“Sticky Fingers” (The Rolling Stones Records, 1971), The Rolling Stones
Por
Sidney Falcão
O final dos
anos 1960 foram um tanto quanto traumáticos para os Rolling Stones. Em julho de
1969, um dos membros fundadores da banda, o guitarrista Brian Jones, foi
encontrado morto na piscina de sua casa, aos 27 anos, uma morte que até hoje é
cercada de muitos mistérios. Em dezembro do mesmo ano, no fatídico concerto dos
Rolling Stones no Festival de Altamont, na Califórnia, nos Estados Unidos, um
jovem negro foi esfaqueado e espancado até a morte por integrantes dos Hell’s
Angels, gangue de motociclistas que estava fazendo o serviço de segurança para
aquele festival. A tragédia chocou os membros da banda.
No ano
seguinte, em 1970, o contrato dos Rolling Stones com a Decca Records chegava ao
fim, e foi então que a banda decidiu criar um selo próprio, e assim ter mais
liberdade e maior controle nas suas gravações.
Com o fim do
contrato com a gravadora Decca, os Stones tiveram uma desagradável surpresa.
Descobriram que o antigo empresário, Allen Klein (que também estava cuidando
dos negócios dos Beatles), havia registrado todo o material lançado pelo grupo
pela Decca como propriedade da ABKCO, empresa da qual ele era dono. Iniciou-se
uma batalha judicial que se arrastou por anos.
Nesse
turbilhão de confusões, houve coisas positivas como a chegada de Mick Taylor em
substituição a Brian Jones, que foi demitido dos Rolling Stones, em junho de
1969, um mês antes de sua morte. Embora jovem, com apenas 20 anos quando entrou
na banda, Taylor era um guitarrista habilidoso, técnico, e vinha da legendária
banda britânica de blues, a John Mayall's Bluesbreakers. A outra coisa positiva
desse período foi a já citada criação da Rolling Stones Records, o selo criado
pelos Stones, em 1970. Para fazer a distribuição dos discos nos Estados Unidos,
o selo dos Stones firmou uma parceria com a gravadora Atlantic Records,
enquanto que no Reino Unido, a distribuição ficou a cargo da WEA.
Rolling Stones em 1969, da esquerda para direita: Charlie Watts, Mick Taylor, Mick Jagger, Keith Richards e Bill Wyman. |
O primeiro álbum a ser lançado pela Rolling Stones Records foi o aclamadíssimo Stick Fingers, lançado em 23 de abril de 1971. No entanto, o álbum começou a ser germinado ainda no início de 1969, durante o intervalo da turnê americana, quando os Rolling Stones gravaram no Muscle Shoals Sound Studio, no Alabama, nos Estados Unidos, quatro músicas que foram incluídas no repertório de Sticky Fingers: “Brown Sugar”, “Wild Horses” e “You Gotta Move”. O restante do álbum foi gravado mediante os intervalos das turnês ao longo de 1970 e início de 1971, no Olympic Studios e Trident, ambos em Londres, e no estúdio móvel dos Rolling Stones, que na época foi deslocado para a Stargroves, luxuosa casa de campo de Mick Jagger, em East Woodhay, no condado de Berkshire, sudeste da Inglaterra. Ao contrário das gravações no Muscle Shoals, nesta etapa as sessões contaram com a presença do produtor Jimmy Miller.
A arte
gráfica de Sticky Fingers é uma atração à parte. O álbum possui
uma das capas de discos mais icônicas do rock. Aparece a imagem fechada na
virilha de um modelo vestido numa calça jeans apertada, realçando o volume do
órgão sexual masculino. Os primeiros exemplares de Sticky Fingers,
tinham um zíper de verdade, que quando puxado, mostrava a cueca de algodão do
modelo. A criação da montagem da arte foi do artista plástico, Andy Warhol, um
dos principais nomes da Pop Art. Billy Name fez a fotografia e o projeto
gráfico da capa foi do designer gráfico John Pasche.
