“The Number Of The Beast” (EMI, 1982), Iron Maiden
Por Sidney Falcão
No começo
dos anos 1980, o Iron Maiden era uma das mais promissoras bandas da nova
geração do heavy metal batizada pela imprensa de New Wave of British Heavy
Metal (N.W.O.B.H.M.), que traduzindo para o português significa Nova Onda do
Heavy Metal Britânico. Com dois álbuns lançados, Iron Maiden
(1980) e Killers (1981), a banda inglesa parecia ter um futuro
promissor não fosse um problema: o vocalista Paul Di’Anno.
O vício em
álcool e cocaína de Di’Anno estavam comprometendo a performance do vocalista no
palco. Alguns shows do Iron Maiden chegaram a ser cancelados. Steve Harris,
baixista e membro fundador da banda, percebia que além da dependência química, Di’Anno
não possuía a capacidade técnica e artística para o perfil de vocalista que ele
tinha em mente para o Iron Maiden. O baixista idealizava um vocalista que além
do potencial vocal, tivesse uma habilidade dramática, teatral, bem condizente
com o perfil do Iron Maiden. Embora já tivesse gravado dois álbuns como
vocalista da banda, Di’Anno não possuía o perfil idealizado por Harris. O músico
por sua vez, queria se ver livre de Di’Anno o mais rápido possível. A banda era
bastante profissional e ambiciosa, tinha objetivos a alcançar, e Di’Anno se
mostrava um entrave.
Antes mesmo
de mandar Di’Anno embora do Maiden, Steve Harris já tinha alguém em mente para
ocupar o posto de vocalista da banda: Bruce Dickinson. Harris já vinha
observado as atuações de Dickinson como vocalista da banda Samson há algum
tempo. Além da performance no palco, chamava-lhe a atenção a sua extensão vocal
e o seu jeito “operístico” de cantar. Em agosto de 1981, após assistirem ao
show do Samson no Reading Festival, Steve Harris e o empresário do Iron Maiden,
Rod Smallwood, convidaram Bruce Dickinson para ser o novo vocalista do Maiden.
Dickinson aceitou o convite. Em setembro, após o fim da turnê do álbum Killers,
Paul Di’Anno foi demitido do Iron Maiden, e no mês seguinte, Dickinson era
oficializado novo vocalista da banda.
Iron Maiden em 1981, da esquerda para a direita: Steve Harris, Clive Burr, Paul Di’Anno, Adrian Smith e Dave Murray, 1981. |
As gravações
do terceiro álbum do Iron Maiden, o primeiro com Bruce Dickinson como vocalista
da banda, ocorreram entre janeiro e fevereiro de 1982, no Battery Studios, em
Londres, Inglaterra. March Birch (1948-2020), o mesmo produtor de Killers,
assumiu a produção do novo álbum, e ficou bastante impressionado com o talento
e o potencial vocal de Bruce Dickinson no estúdio. O produtor ficou convencido
de que Di’Anno não era capaz de cantar da forma que Harris imaginava para a
banda. Dickinson cumpriu essa expectativa e ampliou as inúmeras possibilidades
criativas do Iron Maiden.
Em 12 de
fevereiro de 1982, era lançado o single de “Run To The Hills”, que trouxe no
lado B a música “Total Eclipse”. Era o primeiro single do Iron Maiden com Bruce
Dickinson como vocalista, e dava uma amostra para o público como seria o novo
álbum que estava por vir. O single de “Run To The Hills” chegou ao 7° lugar na
parada de singles do Reino Unido, onde vendeu mais de 200 mil cópias.
Pouco mais
de um mês depois, em 22 de março de 1982, The Number Of The Beast,
terceiro álbum de estúdio do Iron Maiden, foi lançado. É perceptível em The
Number Of The Beast uma evolução musical no Iron Maiden, muito por
conta da chegada de Bruce Dickinson à banda. O largo alcance vocal de Dickinson
possibilitou ao Iron Maiden criar canções em tons mais altos, algo que não era possível com Paul Di’Anno. Brue Dickinson teria chegado a contribuir na
composição de algumas canções de The Number Of The Beast, mas por
algumas razões contratuais da forma como deixou o Samson, ele não pôde ser
creditado.
