“Eat A Peach” (Capricorn Records, 1972), The Allman Brothers Band
Por Sidney Falcão
Liderada
pelos irmãos Duane Allman (1946-1971) e Gregg Allman (1947-2017), a The Allman
Brothers Band notabilizou-se pela sua musicalidade resultante da mistura de
rock, blues, country rock, soul music e jazz, e pelas longas improvisações nos
shows ao vivo, onde cada músico da banda mostrava as suas habilidades nos seus
respectivos instrumentos.
A banda é
considerada a pioneira de uma vertente do rock chamada de southern rock (“rock
sulista”), um termo criado no começo dos anos 1970 pela imprensa musical
americana. O termo servia para se referir a um estilo de rock tocado por uma
nova geração de bandas provenientes do sul dos Estados Unidos que despontava
para o sucesso na época, principalmente dos estados mais ao sudeste americano como
Alabama, Arkansas, Georgia, Kentucky, Louisiana, Mississippi, Carolina do
Norte, Carolina do Sul, Tenessee, Virgínia e Virgínia Ocidental. O estilo era
fruto da fusão de rock, country music e blues.
Embora
nascidos em Nashville, no estado americano do Tennessee, os irmãos Duane e
Gregg Allman começaram a carreira musical em Daytona Beach, ainda na
adolescência, no começo dos anos 1960, tocando em pequenas bandas locais. Os
dois irmãos formaram com outros amigos a banda The Escorts, em 1963. Dois anos
depois, a banda foi reformulada e rebatizada para Allman Joys. Durante uma
temporada na cidade de St. Louis, a banda atraiu atenção de um executivo de uma
gravadora de Los Angeles, a Liberty Records. Sob um novo nome, Hour Glass, a
banda lançou dois discos, entre 1967 e 1968, mas não tiveram repercussão
alguma.
Após o
fracasso, a Hour Glass acabou. Gregg permaneceu em Los Angeles trabalhando para
a Liberty Records por questões contratuais, enquanto que Duane partiu para Muscle
Shoals, no Alabama, onde foi trabalhar como músico de estúdio na FAME Studios.
Na FAME Studios, Duane gravou em discos de grandes astros da música americana
como Aretha Franklin (1942-2018), King Curtis (1934-1971), Wilson Pickett
(1941-2006), Ronnie Hawkins, Percy Sledge (1940-2015), Boz Scaggs entre outros.
O cantor de soul Wilson Pickett e o guitarrista Duane Allman no Muscle Shoals Recording Studios em novembro de 1968 em Sheffield, Alabama. |
Contudo, após alguns meses, Duane já estava um tanto quanto entediado em ser músico de estúdio. Sentia falta da estrada, de tocar numa banda nos palcos. Duane assinou contrato com Phil Walden, ex-empresário do cantor de soul music Otis Redding (1941-1967), e que naquele momento estava interessado em agenciar artistas de rock. Em março de 1969, Duane muda-se para Jacksonville, onde seleciona músicos para a sua nova banda. Foram recrutados o baterista Jai Johanny "Jaimoe" Johanson, um segundo guitarrista, Dickey Betts, o baixista Berry Oakley, e mais um baterista, Butch Trucks, que também era percussionista. Para completar a formação, Duane chamou o seu irmão Gregg Allman, que estava em Los Angeles, para assumir os vocais e teclados. Estava formada a The Allman Brothers Band.
Depois de formada, a banda muda-se para a cidade de Macon, no estado da Georgia, lugar onde estava sediado o recém inaugurado Capricorn Records, selo independente de propriedade de Phil Walden, empresário dos Allman Brothers. Os dois primeiros álbuns, The Allman Brothers Band (1969) e Idlewild South (1970), embora tenham impressionado a crítica por causa da proposta musical e da performance dos músicos, tiveram um desempenho comercial bem modesto.
A The Allman
Brothers Band foi alçada ao estrelado do rock com próximo lançamento, em julho
de 1971, At Fillmore East, um álbum duplo gravado ao vivo no
Fillmore East, em Nova York, em março de 1971. Vendido a preço de álbum
simples, At Fillmore East fez um enorme sucesso de público e de
crítica. Chegou ao 13° lugar na para Top Pop Albums da Billboard, nos Estados
Unidos. At Fillmore East deu aos Allman Brothers a tão almejada
visibilidade.
O sucesso
trouxe fama e dinheiro, mas também os excessos. Duane Allman e o baixista Berry
Oakley, por exemplo, entraram numa clínica de reabilitação para tratamento do
vício em álcool e drogas.
The Allman Brothers Band, a partir da esquerda: Duane Allman, Dickey Betts, Gregg Allman, Jai Johanny Johanson, Berry Oakley e Butch Trucks em 1969. |
Em setembro de 1971, já no ápice da fama alcançada, a banda iniciou o processo de gravação do seu próximo álbum de estúdio, no Criteria Studios, em Miami, sob a produção de Tom Dowd (1925-2002). Tudo ia muito bem até que no dia 29 de outubro de 1971, uma tragédia abalou a banda e os fãs. Duane Allman, guitarrista e fundador da Allman Brothers Band, sofreu um grave acidente de moto que lhe tirou a vida, aos 24 nos de idade.
