“Exile On Main St.” (Rolling Stones Records, 1972), The Rolling Stones
No começo dos anos 1970, os Rolling Stones estavam no auge
da criatividade. A banda inglesa vinha numa sequência fantásticas de álbuns
impecáveis: Beggars Banquet (1968), Let it Bleed
(1969) e Stick Fingers (1971). Com a saída de cena dos Beatles
(encerraram as atividades em abril de 1970), os Rolling Stones disputavam com
The Who e Led Zeppelin o posto de maior banda de rock do mundo em atividade.
Com a fama em alta, os discos vendendo bem, shows lotados,
tudo parecia ir tudo às mil maravilhas para os Stones, não fosse por um fato
que foi uma verdadeira rasteira na banda. Os Stones descobriram que estavam
sendo roubados pelo empresário da banda, o inescrupuloso Allen Klein
(1931-2009). E o pior, descobriram simplesmente que estavam falidos. A ironia é
que os Stones tinham fama, mas estavam falidos, devendo ao fisco da Inglaterra,
e tudo por causa de Klein que vinha roubando a banda fazia algum tempo. Klein
foi dispensado pelos Stones, mas uma disputa jurídica foi travada entre o agora
ex-empresário e a banda.
Para reverter a situação financeira difícil, os Stones
contaram com o apoio de Marshall Chess, ex-diretor da gravadora americana Chess
Records. Filho do fundador da Chess Records, Leonard Chess (1917-1969), Marshall
foi contratado pela banda para dirigir o selo dos Stones, a Rolling Stone
Records. Ao longo do tempo, Marshall acabou assumindo a condição de agente dos
Stones e até participando da produção dos discos da banda. Embora jovem,
Marshall era experiente no campo dos negócios na área musical. Sugeriu que a
banda assinasse um contrato com a gravadora Atlantic Records para a
distribuição dos discos da Rolling Stones Records no mercado americano,
enquanto que no Reino Unido, a distribuição seria feita pela WEA. Na outra
ponta, o gerente financeiro dos Stones, o príncipe Rupert Loewenstein
(1933-2014), sugeriu que eles se mudassem para outro país para escaparem dos
altos impostos do Reino Unido.
Allen Klein, ex-empresário dos Rolling Stones, acusado de ter roubado a banda. |
Descendente de família nobre europeia, Loewenstein usou da
sua influência aristocrática junto ao governo francês, e conseguiu um acordo de
permanência dos Rolling Stones na França. No acordo, os Stones concordaram em
permanecer na França durante pelo menos um ano e gastar no mínimo 150 mil
libras por ano. Em troca, nenhum imposto adicional seria cobrado pelo governo
francês. A banda deixou a Inglaterra em março de 1971 e partiu para a França.
Ao chegarem à França, os membros da banda se distribuíram.
Mick Jagger e a namorada, a modelo nicaraguense Bianca de Macias, preferiram
ficar em Paris. Keith Richards e a sua companheira, Anita Pallenberg (1942-2017),
alugaram uma mansão em Nellcôte, em
Villefranche-sur-Mer, próximo a Nice. O restante da banda foi para o sul da
França.
Em maio de 1971, Jagger e Bianca se casaram na cidade de
Saint-Tropez, no sul da França. A festa de casamento do casal foi bastante
badalada. Mick Jagger alugou um avião especialmente para trazer convidados
ilustres como Paul McCartney, Ringo Starr, Peter Frampton, Eric Clapton entre
outras celebridades.
Mas foi na mansão alugada por Keith onde as histórias do
conturbado exílio francês dos Rolling Stones aconteceram. A tal mansão foi
construída no século XIX, e durante a Segunda Guerra Mundial, foi ocupada pelos
nazistas, servindo como quartel-general da Gestapo.
Por algum motivo, os Stones não encontraram estúdios
franceses adequados para gravar o novo álbum da banda. O quinteto então decide
optar pela opção mais maluca: gravar no porão da mansão de Nellcôte. No
entanto, aquele porão era quente e úmido. Mesmo assim, eles adaptaram todo o
local, e mandaram buscar da Inglaterra o famoso estúdio móvel dos Rolling
Stones, um estúdio de gravação adaptado num caminhão que era bastante
solicitado pelas mais diversas bandas. O estúdio móvel ficou estacionado na
área externa da mansão e foi conectado através de cabos com o estúdio improvisado
no porão.