Bruce Dickinson (o segundo da direita para a esquerda) no Samson, em agosto de 1981, pouco antes de deixar a banda para ingressar no Iron Maiden. |
A capa de The
Number Of The Beast é mais uma obra de Derek Riggs, que já havia ilustrado
as capas dos dois discos anteriores, e se notabilizaria pelas ilustrações das capas
dos futuros discos do Iron Maiden, trazendo sempre como figura central o
mascote, Eddie. Originalmente, a ilustração da capa de The Number Of The
Beast foi feita para a capa do single de “Purgatory”, música do álbum Killers.
Porém, ao ver a arte, Rod Smallwood, empresário do Maiden, achou a obra boa
demais para servir de capa para um simples single. Preferiu mandar guarda-la
para usar na capa de álbum. E foi o que aconteceu: a arte foi imortalizada na
história do heavy metal como capa de The Number Of The Beast.
Um detalhe
interessante é que quando The Number Of The Beast foi lançado,
não era para ter existido aquela tonalidade azulada ao fundo da ilustração da
capa do álbum. A ideia era para ser um tom mais acinzentado, mais sombrio. Só a
partir de uma reedição The Number Of The Beast de 2008, foi que a
capa sofreu uma alteração e o fundo ganhou tons mais cinzentos e sombrios
conforme se havia pensado quando a capa foi criada 26 anos antes.
The
Number Of The Beast começa com “Invaders”, um heavy metal épico que retrata a invasão dos
vikings à Grã-Bretanha por volta do século VIII, quando os saxões, os povos nativos,
travaram uma batalha sangrenta contra os invasores. “Invaders” traz um ótimo
casamento harmônico entre as guitarras de Adrian Smith e Dave Murray.
A invasão dos vikings na Grã-Bretanha no século VIII é o tema de "Invaders", música que abre o álbum The Number Of The Beast. |
“Children Of The Damned” tem a sua primeira metade em ritmo lento de balada, onde Bruce Dickinson tem a oportunidade de mostra o poder da sua extensão vocal e a sua capacidade dramática como intérprete de uma canção. Já a segunda metade da música assume um ritmo mais veloz e intenso. A letra foi inspirada nos filmes de terror Village of the Damned (1960, A Aldeia dos Amaldiçoados no Brasil), do diretor Wolf Rilla (1920-2005), e a sua continuação Children of the Damned (1964, A Estirpe dos Malditos no Brasil), do diretor Anton Leader (1913-1988), ambos os filmes adaptados do livro The Midwich Cuckoos (1957), do escritor John Wydham (1903-1969).
“The
Prisioner” começa com um trecho de um áudio de uma fala do personagem do ator
Patrick McGoohan (1928-2009) de um episódio do seriado The Prisioner,
exibido pela tv britânica entre 1967 e 1968. Após o áudio, um riff de guitarra
hard rock dá início à música.
O lado A do álbum
encerra com “22 Acacia Avenue”, segunda música de uma trilogia de canções que
conta a história da prostituta Charlotte. A trilogia começou com a música “Charlotte
The Harlot”, presente no primeiro e homônimo álbum do Iron Maiden lançado em
1980, e se encerra com “From Here To Eternity”, do álbum Fear Of The Dark,
de 1992. “22 Acacia Avenue” possui alternâncias de andamento, que variam entre
um ritmo mais direto e uma levada mais “cavalgada”, típica do estilo do Iron
Maiden.
