“The Doors” (Elektra Records, 1967), The Doors



Por Sidney Falcão

Foi em algum dia do mês de julho de 1965, na praia de Venice, na ensolarada Califórnia, que se deu o encontro de Jim Morrison (1943-1971) e Ray Manzarek (1939-2013), ambos estudantes de cinema da UCLA (Universidade da Califórnia de Los Angeles). Embora já se conhecessem no ambiente universitário, foi naquela praia que os dois conversaram bastante tiveram uma ideia melhor um do outro.

Durante aquele encontro, Jim Morrison falou dos poemas que escrevia e apresentou alguns a Manzarek, que ficou encantado com os versos do jovem poeta. Sem pensar duas vezes, Manzarek convidou Morrison para ser vocalista de sua banda, a Rick and the Ravens, onde era o tecladista e da qual faziam parte também dois irmãos de Manzarek, o guitarrista Rick Manzarek e o gaitista Jim Manzarek. Morrison aceitou o convite, apesar de nunca ter passado pela sua cabeça a pretensão de ser cantor. A Rick and the Ravens ainda tinha a baixista Pat Sullivan, única garota do grupo. Em agosto do mesmo ano, integrou a banda John Densmore, um jovem baterista apaixonado por jazz e bossa-nova.

Dois meses depois, os irmãos Rick e Jim Manzarek deixam a Rick and the Ravens. No lugar de Rick, entra Robbie Krieger, ex-guitarrista da Psychedelic Rangers, banda da qual John Densmore também havia sido membro. Quanto ao lugar de Jim Manzarek, o posto não foi ocupado porque a banda parecia disposta a não ter gaitista. Em dezembro de 1965, foi a vez da baixista Pat Sullivan deixar a Rick and the Ravens.

Com a saída de Pat, a banda resumiu-se a um quarteto. A banda chegou a fazer testes com baixistas, mas nenhum conseguiu agradar o grupo, o que fez o quarteto decidir por não ter baixista. Para suprir esse posto, Manzarek passou a fazer uso de um teclado Fender Piano Bass, com o qual ele fazia as linhas de baixo com a mão esquerda, e com a direita tocava um órgão elétrico Vox Continental.

Por sugestão de Jim Morrison, a banda em sua nova formação, foi renomeada para The Doors, inspirado no livro As Portas da Percepção, de Adous Huxley (1894-1963). Huxley por sua vez, nomeou seu livro tendo como referência um verso de um poema do poeta inglês, William Blake (1757-1827): “If the doors of perception were cleansed, every thing would appear to man as it is: infinite” (“Se as portas da percepção fossem abertas, tudo apareceria como realmente é: infinito”).

A partir do início de 1966, o The Doors começou a fazer uma série de apresentações no London Fog, uma casa noturna de Los Angeles, durante quatro meses. O cachê oferecido pela London Fog era uma mixaria, mas as apresentações naquela casa noturna deram experiência de palco para o The Doors, principalmente a Jim Morrison. As apresentações na London Fog foram bem sucedidas, e logo após concluir a temporada por lá, a banda recebeu um convite para ser atração fixa do Whiskey A Go Go, a mais badalada casa noturna de Los Angeles na época. Na Whiskey A Go Go, o The Doors abriu shows de várias importantes como The Byrds, Love, Them e The Seeds.

The Doors em início de carreira se apresentando no London Fog,
casa noturna de Los Angeles, em 1966.

As apresentações do The Doors começaram a chamar a atenção de algumas gravadoras. O quarteto chegou a assinar um contrato com a gravadora Columbia, mas dessa relação nada saiu, e a companhia se mostrava pouco motivada em investir na banda californiana.

Contudo, uma outra gravadora demonstrou interesse no The Doors. Numa das apresentações do grupo no Whiskey A Go Go, estava presente na plateia assistindo a tudo, Jac Holzman, presidente da gravadora Elektra, que não teria gostado do show daquela noite, mas enxergou potencial naquele quarteto. Holzman recomendou ao produtor Paul A. Rothschild para que fosse assistir o grupo.

O The Doors fechou contrato com a Elektra Records. No final de agosto de 1966, o grupo se “despediu” da Whiskey A Go Go, mas não de maneira festiva. O quarteto foi expulso daquela casa noturna depois que Jim Morrison cantou, com uma voz berrada, os versos finais de “The End”: "Father I want to kill you... Mother, I want to... (“Pai, quero te matar/Mãe, quero...), que foram completados com a frase “fuck you” (“te comer”). Aquilo chocou os proprietários da Whiskey A Go Go, que logo trataram de expulsar a banda.

