“Achtung Baby” (Island Records, 1991), U2


Por Sidney Falcão

Na virada dos anos 1980 para os anos 1990, o mundo passava por transformações que de uma forma ou de outra, influenciariam o planeta ao longo da nova década que estava começando, e até mesmo o novo século que se aproximava. A queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, foi a senha para o processo de reunificação das Alemanhas Ocidental e Oriental no ano seguinte; o líder do movimento antiapartheid na África do Sul, Nelson Mandela(1918-2013), foi libertado em 1990, após 27 anos de prisão; No mesmo ano, a “Dama de Ferro”, Margareth Thatcher (1925-2013), renuncia ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido; a União Soviética vivencia os seus últimos momentos antes da dissolução em 1991, enquanto que o comunismo está em franca decadência no leste europeu; no Brasil, a tão sonhada volta da eleição direta para presidente acontece em 1989, após 28 anos, 20 deles passados sob uma ditadura militar.

Os ventos da mudança que sopraram em todo o mundo naquela época, atingiram a todos, até mesmo o U2, a maior banda de rock do planeta daquele momento. A banda irlandesa estava com a sua popularidade no topo, graças ao sucesso dos seus últimos álbuns, The Joshua Tree (1987) e Rattle and Hum (1988), este último, um álbum duplo lançando simultaneamente com um filme documentário de mesmo nome. Porém, apesar do sucesso, do prestígio, dos milhões de discos vendidos, o U2 vinha sofrendo críticas por parte da imprensa, algumas delas injustas, por causa da sua postura pacifista, bem como às incursões da banda às raízes musicais americanas, intensificadas em Rattle and Hum, acusando o trabalho de “extravagante” e “pretencioso”.

Foi nesse momento em que o U2 sentiu a necessidade também de aproveitar os ventos da mudança no cenário sócio-político mundial para fazer a sua própria mudança. Seria mais do que uma mudança, seria uma profunda ruptura que surpreenderia o mudo da música pop.

A derrubada do Muro de Berlim em outubro de 1989 (foto), foi um dos
acontecimentos que influenciaram todo um processo de mudanças na geopolítica
na virada dos anos 1980 para o início dos anos 1990. Esse processo
transformador inspiraria U2 a fazer o sua própria transformação.

Às vésperas da reunificação alemã que ocorre em 3 de outubro de 1990, o U2 parte para Berlim, onde vai iniciar as sessões de gravação do seu próximo álbum. O estúdio escolhido na cidade alemã é o emblemático Hansa, o mesmo em que David Bowie (1947-2016) gravou os antológicos Low e Heroes, ambos em (1977). E para embarcar nessa aventura alemã, o U2 recrutou os produtores parceiros da banda, Brian Eno e Daniel Lanois, que já haviam produzido até então dois do quarteto, The Unforgettable Fire (1984) e The Joshua Tree (1987). Vale destacar que foi o mesmo Brian Eno que participou das gravações de Low e Heroes, de Bowie, tocando sintetizadores. Curiosamente, Bowie foi uma das maiores inspirações na formação musical do U2, e Eno, que já havia trabalhado com o “camaleão do rock”, viria a trabalhar também com a banda irlandesa anos mais tarde. 

Se o clima era festivo e eufórico na agora reunificada Alemanha, o mesmo não se podia dizer dentro do Hansa Studios, em Berlim. O clima era de tensão dentro do estúdio. A banda estava em pé de guerra e a um passo da dissolução. Enquanto Bono Vox e The Edge queriam que o U2 direcionasse a sua orientação musical para algo entre o rock alternativo e a música eletrônica, Adam Clayton e Larry Mullem Jr. defendiam a ideia de que a banda deveria se manter no tipo de som que vinha praticando. O impasse estava instaurado, e só foi contornado depois que o produtor Daniel Lanois ouviu The Edge tocar ao violão os acordes que lhe chamaram a atenção. Após pedidos de Lanois, The Edge fez alguns ajustes nos acordes. Edge tocou novamente os acordes, acompanhado dos vocais improvisados de Bono, e aos poucos dando formato a uma nova canção. Aos dois juntaram-se Clayton e Larry, e em pouco tempo, a base musical da canção estava pronta. Bono, por sua vez, como num estalo divino, escreveu a letra rapidamente. Nascia assim a canção “One”, que embora trate em seus versos sobre separação, salvou a banda de uma dissolução. A partir daí, o clima melhorou e o processo de gravação do novo álbum transcorreu tranquilamente.