O fato chocou
os fãs e abalou completamente os membros da banda, principalmente Gregg Allman,
o irmão do guitarrista. Os integrantes da Allman Brothers Band cogitaram a
hipótese de acabar com a banda. Mas logo mudaram de ideia por acharem que a
melhor maneira de homenagear a memória de Duane era a de manter a banda em
atividade. As gravações do álbum prosseguiram e foram finalizadas em dezembro
de 1971.
Intitulado Each
A Peach, o novo trabalho dos Allman Brothers foi lançando em 12 de
fevereiro de 1972. O álbum foi lançado em formato de álbum duplo com dez
faixas, sendo três delas gravadas ao vivo no Fillmore East, em Nova York, duas
em março e uma em junho de 1971. Uma das faixas gravadas ao vivo, “Mountain
Jam”, foi dividida em duas partes devido à sua longa duração. Das sete faixas
gravadas em estúdio, três foram gravadas após a morte de Duane Allman.
A capa do
álbum foi criada pelo artista gráfico americano W. David Powell, e mostra um
pequeno retângulo no centro da capa com a ilustração de um caminhão carregando
um pêssego gigante. Na parte interna da capa dupla está uma outra ilustração,
uma paisagem psicodélica criada por W. David Powell e JF Holmes. O lado
esquerdo da ilustração foi feita por Holmes e a direita por Powell.
O álbum
duplo abre com “Ain't Wastin' Time No More”, música composta por Gregg Allman
antes da morte de Duane Allman. Coincidência ou não, a letra versa sobre a
brevidade da vida, de que não devemos desperdiçar tempo na nossa existência. “Les
Brers in A Minor” é uma longa faixa de instrumental composta pelo guitarrista
Dickey Betts, que começa com uma jam session que dura pouco mais de três
minutos. Em seguida, a música é tomada por uma irresistível levada groove
funk, protagonizada pelo baixo de Berry Oakley, enquanto os outros instrumentos
fazem o acompanhamento.
Funeral do guitarrista Duane Allman: embora composta antes da morte de Duane pelo seu irmão, Gregg Allman, "Ain't Wastin' Time No More" trata sobre a brevidade da vida. |
Após o balanço dançante da faixa anterior, um momento de romantismo com a bela balada melódica “Melissa”, uma canção escrita em 1967 por Gregg Allman. Foi gravada por uma banda que Gregg fez parte antes de entrar na Allman Brothers, a The 31st Of February, mas que pouco chamou a atenção. “Mellissa” seria gravada para o primeiro álbum dos Allman Brothers, mas por algum motivo desistiram da ideia. O motivo de resgatar essa canção especialmente para Eat A Peach foi que Duane adorava essa canção. Como uma forma de tributo ao irmão morto, Gregg decidiu que “Melissa” seria gravada pelos Allman Brothers para este álbum como uma linda balada country rock.
A faixa
seguinte é “Mountain Jam”, uma longa jam session de “quilométricos” 34
minutos, gravada ao vivo no Fillmore East, em Nova York, em março de 1971, para
o material que iria compor o repertório do álbum At Fillmore East,
mas acabou ficando de fora. Porém, a gravação foi resgatada e incluída em Eat
A Peach. Na versão LP lançada em 1972 em formato álbum duplo, a música
foi dividida em suas partes, a primeira parte como quarta faixa tomando todo o
lado B do disco 1 (com uma duração de 19 minutos e 37 segundos) e a segunda
parte tomando todo o lado 4 do disco 2, com uma duração de 15 minutos e 6
segundos. Mas na versão CD, “Mountain Jam” foi incluída como quarta faixa na
íntegra, sem cortes, com seus longos 34 minutos.
“Mountain
Jam” apresenta os músicos da banda fazendo longas improvisações com forte
inspiração jazzística. Em pouco mais meia hora de duração, a faixa permite que
cada música faça solos com seus respectivos instrumentos. O destaque fica para
a performance fantástica do dueto dos bateristas Butch Trucks e Jai Joahanny
Johanson. “Mountain Jam” traz citações de outras duas músicas, “Third Stone
From The Sun”, de Jimi Hendrix, e “Will The Circle Be Unbroken?”, um hino
popular cristão escrito por Ada R. Habershon (1861-1918) e música de Charles H.
Gabriel (1856-1932).
“One Way Out”
é um blues rock gravado ao vivo pelos Allman Brothers em junho de 1971, no
Fillmore East, em Nova York. Originalmente, “One Way Out” foi gravada por Sonny
Boy Williamson II (1912-1965) em 1964. Assim como “Mountain Jam”, “Trouble No
More” foi gravada ao vivo no Fillmore East em março de 1971, e que também ficou
de fora do álbum At The Fillmore East.
