanfoneiro.
Como não
poderia deixar de ser, o álbum Os Rouxinhos da Bahia foi mais um grande
sucesso comercial na carreira do Trio Nordestino na década de 1970. Aquele ano
de 1978, quando o álbum foi lançado, marcou os 20 anos de carreira do trio
baiano.
O Trio
Nordestino prosseguiu os anos seguintes com o prestígio em alta até que em
1982, sofreu um duro golpe com a morte de Lindú, aos 41 anos, vítima de
insuficiência renal. Lindú era conhecido como “Gogó de Ouro”, devido à sua voz
potente e marcante, admirada pelos mais diversos forrozeiros. Luiz Gonzaga
chegou a dizer anos depois que Lindú era melhor cantor do que ele.
Apesar da
perda do companheiro, e até por respeito ao seu legado, Coroné e Cobrinha
decidiram seguir em frente com o trio, tendo Genaro como novo sanfoneiro e
vocalista a partir de 1983. Genaro deixa o trio em 1992 e é substituído pelo
sanfoneiro e cantor Beto Souza.
Em 1994, o trio sofre outro golpe com a morte de Cobrinha. Coroné consegue convencer ninguém menos que Luiz Mário, filho de Lindú, para assumir o posto de Cobrinha. Onze anos depois, faleceu Coroné, o último integrante da formação original. Seu lugar é ocupado pelo seu neto, Carlos Santana, que ficou conhecido como Coroneto. O trio desde então passou por novas formações, mas tendo à frente a liderança de Luiz Mário, que assumiu o posto de voz principal do Trio Nordestino. Além de Luiz Mário, atualmente o Trio Nordestino se completa com Jonas Santana (zabumba e vocal) e Tom Silva (sanfona e vocal). Coroneto deixou a zabumba e passou a ser empresário do Trio Nordestino.
Faixas
Lado 1
01. “Menino de Colo” (Cecéu)
02. “Alegria e Sorriso” (Assisão – Lindolfo Barbosa)
03. “Forró Desarmado” (Cecéu – Lindolfo Barbosa)
04. “Obrigado Seu Rei” (Anastácia – Dominguinhos)
05. “Chinelo de Rosinha” (José Clementino – Paulo C. Clementino)
06. “Hô de Lá” (João Silva – J. B. Aquino)
Lado 2
07. “Forró Quentão” (Jorge De Altinho – Lindolfo Barbosa)
08. “Petrolina” – Juazeiro (Jorge De Altinho)
09. “Forró no Claro” (Antonio Barros)
10. “Tá Chegando Rouxinho” (Anastácia – Dominguinhos)
11. “Tentação de Mulher” (Severino Ramos)
12. “O Chamego Dela” (D. Matias – Lindolfo Barbosa)
Trio Nordestino: Lindú (voz e sanfona), e Coroné (zabumba) e Cobrinha (triângulo).
Referências:
O fole roncou!: Uma história do forró – Carlos Marcelo, Rosualdo Rodrigues, 2012, Editora Zahar.
forroemvinil.com
wikipedia.org
“Menino de Colo”
“Alegria e Sorriso”
“Forró Desarmado”
“Obrigado Seu Rei”
“Chinelo de Rosinha”
“Hô de Lá”
“Forró Quentão”
“Petrolina – Juazeiro”
“Forró no Claro”
“Tá Chegando Rouxinho”
“Tentação de Mulher”
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