No começo de 1991, as sessões de gravação passaram a ocorrer em Dublin, cidade natal do U2, na Irlanda, no estúdio Elsinore. As finalizações das gravações foram realizadas em mais outros dois estúdios da mesma Dublin.

U2 no Hansa Studios, em Berlim, em 1990, quando iniciou
as gravações de álbum Achtung Baby.

O sétimo álbum de estúdio do U2 finalmente foi lançado em 18 de novembro de 1991, sob o título Achtung Baby, que em alemão significa “Atenção, baby” ou ‘Cuidado, baby”. A sugestão do título foi do engenheiro de som Joe O'Herlihy, que trabalhou nas sessões de gravação do álbum em Berlim.

Achtung Baby foi recebido muito bem por uma grande parte da imprensa musical na época, que se mostrou surpreendida com o novo som do U2. No entanto, foi entre os fãs mais antigos do U2 que Achtung Baby causou espanto, perplexidade, choque e também revolta. Os fãs de longa, acostumados com o U2 militante e “messiânico” dos anos 1980, chocou-se ao ver ao ver a banda praticando uma sonoridade mais pop, mais dançante. O novo visual dos integrantes da banda causou perplexidade nos fãs mais “ortodoxos”, que viam num Bono maquiado e com ares de sarcasmo e na nudez de Adam Clayton na contra-capa, uma espécie de “heresia” ao passado glorioso do U2. Por outro lado, se o novo disco e o novo U2 chocaram os antigos fãs da banda, por outro, o redirecionamento estético musical do quarteto irlandês conquistou uma nova geração de fãs.

Com Achtung Baby, o U2 promoveu uma ruptura radical na sua orientação musical. Diferente de outras bandas, como Beatles ou Pink Floyd, que promoveram redirecionamento musical em suas carreiras de forma mais gradativa, entre dois ou três discos até atingir os seus objetivos, o U2 foi mais drástico e urgente na mudança. Embora tenham se passados três anos entre Rattle and Hum e Achtung Baby, a mudança foi brutal, tal qual um machado amolado cortando um pedaço de madeira sem a menor dificuldade.

Porém, mesmo não havendo álbuns transitórios que levassem o U2 à sua mudança de estilo musical, enquanto esteve em estúdio “gestando” Achtung Baby por quase um ano, banda deu algumas pistas ao público do que estava por vir. Em 1990, o U2 gravou “Night and Day”, de Cole Porter (1891-1964), para Red hot + Blue, uma compilação beneficente com vários astros da música cuja renda foi destinada para cuidar das vítimas da AIDS. A versão do U2 para a canção famosa de Porter tinha um ritmo dança para as pistas e trazia batidas eletrônicas, prenunciando Achtung Baby. No Brasil, a edição de março de 1991 da revista Bizz trouxe uma nota afirmando que a imprensa inglesa havia flagrado Bono Vox indo com frequência à Wah Wah Club, a boate mais frequentada pelos amantes de dance music de Dublin na época. A nota ainda dizia que em entrevista para a um fanzine do fã-club do U2, Bono confessou que o novo disco da banda teria “guitarras bem agressivas” de The Edge. Um fã mais atento, juntando as peças desse “quebra-cabeça”, numa época em que as notícias eram esparsas e não havia internet, ele ao menos tinha uma pequena noção de que o que estava por vir nada teria a ver com o U2 que ele conhecia.

Após o seu lançamento, Achtung Baby confirmou o que as notícias e especulações já diziam. O álbum mostra um U2 reinventado, flertando com o rock alternativo, a música eletrônica e até mesmo com o hip-hop. É um trabalho que promove a desconstrução da imagem séria e “messiânica” que consagrou o quarteto irlandês, e injetando a essa nova imagem ares de ironia e irreverência.

O visual "messiânico" dos tempos de The Joshua Tree ficou no passado.
Novo visualdo U2 chocou os antigos fãs, mas conquistou uma legião
de novos admiradores em 1991.