Iron Maiden em 1982, da esquerda para a direita: Adrian Smith, Clive Burr, Bruce Dickinson, Dave Murray e Steve Harris. |
O lado B do
álbum começa com “The Number Of The Beast”, a música que dá nome ao disco. A música começa com a voz em tom aterrador do
ator Barry Clayton (1931-2011) citando os trechos do livro Apocalipse (12:12 e
13:16), da Bíblia. Em seguida, um riff de guitarra dá início a um dos maiores clássicos
da história do heavy metal. Com uma performance vocal impecável, Bruce
Dickinson solta um grito intenso, saído das suas entranhas, que só encontra uma
similaridade com o grito ecoado por Roger Daltrey em “Won’t Get Fooled Again”,
do Who. A princípio, o Iron Maiden pretendia contratar o ator Vincent Price (1911-1993)
para narrar o texto bíblico no início da música, mas o astro dos filmes de
terror pediu um cachê muito alto. Foi então que a banda optou por outro ator,
Barry Clayton (1931-2011), conhecido por fazer leituras de contos de terror na
Capital Radio, de Londres.
A letra de
“The Number Of The Beast” foi escrita por Steve Harris a partir de um pesadelo
que ele teve após assistir ao filme Damien: Owen II (no Brasil, A
Profecia 2), do diretor Don Taylor, de 1978. “The Number Of The Beast”
causou a maior polêmica nos Estados Unidos, onde líderes religiosos acusaram o
Iron Maiden de fazer apologia ao satanismo.
Na sequência
vem “Run To The Hills”, um dos maiores sucessos da carreira do Iron Maiden. A
letra de “Run To The Hills” trata sobre o massacre que os homens brancos
promoveram ao exterminar povos indígenas na América do Norte para ampliar os
seus domínios territoriais. O ritmo cavalgado da bateria parece fazer alguma
alusão às cavalarias dos soldados americanos, que partiam para o oeste dos
Estados Unidos para confrontar os povos indígenas e exterminá-los.
“Gangland” é
a faixa mais hostilizado do álbum. Para uma parcela de fãs, “Total Eclipse”,
que foi incluída no lado B do single de “Run To The Hills”, merecia estar no
álbum ao invés de “Gangland”. Os próprios membros do Iron Maiden, anos mais
tarde, se arrependeram de não terem incluído “Total Eclipse” em The
Number Of The Beast. A partir do final dos anos 1990, as novas edições
de The Number Of The Beast
passaram a incluir “Total Eclipse” na lista do repertório de músicas do
disco. A letra de “Gangland” versa sobre um ex-gangster atormentado pelos
crimes que cometeu no passado.
Capas de The Number Of The Beast: do lado esquerdo a versão de 1982, e do lado direito, a nova versão a partir de 2008. |
The Number Of The Beast chega ao fim com “Hallowed Be Thy Name”, um heavy metal épico que descreve os últimos momentos de um prisioneiro antes de ser mandado para a forca. Os versos são cantados na primeira pessoa, como se Bruce Dickinson fosse o próprio prisioneiro condenado à morte: “Aguardando em minha cela fria / Quando o sino começa a tocar / Refletindo sobre a minha vida pregressa / E já não me resta muito tempo”.
Comercialmente,
The Number Of The Beast teve um desempenho brilhante e mostrou
que a mudança de vocalista agradou grande parte dos fãs, ainda que houvesse uma
parte deles que preferiam Paul Di’Anno. Nos Estados Unidos, The Number Of
The Beast vendeu na época mais de 1 milhão de cópias e alcançou o 33°
lugar da Billboard 200. No Reino Unido, o álbum vendeu 300 mil cópias e
chegou ao 1° lugar da parada de álbuns. Ao longo das décadas, The Number
Of The Beast vendeu mais de 14 milhões de cópias em todo o mundo.
O single de
“Run To The Hills”, lançado em fevereiro de 1982, um mês antes do álbum, chegou
ao 7° lugar na parada de singles do Reino Unido, onde vendeu 200 mil cópias. Já
o single de “The Number Of The Beast” chegou apenas ao 18° lugar, embora tenha
vendido também 200 mil cópias assim como “Run To The Hills”.