E foi o
mesmo John Pasche quem criou a tongue & lips, a famosa logo da
língua e que virou a logo oficial dos Rolling Stones. Foi no álbum Sticky
Fingers que pela primeira vez, os Rolling Stones mostraram a sua logo
da língua, que também é chamada de hot lips. A ideia da logo da língua
teria sido uma sugestão de Mick Jagger queria algo inspirado na deusa hindu
Kali, que é retratada com a língua para fora. Na época em que concebeu a logo, Pasche
era estudante do último ano da Royal College Of Art, em Londres, em 1970,
quando Jagger o procurou na escola após ter visto alguns dos seus trabalhos. Se
por um lado, a arte da logo teve como ponto de partida língua da deusa hindu, por
outro, visivelmente, a arte após concluída remete aos lábios e à língua de Mick
Jagger. O resultado final foi uma logo que une a irreverência e o apelo sexual dos
Rolling Stones. Para a criação do logo, Pasche recebeu apenas 50 libras
esterlinas. Mal sabia John Pasche que anos mais tarde, a logo que ele criou se
tornaria a logo de banda de rock mais famosa de todos os tempos.
A inspiração, a obra e o criador: a deusa hindu Kali (à esquerda) foi a inspiração para a tongue & lips, logo criada pelo designer John Pasche para os Rolling Stones. |
Sticky
Fingers começa
em grande estilo com “Brown Sugar”, um dos maiores clássicos do repertório dos
Stones, e claro, do próprio rock. Logo de cara, a música começa com um riff
de guitarra marcante, que por incrível que pareça, foi criado por Mick Jagger e
não por Keith Richards. Além do riff, merece destaque os solos de
saxofone executados por Bobby Keys, que a partir de então, faz uma parceria com
os Stones, tocando em discos e shows da banda até a morte do saxofonista em
2014. A controversa letra de “Brown Sugar” fala de tráfico de negros
escravizados para Nova Orleans e, ao mesmo tempo, de sexo, em que uma negra
escrava é usada como objeto sexual pelo seu senhor, daí o título da música
“Brown Sugar”, que também é descrito como “açúcar mascavo”. Outras
interpretações afirmam que a expressão “Brown Sugar” seria uma referência à
heroína.
“Sway” é um
blues rock lento, que surpreende ao trazer Mick Jagger tocando guitarra base e
Keith Richards apenas nos vocais de apoio. Mick Taylor faz um incrível solo de
guitarra slide, mostrando ao ouvinte o seu domínio técnico do instrumento.
A faixa
seguinte, “Wild Horses”, é outra música presente no álbum que se tornou um
clássico dos Rolling Stones. Nesta balada country folk sobre as dores da
desilusão amorosa, os Stones conseguiram integrar muito bem a sonoridade
acústica dos violões com a eletricidade das guitarras.
“Can’t You
Hear Me Knocking” seria uma canção como outra qualquer não fosse o rumo que a
música toma da seu metade para o fim, ao se transformar numa fantástica jam
session e na faixa mais longa do álbum, apoiada por Rocky Dijon (congas),
Bobby Keys (saxofone) e Billy Preston (órgão).
Fechando o
lado 1 do álbum, “You Gotta Move”, única música do álbum que não é da banda.
Trata-se de um velho delta blues da década de 1940 que foi regravada por uma
série de artistas desde então. A versão dos Rolling Stones é totalmente baseada
na versão gravada pelo veterano bluesman Fred McDowell, em 1965. Embora
ingleses, os Stones conseguiram empregar na canção toda uma aura mística
transportando o ouvinte para os primórdios do blues praticado pelos negros nos
rincões rurais americanos.
O lado 2 de Sticky
Fingers começa com o riff hipnótico de guitarra de “Bitch”, e
que ganha um apoio fenomenal do naipe de metais, que juntos, são a alma da
música. A faixa seguinte desacelera com o ritmo arrastado de “I Got The Blues”,
uma incrível balada blues com forte influência de soul, cujo naipe de metais
remete às canções de Otis Redding, cantor de soul music por quem os Rolling
Stones tinham uma profunda admiração. Destaque fica para a arrepiante
performance de Billy Preston no órgão Hammond.
Gravada
antes por Marianne Faithfull, em 1969, “Sister Morphine” é uma canção sombria a
respeito de um viciado que está no leito do hospital à beira da morte. Para
aliviar o seu desespero, ele implora ajuda à “Irmã Mofina” por ajuda: “Por
favor, Irmã Morfina, transforme meus pesadelos em sonhos”. Provavelmente
poderia ser os sintomas da abstinência do viciado. Em determinado trecho da
letra, há uma citação à cocaína: “Doce Prima Cocaína, repouse sua mão
refrescante na minha testa”. Em 1994, Marianne Faithfull venceu uma batalha
judicial afirmando ser coautora da canção, e desde então, seu nome passou a ser
creditado na autoria da música ao lado de Mick Jagger Keith Richards.
