“Fragile”(Atlantic Records, 1971), Yes


Por Sidney Falcão

Início da década de 1970. O rock progressivo era naquele momento uma das vertentes mais promissoras do rock, em meio a outras novas vertentes roqueiras que também ganhavam projeção como o heavy metal e o glam rock. A banda inglesa Yes era uma das grandes promessas do rock progressivo na época, graças ao sucesso do seu terceiro álbum de estúdio, The Yes Album, lançado em fevereiro de 1971. O álbum praticamente salvou o Yes de ser dispensado pela gravadora Atlantic Records, após o fracasso comercial dos seus dois primeiros álbuns, Yes (1969) e Time And A Word (1970).

Logo após a turnê de The Yes Album, o Yes começou por volta de julho de 1971 os ensaios para as gravações do seu próximo álbum de estúdio, o sensacional Fragile. Havia um consenso entre os integrantes do Yes de que a banda deveria adotar o sintetizador, instrumento moderno que várias bandas de rock e de música pop começavam a usar. Até aquele momento, os instrumentos de teclados que o Yes usava eram apenas órgão Hammond e piano. Enquanto isso, outras bandas de rock progressivo como Emerson, Lake & Palmer, King Crimson e Pink Floyd, por exemplo, já faziam uso de sintetizador nos discos e shows. Dentro do Yes, a ideia do uso de sintetizador encontrava resistência apenas no tecladista Tony Kaye, que tinha preferência pelo órgão Hammond.

Por causa dessa resistência ao sintetizador, Kaye foi dispensado do Yes. Em seu lugar entrou Rick Wakeman, ex-tecladista da banda Strawbs, um músico com habilidade para tocar piano, órgão Hammond, Mellontron e sintetizador. Embora muito jovem, Wakeman era um músico experiente. Além de já ter tocado em banda, trabalhou como músico de estúdio em gravações discos de astros da música como Cat Stevens, Elton John, Lou Reed e David Bowie (1947-2016). Aliás, Wakeman havia recebido um convite de Bowie para integrar a sua banda de apoio, a Spiders From Mars. Porém, ele optou pelo Yes por acreditar que teria maior liberdade criativa e mais oportunidades para a sua carreira.

Troca de tecladistas: Por divergir ao uso de sintetizadores no Yes, 
Tony Kaye (à esquerda) deixou a banda e foi substituído pelo
virtuoso Rick wakeman (á direita),ex-Strawbs.

Para auxiliá-lo nas gravações de seu quarto álbum, o Yes convocou Eddy Offord, produtor que já havia trabalhado nos discos anteriores da banda. Offord trabalhou como engenheiro de som em Time And A Word, e como produtor em The Yes album. As gravações de Fragile ocorreram entre agosto e setembro de 1971, no Advision Studios, em Londres, Inglaterra.

Fragile é um álbum composto de nove faixas, quatro delas são apresentações coletivas, intercaladas por outras cinco músicas, que são composições individuais, onde cada membro tem a oportunidade de mostrar as suas habilidades. O álbum comprova que a chegada de Rick Wakeman para ocupar o lugar de Tony Kaye foi uma medida bastante acertada pela banda, ampliando o arco de possibilidades musicais do Yes, pondo o grupo em pé de igualdade com outras bandas de rock progressivo.

Além da chegada de Wakeman, outra novidade trazida por Fragile é a arte da capa, ilustrada pelo artista gráfico Roger Dean. Foi a primeira de tantas capas de discos que o artista faria para o Yes. O estilo de Dean se tornaria uma marca visual que ficaria bastante associada ao grupo inglês.

Fragile marcou o início da parceria do Yes com o ilustrador inglês Roger Dean (foto).
Ele se tornou desde então responsável pela maioria das capas dos discos da banda.

Fragile começa com um dedilhado de violão clássico executado por Steve Howe, sucedido pelos outros instrumentos dando início a “Roundabout”, a principal faixa do disco, e um dos maiores sucessos da carreira do Yes. Jon Anderson, vocalista da banda e autor da letra de “Roundabout”, escreveu os versos inspirado numa viagem que fez à Escócia. A faixa é uma odisseia musical que apesar da longa duração e das variações de andamentos, possui uma perfeita combinação de experimentalismo com apelo radiofônico. No meio da música, a banda emprega um ritmo com forte base percussiva que remete à música caribenha.   

