“Na Calada da Noite” (Warner, 1990), Barão Vermelho
Por Sidney Falcão
Quando
Cazuza (1958-1990) deixou o Barão Vermelho em 1985 para seguir em carreira
solo, a banda sofreu uma grande porrada. Até encontrar o seu próprio caminho
com o álbum Na Calada da Noite, em 1990, o Barão Vermelho penou
por cinco anos, alguns discos fracassados e mudanças na formação da banda.
Em 1986,
enquanto Legião Urbana, Titãs, RPM, Paralamas do Sucesso e Camisa de Vênus lotavam
arenas e lançavam álbuns que alcançaram altos índices de vendas -
respectivamente Dois, Cabeça Dinossauro, Rádio
Pirata / Ao Vivo, Selvagem? e Correndo o Risco – o Barão
Vermelho amargava shows vazios e o fracasso comercial de Declare Guerra,
o primeiro álbum da banda sem Cazuza e fez o guitarrista Roberto Frejat assumir
também o posto de vocalista. O fracasso de Declare Guerra teria
sido atribuído ao pouco empenho da gravadora Som Livre em divulgá-lo,
preferindo dar mais atenção ao primeiro disco solo de Cazuza, lançado no final
de 1985.
Com uma
situação insustentável na Som Livre, o Barão Vermelho deixa aquela gravadora e
assina contrato com a Warner ainda em 1986. Porém, só no ano seguinte que o primeiro álbum do Barão pela nova gravadora, Rock’n’Geral, foi lançado. Embora elogiado pela crítica, vendeu frustrantes 15 mil cópias. Como se
isso não bastasse, o tecladista Maurício Barros saiu do Barão Vermelho para
montar a sua própria banda, a Buana 4.
Da formação
original, o Barão Vermelho resumiu-se apenas ao trio Roberto Frejat, o baixista
Dé Palmeira e o baterista Guto Goffi. No entanto, desde 1985, a banda contava
nos shows e gravações com a participação do guitarrista Fernando Guimarães e o
percussionista Peninha (1950-2016), como músicos de apoio.
A sorte
começou a sorrir para o Barão Vermelho a partir de 1988, quando a banda carioca
lançou seu sexto álbum de estúdio, Carnaval. O Barão Vermelho
voltou a frequentar as paradas de rádio com “Pense e Dance”, música que foi
incluída na trilha sonora da novela Vale Tudo, da TV Globo, um grande
sucesso de audiência. Carnaval apresenta um Barão Vermelho mais
pesado, uma participação efetiva da percussão e um Frejat mais seguro na
condição de vocalista.
Carnaval, o álbum da virada do Barão Vermelho. |
Em 1989, o Barão Vermelho lançou Barão Ao Vivo, o primeiro álbum gravado ao vivo do grupo. Gravado na casa noturna Dama Xoc, em São Paulo, o disco mostra a força do Barão Vermelho no palco, ainda mais pesado, cru e agressivo do que nos tempos de Cazuza. A banda mostrou todo esse potencial de palco na segunda edição do Festival Hollywood Rock, em janeiro de 1990, que contou com as etapas do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Por volta de
meados de 1990, quando o Barão Vermelho começou a gravar Na Calada da
Noite, Dé Palmeira decidiu deixar a banda. A situação de Dé dentro do
grupo já não era tranquila desde o ano anterior, quando quase deixou o Barão. Dé
estava insatisfeito por não ter mais espaço na banda e acusava Frejat de egoísmo,
de não querer que ninguém tivesse mais destaque do que ele.
Para ocupar
o lugar de Dé, a banda convidou ninguém menos que Dadi Carvalho, ex-baixista
dos Novos Baianos e da A Cor do Som, músico bastante requisitado pelos mais
diversos artistas. Por ironia do destino, Dadi era um dos ídolos de Dé
Palmeira. A saída de Dé do Barão Vermelho não apenas trouxe Dadi para a banda
como também promoveu a efetivação de Fernando Guimarães e Peninha como
integrantes oficiais do conjunto.
As gravações
do novo disco transcorreram com tranquilidade, contando com Ezequiel Neves (jornalista
e produtor musical, um velho amigo da banda Barão Vermelho), Paulo Junqueiro
(se tornou anos mais tarde dirigente de gravadora), Roberto Frejat e Guto Goffi
na produção. Dadi chegou regravar as linhas de baixo que haviam sido gravadas
por Dé Palmeira para o novo disco, antes de deixar o Barão Vermelho.
No começo
das gravações, um velho conhecido visitou a turma do Barão Vermelho: Cazuza.