As batidas dançantes empregadas pela bateria de Larry Mullem Jr., os vocais carregados de efeitos de estúdios, os riffs de guitarras “etéreas”, estridentes e minimalistas de The Edge entupidas de efeitos, foram alguma das novidades trazidas aos ouvidos dos fãs pelo novo álbum. Provavelmente, esses elementos foram uma clara influência do som do chamado Madchester, movimento do rock alternativa de Manchester, na Inglaterra, que esteve em voga entre o final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, promovendo uma fusão de rock alternativo com a psicodelia dos anos 1960 e dance music, e que teve como expoentes, bandas como The Stone Roses, Happy Mondays, Inspiral Carpets, The Charlatans entre outras.

Riffs “arranhados” da guitarra de The Edge irrompem a abertura de Achtung Baby, anunciando a primeira faixa do álbum, “Zoo Station”, cujo título é o nome de uma das estações de metrô de Berlim. Com uma voz trabalhada em efeitos de estúdio, Bono Vox canta que está pronto para as mudanças que estão por vir. “Ever Better Than Real Thing” é um rock alternativo dançante e cheio de colagens sonoras, que nasceu de um riff de guitarra criado por The Edge ainda nas sessões de gravação de Rattle and Hum, em 1987, mas que só foram resgatados e reaproveitados nas gravações de Achtung Baby, três anos depois.

A faixa seguinte é “One”, responsável por evitar a dissolução do U2 durante a gestação de Achtung Baby. No entanto, seus versos falam de uma relação conjugal que acabou, cercada de muita dor e ressentimento. Escrita por Bono, provavelmente inspirado no drama do divórcio pelo qual passou o amigo The Edge, o vocalista do U2 surpreendeu-se ao saber que a canção foi bastante utilizada nas cerimônias de casamento, o que lhe causou bastante estranheza.

“Until The End Of The World” entrou para a trilha sonora do filme de mesmo nome (no Brasil, Até O Fim do Mundo), dirigido por Wim Wenders, em 1991. Embalada num som que remete ao das bandas do movimento Madchester, a letra de “Until The End Of The World” faz referência a um diálogo fictício entre Jesus Cristo e Judas Iscariotes, após aos derradeiros fatos ocorridos com ambos na Bíblia.

A canção "Until The End Of the World" entrou para trilha sonora do
filme homônimo do diretor alemão Wim Wenders.

Assim como “One”, “Who’s Gonna Ride Your Wilde Horses” soa um tanto quanto deslocada em Achtung Baby. Se encaixaria perfeitamente em The Joshua Tree ou Rattle and Hum. “So Cruel” é uma balada com um interessante fraseado de piano combinada com uma batida dançante, e possui uma letra que trata de relacionamento, onde o eu lírico é alguém que busca superar a dor da separação e o sabor amargo da mágoa: “Her lips say one thing, her movements something else”. (“Os lábios dela dizem uma coisa, os movimentos dela dizem outra”.)

“The Fly” é extremamente ousada, é talvez a música mais pesada de Achtung Baby. Primeiro single do álbum, “The Fly” é essencialmente experimental, onde o U2 conseguiu misturar elementos de rock industrial, hip-hop e música eletrônica. Aqui, os vocais de Bono Vox no refrão são em falsete e carregados de efeitos de estúdio. Os vocais sussurrados de Bono nas estrofes, as guitarras estridentes e cheias de efeitos, quase psicodélicas, juntamente com a bateria dançante e uma linha de baixo pulsante, criam um clima caótico e “viajante” ao ouvinte.

O ritmo continua contagiante com “Mysterious Ways” e o seu balanço funky acompanhado por percussão “enxuta” que faz alusão ao som das bandas de Madchester. O destaque fica para o marcante riff de guitarra de The Edge, carregado de efeitos graças ao processador multi-efeitos Korg A3 que o guitarrista fez uso não só nesta música, mas em boa parte do repertório do álbum.

“Tryinto To Throw Your Arms Around The World” é uma música, como bem diz o título, sobre alguém que tenta “abraçar o mundo”, ou seja, aquele tipo de pessoa que quer fazer tudo ao mesmo tempo, não estabelece foco no que quer se dedicar, e nem presta a atenção nas coisas simples e singelas da vida ao seu redor. A dependência afetiva é o tema de “Ultra Violet (Light Mt Way), enquanto que em “Acrobat”, o U2 trata sobre contradição e hipocrisia. 