“Cans And Brahms” é uma faixa instrumental com um arranjo adaptado para órgão e sintetizador a partir de um movimento da “4ª Sinfonia em mi menor”, do compositor erudito alemão Johannes Brahms (1833-1897). Aqui, Wakeman mostra todo o seu virtuosismo como tecladista, proporcionando ao ouvinte uma interessante conexão entre a música erudita e o rock. Após a performance de Wakeman, é a vez de Jon Anderson mostrar toda o seu talento como cantor em “We Have Heaven”, canção recheada por camadas de vocalizações do cantor.  

Recém chegados: à esquerda, o guitarrista Steve Howe (entrou no lugar de Peter Banks
em 1970) e o tecladista Rick Wakeman, (substituto de Tony Kaye),
ambos no estúdio durante as sessões de gravação de Fragile.

O sopro de um vento abre “South Side Of The Sky”, uma faixa longa, cerca de 8 minutos de duração, que trata nos seus versos sobre uma expedição num lugar frio e gelado. Na metade da faixa, há belas harmonizações vocais de Anderson, Howe e Squire, acompanhadas pelo piano delicado de Wakeman, mais a bateria e o baixo.

“Five Per Cent For Nothing” é uma faixa instrumental de curtíssima duração (cerca de 35 segundos), onde o protagonismo é do baterista Bill Bruford. Na prática, é uma faixa de transição, que leva o ouvinte para a faixa seguinte, “Long Distance Runaround”, talvez a faixa mais pop de Fragile, que traz uma interessante alternância rítmica entre uma levada lenta e um ritmo mais contagiante jazzístico, cujo final, emenda com a próxima música “The Fish (Schindleria Praemeturus)”. Composta pelo baixista Chris Squire, “The Fish (Schindleria Praemeturus)” embora tenha participação dos outros músicos no acompanhamento, é a faixa onde a performance de destaque é do próprio Squire, mostrando as suas habilidades no baixo. A música traz os vocais de Anderson repetindo até o final as palavras “Schindleria Praemeturus”.

Em “Mood For A Day”, mais uma faixa instrumental presente no álbum, é a vez do guitarrista Steve Howe mostrar toda a sua habilidade e técnica como músico, ao fazer solos de música flamenca no seu violão.

Yes em 1971, da esquerda para direita: Steve Howe, Jon Anderson,
Rick Wakeman, Bill Bruford e Chris Squire.

Fragile chega ao fim em grande estilo com “Heart Of The Sunrise”, a faixa mais longa do disco que começa num ritmo frenético empregado por baixo, guitarra e bateria até ser sucedido por um ritmo mais desacelerado e calmo, tendo os teclados de Rick Wakeman fazendo uma camada sonora de fundo. Durante algum tempo, há uma alternância de ritmo, ora lento, ora veloz, até a música ser tomada por uma calmaria que permite a entrada da voz leve e serena de Jon Anderson. A partir daí, “Heart Of The Sunrise” passa por outras variações rítmicas que mostram ao ouvinte toda a capacidade técnica dos membros da banda e todo um entrosamento muito bem articulado entre eles. A música termina com vocalizações repetitivas de Jon Anderson.

Lançado em 26 de novembro de 1971, Fragile teve uma recepção positiva por parte da crítica. Fragile alcançou o 4° lugar na parada da Billboard 200, nos Estados Unidos, enquanto que no Reino Unido, chegou ao 7° lugar na parada de álbuns. A Atlantic Records editou uma versão curta de “Roundabout”, e que foi lançada como single no mercado americano em janeiro de 1972, onde chegou ao 13° lugar.

O bom desempenho de Fragile nos Estados Unidos, alavancou a popularidade do Yes naquele país, e consequentemente no mundo, elevando a banda inglesa ao mesmo patamar dos grandes grupos de rock progressivo. No entanto, à medida em que a fama do Yes crescia, os exageros e a megalomania cresciam na mesma proporção, o que acabaria comprometendo a reputação da banda.