Durante todo
o ano de 1982, o Iron Maiden se ocupou com a bem sucedida turnê The Beast On
The Road, que começou em fevereiro e terminou em dezembro. A turnê teve 188
shows e passou pelos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Escócia, França,
Espanha, Suíça, Bélgica, Alemanha, Holanda, Austrália e Japão.
The
Number Of The Beast marcou a estreia de Bruce Dickinson no Iron Maiden, mas ao mesmo tempo,
foi o último álbum do baterista Clive Burr (1956-2013), que deixou a banda no
final de 1982. Foi substituído por Nicko McBrain, ex-baterista da banda Trust.
Curiosamente, após deixar o Maiden, Burr entrou na banda Trust para ocupar o
lugar de McBrain. O sucesso de The Number Of The Beast representou
uma nova e vitoriosa fase na carreira do Iron Maiden.
Faixas
Todas as
faixas foram escritas e compostas por Steve Harris, exceto onde anotado.
Lado A
- "Invaders"
- "Children Of The Damned"
- "The Prisoner" (Adrian Smith - Steve Harris)
- "22 Acacia Avenue" (Adrian Smith - Steve Harris)
Lado B
- "The Number Of The Beast"
- "Run To The Hills"
- "Gangland" (Smith - Clive Burr)
- "Hallowed Be Thy Name"
Iron Maiden: Bruce Dickinson (vocais), Steve Harris (baixo e vocais de
apoio), Dave Murray (guitarra), Adrian Smith (guitarra e vocais de apoio), Clive
Burr (bateria)
Referências:
Iron Maiden: album by album – Martin Popoff, 2018,
Voyageur Press, Minneapolis, Estados Unidos.
wikipedia.org
Eis aqui um dos maiores álbuns de todos os tempos: há 40 anos atrás a "Donzela de Ferro" de Steve Harris e seus companheiros entrava para a história com o lançamento deste petardo histórico, que embora não seja o melhor disco do Iron Maiden para muitos fãs, como é o meu caso (o melhor para mim é Powerslave, de 1984), The Number of the Beast merece com certeza ser apreciado por todas as idades e do início ao fim, além de ser um ótimo ponto de partida para quem quer começar a ouvir o som da banda, trazendo um tracklist verdadeiramente muito bom, com nove canções imperdíveis em menos de 45 minutos de duração.
ResponderExcluirAlém da estreia do vocalista Bruce Dickinson (ex-Samson), que se uniu ao já citado Steve Harris (baixista e líder do Maiden), o saudoso baterista Clive Burr (falecido em 2013) em seu último trampo com os caras (Nicko McBrain viria para o lugar dele um ano depois e, de lá pra cá, está até hoje na banda), mais a dupla de guitarristas Adrian Smith e Dave Murray (que fizeram também um ótimo trabalho em TNOTB), destaco também a excepcional produção do brilhante e também saudoso produtor Martin Birch, falecido em 2020 (as produções dele eram realmente muito boas) e a impressionante arte gráfica de Derek Riggs, estrelada pelo mascote Eddie, o que se tornaria uma constante em basicamente TODAS as capas de discos e outros apetrechos relacionados ao Maiden. Enfim, deixo aqui meus parabéns ao TNOTB pelas suas 4 décadas de lançamento, ou seja, 4 décadas históricas e completadas com muito sucesso em 2022.
É um grande disco. Por outro lado, não sei se você concorda, acho que o álbum deveria começar abrindo com a faixa título, seguida de "Run To The Hills" .
ExcluirOlha, não vejo problema algum no caso de "Invaders" ser a música de abertura do TNOTB, até porque acho que é uma ótima música para começar um álbum, com a banda logo mostrando a que veio em seus primeiros minutos. Mas se fosse por mim, a primeira música desse disco poderia ser facilmente "The Prisoner" (minha segunda favorita do álbum). No mais, agradeço por citar o hino "Run to the Hills", na minha opinião, a melhor faixa dentre todas as nove de TNOTB. Clássico eterno!
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