“Dead
Flowers” é um country rock interessante com uma linha melódica agradável.
Possui um belo entrosamento entre violões e guitarras elétricas, destacando a
participação de Mick Taylor nos solos de guitarra slide. A letra trata sobre um
homem amargurado e desprezado por uma mulher rica por quem foi apaixonado, e
que agora se vê na sarjeta. Enquanto a mulher ostenta a sua fortuna e poder, o
sujeito procura fuga nas drogas como uma forma de suportar a sua dor: “Bem, quando
você está repousando em seu Cadillac cor-de-rosa / Fazendo apostas no dia do
derbie de Kentucky / Ah, eu estarei no porão com uma agulha e uma colher”. Há
uma clara alusão ao uso da heroína por parte do homem amargurado.
Pôster promocional de Sticky Fingers. |
Sticky Fingers chega ao fim com “Moonlight Mile”, uma bela e melancólica balada folk a respeito da vida na estrada de um astro do rock. Um naipe de cordas dá um toque especial ao final da música, obra do maestro e arranjador Paul Buckmaster, que se notabilizaria pelos arranjos de cordas dos discos de Elton John nos anos 1970.
O desempenho
de Sticky Fingers nas paradas de álbuns foi muito bom. No Reino
Unido, o álbum dos Stones chegou ao 1º lugar, onde permaneceu por quatro
semanas, e ao retornar ao primeiro posto, ficou por mais uma semana. Sticky
Fingers alcançou o primeiro lugar também na parada da Billboard 200,
nos Estados Unidos, por quatro semanas. Naquele país, Sticky Fingers
vendeu cerca de 3 milhões cópias, sendo o primeiro álbum dos Rolling Stones a
atingir essa marca em vendas no mercado americano.
Após o
lançamento de Sticky Fingers, os Rolling Stones anunciaram que
estavam deixando a Inglaterra para se mudarem para uma mansão em Villefranche-sur-Mer,
próximo a Nice, sul da França. Foi uma tentativa que a banda encontrou para
escapar das altas taxações de fortuna impostas pelo governo inglês. E foi
naquela mansão, outrora ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra
Mundial, que os Rolling Stones gravaram de maneira improvisada, aquela que
seria considerada a sua grande obra-prima: o álbum duplo Exile On Main St.
Faixas
Todas as
canções foram escritas por Mick Jagger e Keith Richards, exceto as marcadas.
Lado A
- "Brown Sugar"
- "Sway"
- "Wild Horses"
- "Can't You Hear Me Knocking"
- "You Gotta Move" (Fred McDowell - Gary Davis)
Lado B
- "Bitch"
- "I Got the Blues"
- "Sister Morphine" (Jagger - Richards - Marianne Faithfull)
- "Dead Flowers"
- "Moonlight Mile"
Todas as
canções foram escritas por Mick Jagger e Keith Richards, exceto as marcadas.
The
Rolling Stones:
Mick Jagger
(vocais, violão em "Dead Flowers" e "Moonlight Mile";
guitarra em "Sway"; percussão em "Brown Sugar")
Keith Richards
(guitarra; violão em "Brown Sugar", "You Gotta Move",
"I Got the Blues" e "Sister Morphine"; violão de 12 cordas
em "Wild Horses"; guitarra em "Wild Horses", na primeira
parte de "Can't You Hear Me Knocking" e "Bitch"; guitarra
em "Dead Flowers"; e vocais de apoio)
Mick Taylor
(guitarra; violão em "Wild Horses"; guitarra na primeira parte de
"Can't You Hear Me Knocking" e "Bitch"; guitarra slide em
"Sway" e "You Gotta Move"; e guitarra em "Dead
Flowers" "Can't You Hear Me Knocking" "Moonlight Mile"
e "Sway")
Bill Wyman (baixo;
teclado em "You Gotta Move")
Charlie
Watts (bateria)
Referências:
Top 100 Álbuns de Sucesso dos Anos 70 – Gene Sculatti, 2013, Editora
Escala
The Rolling Stones: a
biografia definitiva - Christopher Sandford, 2014, Editora Record
Wikipedia
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