A produção do álbum foi conduzida pelo produtor Jimmy Miller
(1942-1994), e contou com a participação de músicos convidados como o
saxofonista Bobby Keys (1943-2014), o trompetista Jim Price, e os tecladistas
Nicky Hopkins (1944-1994), Billy Preston (1946-2006), Dr. John (1941-2019), e
Ian Stewart (1938-1985), este último, que foi membro no começo dos Rolling
Stones, e que ao sair do grupo, virou um “faz-tudo” na banda, um amigo muito
próximo e uma espécie de conselheiro do conjunto até a sua morte. Foi Stewart quem
dirigiu o estúdio móvel dos Stones, da Inglaterra até a França.
Anita Pallenberg, Keith Richards (com a guitarra), o cantor Gram Parsons e sua namorada Gretchen Burrell, na mansão em Nellcôte, na França. |
O processo de gravação do novo álbum ocorreu entre junho e
novembro de 1971, e tinha tudo para ser um tremendo fracasso. Na mansão em
Nellcôte ocorriam festas e farras regadas a muito álcool e drogas, sempre tendo
como “mestre de cerimônias”, Keith Richards. A mansão era frequentada por muita
gente, desde astros da música a traficantes de drogas. Dessa forma, os horários
de gravação obedeciam ao “fuso horário” de Keith, que acordava no final da
tarde, e começava a gravar à noite, varando a madrugada. Isso quando ele ia
gravar, porque às vezes, Keith se ausentava por estar chapado de drogas. Keith havia
se tornado um viciado em heroína. Alguns outros membros da banda também
costumavam se ausentar das gravações, como Mick Jagger e Bill Wyman, mas as
razões eram outras, talvez por causa do deslocamento, já que moravam em outras
cidades.
A estadia de Keith Richards e da turma de músicos naquela
mansão já estava se tornando um incômodo para a vizinhança. Não foram poucas as
farras e festas intermináveis, regadas álcool e drogas, e que contavam com a
presença de astros d música. A situação ficou insustentável, e em novembro de
1971, os Stones tiveram que deixar a França às pressas por causa das confusões
que provocavam, capitaneadas por Keith Richards. Um dos traficantes que lhe
forneciam drogas, chegou a roubar algumas guitarras de sua coleção,
provavelmente para quitar alguma dívida do músico com drogas. Depois que os
Stones e os músicos de apoio deixaram a mansão, a polícia encontrou no imóvel
heroína e cocaína. Keith e Anita Pallenberg foram acusados de porte de drogas.
Foram julgados e considerados culpados. O casal recebeu uma pena suspensa de um
ano e uma multa de mil francos. Keith foi banido da França por dois anos.
Em dezembro de 1971, começou o processo de mixagem do
material gravado na França. Contudo, algumas canções gravadas entre 1969 e 1971
e que eram inéditas, entraram no processo de mixagem para serem incluídas no
novo álbum. A mixagem e algumas gravações complementares ocorreram no estúdio
Sunset Sound, em Los Angeles. Se em Nellcôte, Keith Richards esteve no controle
(ou pelo menos tentou, a depender do seu estado etílico ou narcótico), em Los
Angeles, quem esteve à frente das finalizações do novo álbum foi Mick Jagger, e
com presenças constantes, bem diferente do período das loucas gravações na
mansão de Nellcôte. Algumas canções como “Torn and Frayed” e “Loving Cup”,
foram gravadas em Los Angeles.
Keith Richards, Mick Jagger e o produtor Jimmy Miller (deitado no chão), nos bastidores de gravação na mansão em Nellcôte, em meados de 1971. |
Durante as finalizações do novo álbum, Jagger conseguiu
alguns dos melhores e mais experientes vocalistas de apoio do circuito de
estúdios de Los Angeles, acostumados a gravar em discos dos mais diversos
artistas. A inclusão de um coral gospel nas canções “Tumbling Dice”, “Loving
Cup”, “Let It Loose” e “Shine A Light”, foi uma ideia de Mick Jagger e do
tecladista Billy Preston, após os dois visitarem uma igreja protestante.
O material que os Stones tinham em mãos daria para preencher
três álbuns, mas a banda decidiu lançar um álbum duplo. A princípio, o álbum tinha
o título provisório de Tropical Disease (Doença tropical),
porém, inspirados no exílio na França, o trabalho foi rebatizado para Exile
On Main St. (Exílio na rua principal). E foi com esse título
que o álbum duplo foi lançado em 12 de maio de 1972.
A arte da capa foi criada pelo fotógrafo Robert Frank (1924-2019)
e pelos designers gráficos John Van Hamersveld e Noman Seeff. É uma colagem de
imagens de figuras bizarras dos circos de horrores que alcançaram grande
popularidade entre o final do século XIX e início do século XX, como o homem
com três bolas enfiadas na boca.
