“Meddle” (Harvest, 1971), Pink Floyd



Por Sidney Falcão

Lançado em outubro de 1970, Atom Heart Mother foi a última fronteira da aventura psicodélica do Pink Floyd, iniciada em 1967 com o seu álbum de estreia, The Piper at the Gates of Dawn. Embora tivesse deixado o Pink Floyd em 1968, Syd Barrett (1946-2006), gênio louco e um dos membros fundadores do Pink Floyd, ainda exercia alguma influência no poder criativo da banda ao longo dos dois anos seguintes após a sua saída. A aura de Barrett parecia embrenhada nos discos seguintes à sua saída enquanto o Pink Floyd vivenciava a sua fase psicodélica.

Mas naquele início de anos 1970, a utopia hippie da década anterior era coisa do passado. Seus principais ícones, Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrison haviam morrido. Os Beatles haviam acabado. John Lennon (1940-1980) foi categórico: o sonho acabou.

Naquela virada de década, o rock passava por transformações que iriam desembocar em novas possibilidades musicais. O nascente rock progressivo era uma dessas possibilidades. O estilo despontou a partir do final dos anos 1960 como uma das mais promissoras vertentes da vanguarda do rock. E já no começo de nova década, o rock progressivo ganhava grande projeção através de bandas como King Crimson, Soft Machine, Yes, Emerson, Lake & Palmer entre outras. Naquele momento, o Pink Floyd passava por um processo de transição, saindo das amarras da psicodelia dos tempos de Barrett para partir em busca de algo novo, de uma nova identidade musical.

No começo de 1971, quando retornou de uma etapa da turnê de Atom Heart Mother, o Pink Floyd começou pensar em material para o próximo álbum. No entanto, não tinha ainda um conceito, um tema para esse novo trabalho. Com isso, entre um intervalo e outro das turnês, a banda se enclausurava no estúdio ensaiando e fazendo experimentos musicais na tentativa de encontrar algo relevante para o novo disco, e uma nova identidade musical para o Pink Floyd. Dentre os experimentos que o grupo vinha desenvolvendo, estava a de cada integrante gravar uma peça musical em separado. A peças reunidas resultaram numa grande peça musical, “Return of the Son of Nothings”, rebatizada depois para “Echoes”, uma longa música de 23 minutos de duração. A partir daí, o novo álbum começou a ser germinado.

As primeiras sessões de gravação do novo álbum começaram em janeiro de 1971, nos estúdios Abbey Road, da EMI, em Londres, e prosseguiram durante os meses seguintes, sempre nos intervalos das turnês. Num dado momento das gravações, o Pink Floyd deixou os estúdios Abbey Road, onde na época, só havia mesa de gravação de oito canais, e migraram para o AIR Studios, em Londres, de propriedade de George Martin, ex-produtor dos Beatles, que possuía mesa de gravação de 16 canais. A banda inglesa também fez uso do Morgan Studios, em Londres, onde além de gravar, fez o processo de mixagem do material gravado.

Nick Mason, Roger Waters e David Gilmour no estúdio AIR, em Londres,
durante as gravações do álbum Meddle.

Enquanto o Pink Floyd conciliava turnês e sessões de gravação do novo álbum, a gravadora EMI lançava, em maio de 1971, através do seu selo Starline, a coletânea Relics. A compilação, lançada a um preço acessível na época, reúne faixas conhecidas dos primeiros álbuns do Pink Floyd e uma música até então inédita, “Biding My Time”. Foi uma tentativa da gravadora de atender aos fãs que aguardavam ansiosos pelo novo álbum do quarteto inglês.

Finalmente, no dia 31 de outubro de 1971, o sexto álbum de estúdio do Pink Floyd era lançado. O título do álbum, Meddle, nada mais é do que um jogo de sílabas e palavras: medal (medalha) + to meddle (interferir ou intrometer).

Mas o título era o que menos chamou a atenção, até porque, nem ele e nem o nome da banda aparecem na capa. O que chamou a atenção e intrigou o público foi a imagem que estampa a capa. As pessoas se perguntavam o que era aquilo que aparece na capa de Meddle. Muita gente imaginou se tratar de uma orelha. Na verdade, se trata de uma fotografia em grande plano, registrada pelo fotógrafo Bob Dowling, que mostra uma orelha submersa na água. Na superfície, se vê ondulações na água, que representariam os impulsos das ondas sonoras recebidas pela orelha submersa.

Capa dupla aberta de Meddle mostrando a imagem da orelha.


A arte da capa foi criação do estúdio inglês Hipgnosis, que era especializado em criação de capas de discos. Bandas como Led Zeppelin, UFO, 10cc e Bad Company, foram alguns dos seus clientes. Originalmente, a ideia sugerida pelo diretor da Hipgnosis, Storm Thorgerson (1944-2013), era que a capa fosse uma fotografia de um ânus de babuíno, mas a banda recusou a ideia bizarra, optando pela orelha. Thorgerson detestou a ideia da capa da orelha, no entanto, atendeu ao que a banda havia escolhido.