“Love Is Blindness” fecha Achtung Baby, música de letra triste e melancólica sobre um amor que acabou e foi marcado por decepção: “Love is drowning in a deep well / All the secrets and nobody else to tell / Take the money, why don't you honey? / Blindness”. (“O amor está se afogando em um poço profundo / Todos os segredos e ninguém para contar / Pegue o dinheiro, por que não, querida? / Cegueira”).

U2 em cena do videoclipe de "The Fly".

Em fevereiro de 1992, o U2 deu início à longa turnê internacional de Achtung Baby, batizada de Zoo TV Tour. Foi a partir da Zoo TV Tour que os palcos dos shows do U2 passaram a ter estruturas gigantescas e um aparato cênico bastante elaborado, apoiado em muita tecnologia. Foram utilizados aparelhos de TV (uma evidente alusão ao título da turnê), exibindo videoclipes, efeitos visuais e textos, e até mesmo carros da marca Trabant, automóvel bastante popular na antiga Alemanha Oriental, e que os membros do U2 conheceram durante o período inicial das gravações de Achtung Baby em Berlim. Pela primeira vez durante uma turnê, Bono Vox encarnou personagens durantes os shows da banda: The Fly, o pastor televisivo Mirrorball Man e o diabólico e sarcástico Mac Phisto. A turnê passou pela América do Norte, Europa, Oceania e Ásia. Foram 157 apresentações para um público total de 5,3 milhões de espectadores. A turnê arrecadou nas bilheterias cerca de US$ 151 milhões.

Apesar das reações negativas dos fãs mais conservadores do U2, Achtung Baby teve uma ótima performance nas paradas de álbuns dos principais mercados fonográficos do mundo. Nos Estados Unidos, estreou em 1° lugar na parada da Billboard 200. Alcançou também o 1° lugar no Canadá e na Austrália, enquanto que no Reino Unido ficou em 2° lugar. Achtung Baby gerou cinco singles: "The Fly", "Mysterious Ways", "One", "Even Better Than the Real Thing" e "Who's Gonna Ride Your Wild Horses".

Nos Estados Unidos, Achtung Baby vendeu mais de 8 milhões de cópias, no Reino Unido 1,1 milhão de cópias e no Canadá chegou à marca de 1 milhão de cópias vendidas. Estima-se que em escala mundial, Achtung Baby tenha vendido mais de 18 milhões de cópias, se tornando o segundo álbum mais vendido do U2, atrás apenas de The Joshua Tree.

Achtung Baby promoveu uma ruptura sensível na carreira do U2, renovando e ampliando o seu público. Os álbuns posteriores do U2, Zooropa (1993) e Pop (1995), prosseguiram com a nova orientação musical da banda iniciada com Achtung Baby. Assim como a Zoo TV Tour, as turnês mundiais dos discos seguintes seguiram o esquema das megaestruturas cada vez mais gigantescas, elaboradas e, obviamente, lucrativas.

Faixas

Todas as letras foram escritas por Bono, todas as músicas compostas por U2.

  1. “Zoo Station”
  2. “Even Better Than The Real Thing”
  3. “One”
  4. “Until The End Of The World”
  5. “Who's Gonna Ride Your Wild Horses”
  6. “So Cruel”
  7. “The Fly”
  8. “Mysterious Ways”
  9. “Tryin' to Throw Your Arms Around the World”
  10. “Ultraviolet (Light My Way)”
  11. “Acrobat”
  12. “Love Is Blindness”

 

U2: Bono (vocal e guitarra), The Edge (guitarra, teclado e vocal), Adam Clayton (baixo) e Larry Mullen Jr. (bateria e percussão)

 

Referências:

Revista Bizz – março/1991 – Edição 68, Editora Azul

Revista Bizz – novembro/1991 – Edição 76, Editora Azul

u2.com                                                        

wikipedia.org     

 

Ouça o álbum Achtung Baby na íntegra

“Even Better Than The Real Thing” 

(vídeoclipe original)

“One” (videoclipe ortiginal)

“Until The End Of The World” 

(videoclipe original)


“The Fly” (videoclipe original)

“Mysterious Ways” (videoclipe original)


“Love Is Blindness” (videoclipe original)

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