Faixas

Lado 1

  1. "Roundabout" (Jon Anderson - Steve Howe)
  2. "Cans and Brahms" (instrumental) (Johannes Brahms – arranjos por Rick Wakeman)
  3. "We Have Heaven" (Anderson)
  4. "South Side of the Sky" (Anderson - Chris Squire) 

Lado 2

  1. "Five Per Cent for Nothing" (instrumental) (Bill Bruford)
  2. "Long Distance Runaround" (Anderson)
  3. "The Fish (Schindleria Praematurus)" (Squire)
  4. "Mood for a Day" (instrumental) (Howe)
  5. "Heart of the Sunrise" (Anderson – Squire – Bruford)

 

Yes: Jon Anderson ( vocais principais, vocais de apoio, violão em “We Have Heaven”), Steve Howe (guitarras elétricas, violões e vocais de apoio), Chris Squire (baixo, vocais de apoio, guitarra elétrica adicional em “Roundabout”), Rick Wakeman ( órgão Hammond, piano de cauda , piano elétrico, Mellotron e sintetizador Minimoog) e Bill Bruford (bateria e percussão).


Referências:

Revista Bizz – março/1996 – Edição 128, Editora Azul

Mountains come out of the sky: na Illustrated history of prog rock – Will Romano, 2010, Backbeat Books, Estados Unidos

yesworld.com                                                        

wikipedia.org     


Ouça na íntegra o álbum Fragile


"Roundabout", Yes ao vivo no
Rainbow Theatre, em Londres,
Reino Unido, em dezembro de 1972
durante turnê Close To The Edge




Comentários

  1. Fragile é, na minha opinião, o disco "referência máxima" do Yes dentro do rock progressivo, e não o sucessor Close to the Edge (que considero o mais superestimado na discografia deles, por causa da aclamação de fãs e críticos). Fragile é um daqueles raros casos de discos que mostram um grupo unido e sólido, tocando muito e mostrando ao ouvinte tudo o que sabe fazer, seja coletivamente ou individualmente, algo que sinceramente e lamentavelmente não vejo em Close to the Edge. Enfim, parabéns á mais este grande álbum cinquentão de novembro!

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    1. Obrigado pelo seu comentário, Igor. "Close To The Edge", embora muito bem aclamado pelo público e pela crítica, já começava a dar sinais dos exageros que o Yes iria adotar. Um álbum do Yes que eu acho muito bom é o "The Yes Album", o antecessor de "Fragile".

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    2. Tá certo, meu caro... "Close to the Edge" é um realmente um álbum excelente, mas acho que ainda tá muito longe de ser tudo isso que falam dele até hoje, por isso é que eu prefiro mais o "Fragile". Já o "The Yes Album" também é um bom disco, mas tem um único problema: o Tony Kaye! Hehehehehehe

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    3. Tony Kaye é um grande tecladista. O ponto de tensão entre ele e a banda é que ele era resistente ao emprego dos sintetizadores. Ele preferia mais concentra-se no piano e no órgão Hammond. Só que o emprego do sintetizador no rock progressivo, era um caminho sem volta, ou melhor, na música popular como um todo. Àquelas alturas, a concorrência estava usando sintetizadores: o Pink Floyd, Genesis, Emerson, Lake & Palmer...todo mundo usava.

      Aliás, o Emerson, Lake & Palmer foi uma das primeiras bandas a usar sintetizador Moog no palco, por volta de 1970, coisa que até então ele era usado apenas em estúdio porque era um verdadeiro "trambolho", mais parecia uma estação telefônica em que as telefonistas de antigamente trabalhavam. No texto sobre o álbum "Trilogy", do ELP, eu comento isso. Com a chegada do mini Moog, esse sacrifício se tornou desnecessário.

      Voltando a Tony Kaye, os outros tecladistas levavam vantagens porque além tocarem orgão Hammond, eles tocavam sintetizadores. Keith Emerson, dominava o Hammond e o sintetizador Moog, o mesmo acontecendo com Rick Wakeman. Kaye ficou na desvantagem.

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    4. É, foi logo percebido que o Tony Kaye não trazia o elemento que o Yes tanto necessitava a partir de Fragile, mas aí o "mago" Wakeman chegou e... Pronto, a magia se fez! Obrigado pelas explicações, amigo!

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