Meddle é considerado para alguns, um álbum de transição, o que pode ser uma condição questionável. É um trabalho que mostra o Pink Floyd que conhecemos, que se consagraria dois anos depois com Dark Side Of The Moon. O que restava de psicodelia da “era barrettiana” ficou no passado. Em Meddle, o Pink Floyd conseguiu “exorcizar-se” das influências de Barrett, e seguir o seu próprio caminho.

Composto apenas por seis faixas, Meddle é um álbum que possui músicas com estilos diferentes, mas que ao mesmo tempo, dão unidade ao álbum. Isso reflete também na maneira como os músicos participaram de sua concepção. Foi trabalho pensado e executado coletivamente. Todos os quatro integrantes do Pink Floyd participaram, opinaram, empregaram seus esforços para que o álbum ganhasse vida, diferente do que viria acontecer anos mais tarde, quando Roger Waters exerceria um poder centralizador que comprometeria a própria existência do Pink Floyd. Mas isso é uma outra história. O que importa aqui é que Meddle foi o álbum em que o Pink Floyd redirecionou o seu caminho, o seu destino, rumando para o rock progressivo, onde a banda se tornou nome mais importante do estilo pouco tempo depois.

Meddle abre com a ótima “One Of These Days”, uma fantástica faixa instrumental que começa com som de ventania criado por sintetizador. Aos poucos, uma linha de baixo começa a ganhar protagonismo, linha de baixo essa executada simultaneamente por dois baixos, tocados de forma “cavalgada” por Roger Waters e David Gilmour. Mais à frente a música é tomada por um riff de guitarra uivante de Gilmour e pelos teclados de Richard Wright. Efeitos sonoros tomam conta da música até que uma voz aterradora – a voz do baterista Nick Mason, distorcida em estúdio – pronuncia os versos: “One of these days / I’m going to cut you into little pieces” (“Num dia destes / eu vou te cortar em pedacinhos”). Os versos são uma espécie de senha para a banda disparar num sensacional jazz rock contagiante. Aqui fica claro que o Pink Floyd havia encontrado a cara da sua sonoridade, a identidade que a banda tanto buscava e que a marcaria para todo o resto de sua existência.   

O som de ventania que iniciou “One Of These Days” é o mesmo que a encerra e, ao mesmo tempo, serve de elo de ligação à próxima faixa, “A Pillow Of Winds”. Seguindo um caminho oposto ao da faixa anterior, “A Pillow Of Winds” é uma balada folk leve, tranquila. Fala de amor, de desfrutar o prazer da companhia ao lado de quem se ama. David Gilmour canta de maneira suave, e toca de maneira delicada o slide guitar e o pedal steel, tornando a canção agradável de se ouvir.

“Fearless” é uma canção folk rock que traz em seus versos uma mensagem sobre superação, de transpor os obstáculos que possamos encontrar nos caminhos da vida. Na reta final da música, enquanto a base instrumental vai diminuindo gradativamente de volume, num sentido contrário, um canto de torcida vai surgindo aos poucos até se ouvir com mais nitidez. O canto é da torcida do time do Liverpool, que entoa versos de uma canção da banda inglesa Gerry & The Pacemakers, “You Never Walk Alone”. A canção virou o canto de incentivo daquela torcida durante os jogos do Liverpool.

A faixa seguinte, “San Tropez”, é uma balada jazz rock com uma deliciosa cobertura pop bastante agradável de se ouvir. Roger Waters canta de maneira suave, como um crooner de jazz. A bateria de Nick Mason dita o ritmo enquanto que o piano de Richard Wright dá um toque charmoso à canção. Todo o conjunto da canção cria uma imagem na mente do ouvinte, de um lugar ensolarado, alegre e divertido, como sugere o título da música, o famoso balneário no sudeste da França.

Fechando o lado A de Meddle, “Seamus”, uma faixa que destoa de todo o disco, e que é completamente dispensável. A canção é um blues que traz David Gilmour tocando harmônica, e que conta como “convidado especial”, um cão uivando irritantemente ao longo da música. O animal pertencia a Steve Marriott (1947-1991), vocalista e guitarrista da banda Humble Pie.  

Roger Waters, Nick Mason, David Gilmour e Richard Wright na parte
interna da capa dupla de Meddle.

Mas é no lado B da versão LP de Meddle, que está o grande destaque do álbum, a épica “Echoes”. A faixa ocupa todo o lado B do álbum, com seus pouco mais de 23 minutos de duração. Assim como “One Of These Days”, “Echoes” é outra faixa de Meddle que moldou o padrão sonoro que que consagraria o Pink Floyd. “Echoes” é fruto de uma série de fragmentos de experimentos musicais criadas por cada membro da banda, e que foram organizadas numa peça musical coesa e harmônica. Foram necessários cerca de seis meses e três estúdios para a banda construir esta longa e fantástica suíte.

“Echoes” começa com um som agudo de um sonar de submarino. O som foi simulado de maneira improvisada em estúdio por um piano de cauda amplificado, tocado por Richard Wright, que envia um sinal através de um alto falante Leslie e uma câmara de eco Binson Echorec. Após o som de sonar, entra a slide guitar de David Gilmour, que também faz o vocal principal, acompanhado pelo tecladista Richard Wright que faz a segunda voz.