Mesmo bastante debilitado pela AIDS e pouco antes de falecer em julho de 1990,
Cazuza teve tempo de visitar a sua ex-banda para dar uma força aos seus antigos
companheiros. Cazuza foi uma figura que deu bastante apoio para que o Barão
Vermelho encontrasse o seu próprio caminho após ele ter deixado o conjunto. Além
de ter apoiado a banda, Cazuza incentivou o baterista Guto Goffi a escrever
suas próprias, o que acabou acontecendo.
Sétimo álbum
de estúdio do Barão Vermelho, Na Calada da Noite chegou às lojas
em setembro de 1990. Diferente do elétrico e pesado Carnaval, em Na
Calada da Noite, o Barão Vermelho explorou uma sonoridade mais leve e
eletroacústica, dando ênfase ao violão e à percussão. Em entrevista à revista Bizz,
edição de agosto de 1990, às vésperas do lançamento do disco, Frejat afirmou
que não queria que o Barão virasse um arquétipo de banda de hard rock e que o
grupo era muito mais flexível do que isso. E de fato, tanto em Carnaval
como no Barão Vivo, a banda carioca havia chegado à fronteira do
blues rock com o hard rock. No álbum Na Calada da Noite, o Barão
parecia sentir a necessidade de “aliviar” mais o seu som e mostrar que tinha
capacidade de transitar também por uma sonoridade mais leve e delicada.
Formação do Barão Vermelho em 1990, sentido horário: Fernando Magalhães (de chapéu), Dadi Carvalho, Roberto Frejat, Guto Goffi e Peninha. |
O fato de Na
Calada da Noite trazer um Barão Vermelho apostando no som
eletroacústico, não significava que o grupo abriu mão da sonoridade pesada. Na
Calada da Noite traz momentos pesados e agressivos em faixas como em “O
Invisível” e “Invejo os Bichos”. Mostra também o Barão Vermelho experimentando a
musicalidade latina em “Beijos de Arame Farpado”. Mas o protagonismo fica por
conta das canções com um viés mais eletroacústico, puxado para a folk music e o
blues acústico.
O álbum
começa com “Política Voz”, canção que prega a liberdade de expressão e tece uma
crítica à mentalidade retrógrada que ainda resistia no país, mesmo após a
recém-finada ditadura militar: “Eu não sou a porca que não quer atarraxar /
E nem a luva que não quis na sua mão entrar / Eu sou a voz que quer apertar o
cerco e explodir / Toda essa espécie de veneno chamado caretice / E expulsar do
ar, do ar, do ar / A nuvem negra que só quer perturbar”. Nesta canção, os
violões são os protagonistas, apesar da presença das guitarras.
“O Invisível”
é um hard rock que começa com um riff de guitarra sensacional que remete
a “Jailbreak” do AC/DC, e dá o ritmo de toda a faixa. No meio da música, um
solo de violão flamenco surpreende o ouvinte que àquelas alturas, está no
embalo do peso das guitarras e da bateria empregado pela banda. “Na Calada da Noite”,
a faixa que dá nome ao disco, é uma parceria um tanto quanto improvável de
Frejat e Luiz Melodia (1951-2017). O violão com slide dá o tom de blues
acústico antigo, enquanto que a percussão de Peninha põe um tempero sonoro
latino à canção.
“Beijos de
Arame Farpado” traz uma das mais perfeitas integrações de percussão e linha de
baixo na obra do Barão Vermelho. Embora tenha se notabilizado por ser uma banda
muito inclinada para o blues rock, o Barão Vermelho ao longo da carreira fez
incursões muito bem sucedidas na fusão de rock com música latina, sob
inspiração de Carlos Santana, influência que já foi admitida pela própria
banda. Em “Beijos de Arame Farpado”, nota-se ecos não apenas de Santana, mas
também de Barrabas, banda espanhola que fez muito sucesso no início dos anos
1970 com a música “Woman”.
Seguem a
balada folk “Sonhos Pra Voar” e a curtíssima “Seco”, faixa que está mais para
uma vinheta e que encerra o lado A de Na Calada da Noite.
Abrindo o
lado B do álbum, “Tão Longe de Tudo”, música alegre que possui violões
contagiantes. Um piano delicado contrasta com o agito empregado pelos violões e
pela percussão. Sem nada de muito especial além do bom solo de guitarra, “A Voz
da Chuva” parece tratar de um casal de namorados apaixonados se amando debaixo da chuva. “Tua Canção” é uma linda balada acústica ao violão que contém
um steel guitar relaxante.