Passada a polêmica, os membros do The Doors entraram no Sunset Sound Studios, em Hollywood, na Califórnia, para gravar o seu primeiro álbum. O repertório foi todo baseado no que a banda tocava nos shows no Whiskey A Go Go, ou seja, já estava mais do que ensaiado. Contando com a produção de Paul A. Rothschild (1935-1995) e a engrenharia de som de Bruce Botnick, o The Doors gravou o seu álbum de estreia em duas semanas do mês de agosto de 1966, e num estúdio de apenas quatro canais. Embora o The Doors não tivesse baixista, a banda teve de contar em algumas faixas com um baixista contratado, Larry Knechtel (1940-2009), músico de estúdio bastante requisitado e que nos anos 1970, integrará a banda Bread. 

O primeiro e autointitulado álbum do The Doors foi lançado pela gravadora Elektra em 4 de janeiro de 1967. Na capa, Jim Morrison, com olhar de galã, aparece num plano muito maior que o de seus companheiros. O conteúdo do disco mostra uma banda muito bem entrosada praticando um tipo de música que era uma perfeita integração de rock, poesia e transgressão. Ao longo de 11 faixas, é perceptível o leque de influências que ajudou a formatar a base musical do The Doors: jazz, blues, pop, R&B, música erudita e, claro, o rock’n’roll. Embora gravado com recursos modestíssimos, num estúdio de apenas quatro canais, o álbum é um trabalho de vanguarda dentro do cenário de rock da época.

Paul A. Rothschild foi o produtor do álbum de estreia do The Doors.

Além das músicas autorais, The Doors, o álbum, traz duas releituras de músicas de outros artistas. “Alabama Song”, poema de Bertolt Brecht (1898-1956), e musicada por Kurt Weill (1900-1950) especialmente para a ópera A ascensão e queda da cidade de Mahagonny, de autoria do próprio Brecht, de 1927, e “Back Door Man”, escrita por Willie Dixon (1915-1992), e gravada originalmente por Hownlin’ Wolf (1910-1976), em 1961.

“Break On Through (To The Other Side)” é que abre o álbum, e a sua introdução segue uma levada rítmica inspirada na batida da bossa-nova, para depois descambar para o rock. Os riffs de guitarra são agressivos e nervosos, enquanto que Jim Morrison canta o refrão com vocais raivosos. A linha de baixo, executada por Ray Manzarek nos teclados, obedece um andamento emprestado do jazz. 

“The Crystal Ship” é uma canção calma e delicada, que traz Jim Morrison cantando com a voz empostada tal qual um Frank Sinatra. O piano e o órgão executados por Ray Manzarek, criam todo um clima melódico de sonho para quem ouve a canção. “Twentieth Century Fox” trata sobre uma mulher linda e maravilhosa, que possui uma postura decidida e que não perde tempo com conversa fiada.

A referida “Alabama Song (Whisky Bar)”, musicada por Kurt  Weill a partir do poema de Bertolt Brecht para ópera Ascensão e Queda da Cidade de Mahogonny, em 1927, ganhou uma versão com o The Doors que é uma mistura de blues e foxtrote que dá um clima de cabaré à canção. Ao final, todos cantam juntos como se estivessem bêbados num bar.

Encerrando o lado A do álbum, o mehagit “Light My Fire”, a principal faixa do disco. Escrita por Robby Krieger, a música, a princípio, tinha inspiração na folk music e na música flamenca quando foi composta, mas acabou ganhando uma cara mais voltada para o rock. O fraseado dos teclados de Ray Manzarek é um dos mais antológicos da história do rock. Com mais de sete minutos de duração, “Light My Fire” possui um trecho onde os músicos da banda fazem uma longa improvisação instrumental, mas que na versão para veiculação de rádio, foi extraída, deixando a música com uma duração de pouco mais de três minutos. A letra é sobre um jovem que tenta convencer a sua namorada a passar a noite juntos e aproveitar aquele momento de prazer sexual como se fosse a última de suas vidas.

The Doors, da esquerda para a direita: Robby Krieger, Ray Manzarek,
John Densmore e Jim Morrison.

“Back Door Man” abre o álbum de estreia do The Doors. O The Doors se apropria de forma magistral da música gravada anteriormente por Howlin’ Wolf. O título da música é uma expressão popular americana (“homem da porta dos fundos”) que se refere ao homem que tem caso de amor com mulher casada. A porta dos fundos nesse caso, e a porta de saída por onde o amante da mulher casada foge quando o marido dela chega em casa pela porta da frente.

“I Looked At You” mostra que os Doors também sabiam fazer canções com apelo pop radiofônico. Nesta faixa, nota-se uma linha de baixo muito marcada, o que evidencia a presença de baixista de ofício e não Ray Manzarek executando linha de baixo com os teclados. Aqui, certamente quem tocou o baixo foi Larry Knechtel. A letra é singela, é sobre uma troca de olhares que dá início a um romance de um casal.