Composto por 18 faixas distribuídas em dois discos, Exile On Main St. prossegue com o direcionamento musical do álbum
anterior, Stick Fingers. No entanto, talvez pelas circunstâncias
como foi gravado, Exile On Main St. tem uma sonoridade mais
crua, despojada. Os vocais de Mick Jagger se mostram “soterrados” em algumas
faixas, fruto do processo de mixagem, e uma das inúmeras queixas da crítica
musical da época em que o álbum duplo foi lançado.
O álbum abre com “Rocks Off”, um rock’n’roll bem ao estilo tradicional “stoneano”, que traz na metade da faixa uma pausa rítmica onde os vocais de Jagger aparecem com efeitos de distorção que dão um breve clima psicodélico à canção. “Rip This Joint” é um rock’n’roll veloz e animado em que Bobby Keys faz solos de saxofone alucinantes e Jagger canta aos berros tal qual um desesperado. O ritmo desacelera com “Shake Your Hips”, canção que foi gravada antes por Slim Harpo (1924-1970) em 1966, e que com os Stones, foi gravada propositadamente bem ao estilo de blues antigo. Nesta música, além de cantar, Jagger toca harmônica.
Charlie Watts, Mick Jagger e Keith Richards na cozinha da mansão em Nellcôte. |
“Casino Boogie” traz versos que aparentam ser desconexos uns
com os outros. Os vocais de Jagger são tensos, e é acompanhado por Keith
Richards fazendo uma segunda voz bastante acentuada.
“Tumbling Dice” é a principal faixa do álbum, e um dos
maiores sucessos da carreira dos Rolling Stones. A princípio, esta canção
estava prevista para entrar no álbum Sticky Fingers, mas ficou de
fora. Curiosamente, que toca baixo em “Tumbling Dice” é o guitarrista Mick
Taylor. O baixista Bill Wyman foi o único membro dos Stones que não participou
das gravações desta música. Destaque nesta canção fica para os vocais de apoio,
que deram um toque de música gospel para “Tumbling Dice”.
“Sweet Virgínia” traz mensagens veladas em seus versos a
respeito de consumo de drogas, como as pílulas de anfetaminas: “Drop your
reds drop your greens and blues” (“Solte seus pingos vermelhos, verdes e
azuis”). A faixa seguinte, “Torn and Frayed”, conta a história de um
guitarrista decadente que ganha a vida tocando em salões de bailes e bordéis
baratos e fedorentos.
Em “Sweet Black Angel”, os Stones prestam homenagem à
ativista dos direitos civis e militante do movimento dos Panteras Negras,
Angela Davis. Quando a canção foi gravada, a ativista respondia a um processo
em que era acusada de assassinato. Depois de dezoito meses de batalha judicial,
Angela foi inocentada. Assim como vários artistas, os Stones foram solidários a
Angela, e compuseram esta canção que pregava a libertação da ativista.
Encerrando o disco 1 do álbum duplo, “Loving Cup”, uma
canção de versos muito bonitos que tratam sobre um homem que suplica pelo amor
da mulher por quem é apaixonado.
Parte interna da capa dupla de Exile On Main St.. |
O disco 2 de Exile On Main St. começa no
ritmo festivo de “Happy”, música que contém um naipe de metais sensacional.
Keith Richards faz a voz principal enquanto que Mick Jagger faz a segunda voz. Uma
curiosidade na gravação de “Happy” é que dos membros dos Rolling Stones, apenas
Mick Jagger e Keith Richards gravaram. Keith, além de fazer a voz principal,
fez a guitarra solo e a base, tocou também o baixo. A bateria ficou por conta
de Jimmy Miller. Bobby Keys tocou saxofone e Jim Price tocou trompete e
trombone.
“Turd On The Run” é um country blues sobre um sujeito que tentou
inutilmente impedir que a mulher amada fosse embora, apesar de todos os
esforços. O blues rock “Ventilator Blues” é a única música do álbum creditada
não apenas a Jagger e Richards, mas também a Mick Taylor, e que conta com a
participação brilhante de Nicky Hopkins no piano. Com forte influência da
música gospel, “I Just Want To See His Face” teria surgido a partir de uma jam
session ao vivo, no estúdio, onde os Stones flertam com as raízes da música
popular americana. A faixa seguinte, “Let It Loose”, é outro ponto alto do álbum,
uma linda balada com uma inclinação para a música gospel.
Mick Taylor toca slide guitar em “All Down The Line”,
outro rock’n’roll alegre e festivo presente em Exile On Main St..
Os Stones fazem uma releitura sensacional de “Stop Breaking Down”, de Robert
Johnson (1911-1938), onde Mick Taylor simplesmente faz uma performance
brilhante na slide guitar, enquanto que Jagger canta a história de um
homem que se vê desconsertado pelas mulheres que passam por ele pelas ruas.