Depois da guitarra de Gilmour, outros instrumentos entram para acompanhar os vocais harmonizados. Num determinado trecho, a música passa por uma longa improvisação instrumental, uma verdadeira jam session, onde cada integrante mostra as habilidades em seus respectivos instrumentos. O longo improviso vai aos poucos sumindo e cedendo lugar a um momento sombrio na música, como se o ouvinte fosse mergulhado nas profundezas de um oceano hostil. A música é tomada por um som fantasmagórico, aterrador, em que se ouve aqui e ali a guitarra de Gilmour gemendo como um grito aflito de uma baleia na imensidão das profundezas do oceano. O trecho soturno da faixa vai saindo de cena lentamente e dando lugar aos de teclados de Wright e ao som do sonar. Estes por sua vez vão sendo superados aos poucos pela guitarra, baixo e bateria que vão ganhando maior protagonismo com peso e agressividade até atingir o ápice e a música retornar ao seu ritmo normal e chegar ao seu fim, concluindo a viagem sonora à qual submeteu o ouvinte.

Concerto do Pink Floyd em Copenhague, na Dinamarca, em novembro de 1971.

A recepção de Meddle por parte da crítica foi a melhor possível na época do lançamento do álbum. Para a revista musical britânica NME(New Music Express), Middle é “um álbum excepcionalmente bom”. Jean-Charles Costa, da revista Rolling Stone, afirmou que com Middle, o Pink Floyd estava em bom caminho. Ed Keller, da revista Circus, chamou Middle de “outra obra-prima de um grupo magistral”.

Meddle chegou ao posto de 2° lugar na parada de álbuns da então Alemanha Ocidental, e 3° lugar na parada de álbuns do Reino Unido. No entanto, o álbum ficou no longínquo 70° lugar na parada da Billboard 200, nos Estados Unidos, creditando-se a essa posição à má divulgação do disco pela Capitol Records, responsável pelo lançamento de Meddle no mercado americano.

Enquanto Meddle estava sendo lançado, o Pink Floyd partiu para Pompéia, na Itália, onde passou quatro dias fazendo filmagens nas ruínas de um antigo anfiteatro romano naquela cidade. No local, estavam a penas a banda e a equipe de filmagem, sob a direção de Adrian Maben. O Pink Floyd fez uma performance antológica, uma das melhores da carreira, onde entra outras coisas, a banda tocou "One Of These Days" e “Echoes”, do álbum Meddle, e surpresas como “Brain Damage” e Us And Them”, duas músicas que entrariam no álbum Dark Side Of The Moon. Em dezembro de 1971, foram feitas filmagens adicionais num estúdio em Paris, na França. Todo o material filmado virou o documentário Pink Floyd: Live At Pompeii, que entrou em cartaz nos cinemas em setembro de 1972.

Durante todo o ano de 1972, o Pink Floyd manteve-se bastante ativo. Entre meados de 1972 e início de 1973, o Pink Floyd ocupou-se nos estúdios Abbey Road gravando material para o álbum Dark Side Of The Moon, entre os intervalos de mais uma turnê da banda. Além disso, o grupo ainda encontrou tempo para gravar, durante uma semana apenas, uma trilha sonora para o filme francês La Vallè, de Barbet Schroeder. Um desentendimento entre o Pink Floyd e a produtora do filme, acabou fazendo com que o disco da trilha sonora não fosse lançado com o nome do filme. Foi lançado como Obscured By Clouds, nome de uma das canções da trilha. Obscured By Clouds antecede Dark Side Of The Moon, de 1973, obra-prima consagradora do Pink Floyd.

Lado 1

  1. “One of These Days”
  2. “A Pillow of Winds”
  3. “Fearless”
  4. “San Tropez”
  5. “Seamus” 

Lado 2

  1. “Echoes”

 

Pink Floyd: David Gilmour (guitarras, gaita e vocal), Roger Waters (baixo e vocal), Richard Wright (teclados e vocal) e Nick Mason (bateria e vocal)

 

Referências:

Revista Bizz – outubro/1987 – Edição 27, Editora Azul.

Nos bastidores do Pink Floyd – Mark Blake, 2012, Editora Évora, Brasil                                                         

Pink Floyd: album by album – Martin Popoff, 2018, Voyageur Press, Estados Unidos                                                                                       

pinkfloyd.com

wikipedia.org


Ouça na íntegra o álbum Meddle


Pink Floyd Live At Pompeii
filme completo




                                                                                                                             

Comentários

  1. Dito tudo isto o bendito e o maldito, sou econômico minha música pop em alto nível é SANTROPEZ o meu topázio auditivo, como vemos nas nuvens muitas figuras, também vejo um vulto na capa, a cabeça de um camelo na reverberação do deserto. nada é perfeito, nada é completo, há falhas nos órgãos do sistema, eu também sou assim e meu amigo é assado.
    obrigado ao bloguista, prefiro inventar termos, porque quem pensa, também pensa diferente.

    ResponderExcluir

Postar um comentário