Depois da
calmaria romântica de “Tua Canção”, a temperatura sobe com “Invejo os Bichos”,
um hard rock poderoso e agressivo que faz lembrar o Barão Vermelho dos tempos
de Carnaval e Barão Ao Vivo. Fernando Guimarães faz
um solo de guitarra incrível e inspirado, como era de se esperar dele. Guto
Goffi está afiado e certeiro na condução da bateria, enquanto Dadi faz uma
linha de baixa robusta e segura como pede todo hard rock. A letra foi escrita
pelo percussionista Peninha que fez uma comparação curiosa entre a vida dos
animais com a dos seres humanos.
Detalhe da foto da contracapa de Na Calada da Noite. |
“O Poeta
Está Vivo”, principal faixa de Na Calada da Noite, encerra o
álbum. Composta por Roberto Frejat e Dulce Quental, ao contrário do que muita
gente pensa, a canção não é um tributo a Cazuza. Quando a música começou a ser
divulgada nas rádios, Cazuza havia morrido pouco tempo antes, e por causa do
título da canção, muita gente acreditou que seria uma homenagem ao ex-vocalista
do Barão morto pela AIDS. A canção gerou uma grande comoção na época e acabou
virando um grande sucesso nas paradas radiofônicas.
Na Calada da Noite foi álbum que representou a volta
por cima do Barão Vermelho e libertou definitivamente a banda da aura de
Cazuza. Foi o disco do Barão Vermelho melhor sucedido comercialmente desde o
álbum Maior Abandonado (1984). E pela primeira vez desde Maior
Abandonado, o Barão Vermelho conseguiu emplacar nas paradas de sucesso
pelo menos quatro faixas de um mesmo disco. “O Poeta Está Vivo”, “Política Voz”,
“Tão Longe de Tudo” e “Tua Canção” foram as faixas do álbum mais tocadas nas
rádios.
O sucesso do
álbum trouxe a popularidade de volta ao Barão Vermelho. Nas eleições da revista
Bizz para os melhores do ano de 1990, Na Calada da Noite
foi eleito melhor álbum pelos jornalistas e ficou em segundo lugar na votação
entre os leitores, perdendo para O Papa É Pop, dos Engenheiros do
Hawaii.
Para
comemorar os dez anos de carreira em 1991, o Barão Vermelho saiu em turnê pelo
Brasil. Nos anos de 1991 e 1992, o Barão Vermelho venceu o Prêmio Sharp na
categoria “Melhor Conjunto de Rock”. Em janeiro de 1992, o Barão Vermelho fez
uma apresentação memorável na 3ª edição do Hollywood Rock que foi aclamada pela
crítica e pelo público.
Ainda em
1992, Dadi recebeu um convite irrecusável: tocar na turnê europeia de Caetano
Veloso. O baixista deixou amigavelmente o Barão Vermelho. Em seu lugar entrou
Rodrigo Santos, ex-baixista da banda de Lobão.
A saída de
Dadi não prejudicou o Barão Vermelho. O grupo prosseguiu com o prestígio
reconquistado em alta. Na Calada da Noite entrou para a história
do Barão Vermelho como o trabalho que salvou a carreira do conjunto carioca e
redefiniu a sua linha musical. Foi sem sombra de dúvidas, um divisor de águas.
Faixas
Lado A
1. “Política Voz” (Jorge Salomão - Roberto Frejat)
2. “O Invisível” (Dé - Guto Goffi -
Jorge Salomão - Roberto Frejat)
3. “Na Calada da Noite” (Roberto
Frejat - Luiz Melodia)
4. “Beijos de Arame Farpado” (Dé -
Ezequiel Neves - Sérgio Serra)
5. “Sonhos Pra Voar” (Roberto Frejat -
Guto Goffi)
6. “Seco” (Jorge Salomão - Roberto
Frejat)
Lado B
7. “Tão Longe de Tudo” (Guto Goffi)
8. “A Voz da Chuva” (Ezequiel Neves -
Roberto Frejat - Sérgio Serra)
9. “Tua Canção” (Roberto Frejat -
Sérgio Serra)
10. “Invejo os Bichos” (Fernando
Magalhães - Paulo Humberto Pizziali - Roberto Frejat)
11. “O Poeta Está Vivo” (Roberto
Frejat - Dulce Quental)
Barão
Vermelho: Roberto
Frejat (guitarra, violão e vocal), Fernando Magalhães (guitarra e violão), Dadi
Carvalho (baixo), Guto Goffi (bateria) e Peninha (percussão)
Convidados:
Maurício
Barros e Nico Rezende: órgão
Renato Neto:
piano
Rick
Ferreira: steel guitar em "Tua Canção"
Ronaldo
Barcelos, Mariza, Nina, Jurema e Gérson: coro
Gaetano
"Kay" Galifi: violão flamenco em "O Invisível"
Paulo Junqueiro e Guilhermão: percussão
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