Escrita por Mick Jagger em 1968 , “Shine A Light” é umas das
melhores canções do álbum. Aborda o vício descontrolado de Brian Jones (1942-1969)
em drogas, o que seria um fator decisivo para a sua saída dos Rolling Stones,
em junho de 1969. O destaque fica por conta de Billy Preston, que tocou órgão e
piano de maneira impecável. O álbum fecha com “Soul Suvivor”, onde Mick Jagger
canta aos quatro ventos: “I'm a soul survivor, I made it through the fire /
I started with nothing, I've got nothing to lose” (“Eu sou um
sobrevivente da alma, eu fiz isso através do fogo / Eu comecei sem nada, não
tenho nada a perder”).
Na época de seu lançamento, Exile On Main St. não
agradou a todos. Uma parcela da crítica afirmou que o álbum não tinha foco, que
a mixagem era “lamacenta” e o repertório desorganizado. Por outro lado, o
público parece ter recebido bem o álbum. Exile On Main St. alcançou
o 1° lugar da Billboard 200, nos Estados Unidos. No Reino Unido e no
Canadá, o álbum duplo também chegou ao 1° lugar.
Para promover Exile On Main St., os Rolling
Stones partiram para uma bem sucedida turnê nos meses de junho e julho de 1972,
que passou pelos Estados Unidos e Canadá. Foram 48 shows, e a arrecadação foi
de 4 milhões de dólares. Essa turnê foi filmada e resultou no filme-concerto Ladies
and Gentlemen: The Rolling Stones, dirigido por Rollin Binzer. Os Stones
partiram para uma segunda etapa da turnê, entre os meses de janeiro e fevereiro
de 1973, que passou pelo Havaí, Nova Zelândia e Austrália.
O sucesso comercial de Exile On Main St. e
a turnê bem sucedida dividida em duas etapas, deixaram os Stones bastante
inspirados e motivados para irem ao estúdio para preparar o próximo, Goast
Head Soup, álbum do megahit “Angie”, que foi lançado em agosto de 1973.
A reputação de Exile On Main St. perante a imprensa musical cresceu com o passar dos anos, com a distância do tempo. No final da década de 1970, a percepção sobre Exile On Main St. por parte da crítica já era outra, que naquele momento reconheceu a relevância do álbum e que a mistura que trazia no seu repertório, calcado no rock, blues, R&B, soul, gospel e country music, era uma das virtudes do trabalho. Por causa dessa e de outras qualidades, Exile On Main St. é um dos melhores álbuns da discografia dos Rolling Stones.
Faixas
Todas as músicas por Mick Jagger e Keith Richards, exceto
onde indicado.
Lado A
- "Rocks Off"
- "Rip This Joint"
- "Shake Your Hips"
- "Casino Boogie"
- "Tumbling Dice"
Lado B
- "Sweet Virginia"
- "Torn and Frayed"
- "Sweet Black Angel"
- "Loving Cup"
Lado C
- "Happy"
- "Turd on the Run"
- "Ventilator Blues"
- "I Just Want to See His Face"
- "Let It Loose"
Lado D
- "All Down the Line"
- "Stop Breaking Down"
- "Shine a Light"
- "Soul Survivor"
The
Rolling Stones:
Mick Jagger:
vocais principais, vocais de apoio; gaita (em "Shake Your Hips",
"Sweet Virginia", "Sweet Black Angel", "Turd on the
Run" e "Stop Breaking Down") ; guitarra elétrica (em
"Tumbling Dice" e "Stop Breaking Down".
Keith
Richards: guitarras, vocais de apoio; baixo (em "Casino Boogie",
"Happy" e "Soul Survivor") ; piano elétrico (em "I
Just Want to See His Face") ; vocais principais (em "Happy")
Mick Taylor:
guitarras (em todas as faixas, exceto em "Tumbling Dice", "Torn
and Frayed" e "Happy") ; baixo ("Tumbling Dice",
"Torn and Frayed", "I Just Want to See His Face" e
"Shine a Light")
Bill Wyman:
baixo (em "Rocks Off", "Shake Your Hips", "Sweet
Virginia", "Sweet Black Angel", "Loving Cup",
"Ventilator Blues", "Let It Loose" e "Stop Breaking
Down" )
Charlie
Watts: bateria (em todas as faixas, exceto "Tumbling Dice" (tocou
parcialmente), "Happy" e "Shine a Light")
Referências:
Revista Bizz – novembro/1985 – Edição 04, Editora
Abril, São Paulo, Brasil.
Comentários
Postar um comentário