A faixa seguinte é “End Of The Night”, uma canção lenta e arrastada. É uma das canções mais antigas do The Doors, foi composta em 1965. Os teclados de Manzarek em “End Of The Ninght” criam todo uma sonoridade tensa, soturna, fantasmagórica. Enquanto isso, a guitarra de Krieger, afetada por efeitos de trêmulo, dão um toque de psicodelia à canção.

“Take It As It Comes” é outra faixa com apelo pop presente no disco. Versa sobre a brevidade da vida, de aproveitarmos cada momento da nossa presença nesta existência. Traz uma linha d baixo bem pontuada, e que bem provavelmente, seja mais uma performance do baixista Larry Knetchel no disco. Destaque para o solo de órgão de Ray Manzarek.

Para o seu primeiro álbum de estreia, o The Doors gravou "Back Door Man",
que foi originalmente gravada por Howlin' Wolf (foto) em 1961.

O álbum termina com a épica “The End” e seus mais de doze minutos de duração, e que ainda assim, não impediu de ser um dos maiores sucesso da carreira do The Doors. “The End” é uma canção de versos enigmáticos e um arranjo musical angustiante e obscuro. Segundo Morrison, os versos eram sobre o fim do seu relacionamento com uma namorada. Porém, a canção possui outros significados, e ficou marcada pela referência ao “Complexo de Édipo” através de versos que narram o diálogo de um filho com seus pais na voz Jim Morrison: “Father? / Yes son / I want to kill you / Mother, I want to...” (“Pai? / Sim filho / Eu quero te matar / Mãe, eu quero...”). No fatídico e último show do The Doors no Whiskey A Go Go, em Los Angeles, quando haviam recém-assinado contrato com a Elektra, a frase final dos versos foi complementada com um “I want to fuck you” (“Eu quero te foder”), o que motivou a expulsão da banda daquela casa noturna. Na versão de “The End” gravada para o álbum, não há a polêmica frase. Em 1979, “The End” foi incluída na trilha sonora do filme Apocalyse Now, de Francis ford Coppola, e que retrata os soldados americanos na Guerra do Vietnã.

O primeiro e autointitulado álbum do The Doors teve uma recepção positiva por parte da imprensa. Seu desempenho comercial na época foi muito bom para um álbum de estreia. Nos Estados Unidos, The Doors vendeu mais de 2 milhões de cópias. O single de “Light My Fire” alcançou o primeiro lugar parada de singles da Billboard, nos Estados Unidos por três semanas.

Meses depois, em setembro de 1967, no rastro do sucesso do álbum de estreia, o The Doors lançava o seu segundo álbum de estúdio, Strange Days, que contém duas das canções que estão entre as mais conhecidas do repertório do quarteto californiano, “People Are Strange” e “Love Me Two Times”.

The Doors, o álbum, é frequentemente considerado um dos melhores álbuns de todos os tempos. O disco foi essencial para a difusão do rock psicodélico, que naquele ano de 1967, o estilo alcançava o seu ápice. Em 2020, o álbum The Doors ficou em 86° lugar na lista dos 500 Melhores Álbuns de Todos os Tempos da revista Rolling Stone.

Faixas

Todas as faixas foram escritas pelos Doors ( Jim Morrison , Ray Manzarek , Robby Krieger e John Densmore ), exceto onde indicado.

Lado 1

  1. “Break On Through (To The Other Side)”
  2. “Soul Kitchen”
  3. “The Crystal Ship”
  4. “Twentieth Century Fox”
  5. “Alabama Song (Whisky Bar)” (Bertolt Brech - tKurt Weill)
  6. “Light My Fire” 

Lado 2 

  1. “Back Door Man” (Willie Dixon - Chester Burnett)
  2. “I Looked at You”
  3. “End of the Night”
  4. “Take It as It Comes”
  5. “The End”

 

The Doors: Jim Morrison (vocais), Robby Krieger (guitarra), Ray Manzarek (órgão, piano, teclado-baixo, vocais de apoio e marxofone em "Alabama Song (Whiskey Bar)") e John Densmore (bateria).

Músico adicional: Larry Knechtel (baixo em em “Soul Kitchen”, “Twentieth Century Fox” e “Light My Fire”).

Produção: Paul A. Rothchild (produtor; vocais de apoio em “Alabama Song (Whiskey Bar)” e Bruce Botnick (engenheiro de som).


Ouça na íntegra o álbum The Doors


“Break On Through” (videoclipe original)

“Light My Fire” (videoclipe original)


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