Gravada pela
primeira vez por Muddy Waters (1913-1983) em 1955, “Trouble No More” ganhou uma
versão dos Allman Brothers em que Duane Allman faz solos incríveis de slide
guitar. “Stand Back” tem um balanço sensacional, uma slide guitar
chorosa tocada por Duane Allman, e que nem parece se tratar de uma música sobre
um sujeito que descobriu o quanto a sua namorada era ardilosa.
Gravada em 1955 por Muddy Waters, em 1955, 'Trouble No More" ganhou uma nova versão com a The Allman Brothers Band para o álbum Eat A Peach. |
“Blue Sky” é uma das canções mais famosas dos Allman Brothers. É uma bela canção escrita por Dickey Betts dedicada à sua então namorada e futura esposa, Sandy “Bluesky” Wabegijig. Eles se casaram em 1973, mas se divorciaram em 1975. “Blue Sky” traz uma interessante interação de solos das guitarras de Duane Allman e Dickey Betts, ora alternando, ora tocando simultaneamente. Nesta canção, é Betts quem canta. “Blue Sky’ foi uma das últimas gravações em estúdio de Duane Allman antes de morrer.
“Little
Martha” é a única música presente em Eat A Peach composta apenas
por Duane Allman. Foi gravada semanas antes de sua morte. A música é
essencialmente acústica e traz um bonito dueto de violões dedilhados tocados
por Duane e Dickey Betts. Tal performance mostra que além de dois brilhantes
guitarristas, capazes de fazer solos de guitarra agressivos, eram capazes
também de demonstrar delicadeza e sensibilidade ao dedilhar as cordas dos
violões.
Eat A
Peach alcançou o
4° lugar no Top 200 Albuns Pop da Billboard, nos Estados Unidos.
O álbum foi contemplado com um disco de platina por ter atingido a marca de 1
milhão de cópias vendidas. O bom desempenho comercial de Eat A Peach
no entanto, não aplacou a tristeza nos integrantes da Allman Brothers Band. Os
membros da banda foram convencidos por Dickey Betts de que a banda deveria
partir para uma turnê para promover Eat A Peach, e foi o que
aconteceu. Os Allman Brothers seguiram em turnê como um quinteto, sem um
substituto para Duane Allman. Foram 90 apresentações ao todo.
Quando tudo
parecia ir bem e a banda quase superando a dor da perda de Duane, eis que um
fato bizarro aconteceu. Em 11 de novembro de 1972, o baixista Berry Oakley sofreu
um acidente de moto em Macon ao chocar-se com um ônibus, a poucos quarteirões
do local onde Duane morreu um ano antes. Oakley recusou-se a ser conduzido para
um hospital, preferiu ir para casa. Contudo, horas mais tarde, seu quadro de
saúde se agravou, sentia fortes dores na cabeça. Oakley foi levado às pressas
para hospital, onde acabou morrendo, aos 24 anos. Exames constataram que houve
um inchaço cerebral causado por uma fratura no crânio causada pelo acidente de
moto horas antes.
Com as mortes
de Duane Allman e de Berry Oakley, a fase clássica da Allman Brothers Band
chegava ao fim. E Eat A Peach foi o último trabalho dessa formação
clássica.
Faixas
Disco 1
Lado 1
- "Ain't Wastin' Time No More" (Gregg Allman)
- "Les Brers in A Minor" (Dickey Betts)
- "Melissa" (Gregg Allman - Steve Alaimo)
Lado 2
- "Mountain Jam" – parte 1 (Donovan Leitch - Duane Allman - Gregg Allman - Dickey Betts - Jai Johanny Johansen - Berry Oakley - Butch Trucks) (ao vivo)
Disco 2
Lado 3
- "One Way Out" (Marshall Sehorn - Elmore James) (ao vivo)
- "Trouble No More" (McKinley Morganfield) (ao vivo)
- "Stand Back" (Gregg Allman - Berry Oakley)
- "Blue Sky" (Dickey Betts)
- "Little Martha" (Duane Allman)
Lado 4
- "Mountain Jam" – parte 2 (Donovan Leitch - Duane Allman - Gregg Allman - Dickey Betts - Jai Johanny Johansen - Berry Oakley - Butch Trucks) (ao vivo)
The Allman Brothers Band:
Duane Allman (slide guitar, guitarra elétrica, violão em
todas as faixas, exceto em “Ain't Wastin' Time No More”, “Les Brers in A Minor”
and “Melissa”)
Dickey Betts (guitarra elétrica, lvocal principal em “Blue
Sky”)
Gregg Allman (vocal principal, órgão Hammond, piano, piano
elétrico e violão)
Berry Oakley (baixo)
Jai Johanny Johanson (bateria e congas)
Butch Trucks (bateria e percussão)
Referências:
Rock – a música do século XX, volume 1 – 1983, Rio Gráfica Editora, São Paulo, Brasil
allmanbrothersband.com
rollingstone.com
Comentários
Postar um comentário