“Dare” (Virgin Records, 1981), The Human League



Por Sidney Falcão

No final dos anos 1970, o Reino Unido viu surgir uma proliferação de bandas munidas de sintetizadores praticando uma música pop eletrônica influenciada por Kraftwerk, pelo produtor Giorgio Moroder, e pelo álbum Low, de David Bowie, lançado em 1977. O avanço tecnológico na época permitiu que os sintetizadores se tornassem mais modernos, mais compactos e mais acessíveis, o que permitiu com que muitos jovens britânicos, sob o lema punk “faça-você-mesmo”, montassem suas próprias bandas, mesmo que com pouco conhecimento musical. Ao lado de artistas e bandas da primeira geração do synthpop britânico como Gary Numan, Ultravox, Soft Cell e Depeche Mode, a banda The Human League foi um dos mais destacados nomes.

Formada em 1977, em Sheffield, na Inglaterra, a banda foi criada por dois operadores de computadores, Martyn Ware e Ian Craig Marsh, ambos apaixonados pelo som do Kraftwerk, glam rock e soul music da gravadora Motown. Decididos a praticar um tipo de música mais voltada para o som eletrônico, a dupla adquiriu sintetizadores e convidaram o amigo Adi Newton para assumir os vocais, e batizaram a banda com o nome The Future.

Porém, um mês depois, Newton deixou a banda e foi substituído por um ex-porteiro de hospital, um jovem de cabelo esquisito (comprido de um lado, curto do outro) chamado Philip “Phil” Oakey. Com a entrada do novo vocalista, a banda foi rebatizada para The Human League. Em 1978, o trio virou um quarteto com a entrada de Philip Adrian Wight (sintetizadores e slides), e já contava com o primeiro single gravado, o “Being Boiled”, lançado pelo selo independente inglês Fast Product Records.

Em 1979, a banda assina contrato com a Virgin Records e lança no mesmo ano o seu primeiro álbum, Reproduction. No ano seguinte sai o segundo álbum, Travelogue. Os dois primeiros álbuns mostram o Human League praticando um tipo de música eletrônica mais experimental, densa, sombria e lenta, cheia de “texturas” sonoras criadas pelos sintetizadores influenciadas pelo álbum Low, de David Bowie. Era uma Human League bem distante da banda pop comercial que o grande público conheceria mais tarde. Apesar de razoavelmente bem avaliados pela crítica, Reproduction e Travelogue tiveram um desempenho comercial ruim.

As baixas vendas dos dois discos e o sucesso do cantor Gary Numan com o hit “Cars”, canção que se tornou um clássico do synthpop, talvez tenham motivado Martyn Ware e Ian Craig, os dois membros fundadores da Human League, a deixarem a banda em 1980.

The Human League em 1979, da esquerda para a direita: Martyn Ware,
Philip Oakey, Ian Craig e Philip Adrian Wright.

Com a saída de Craig e Ware, Phil Oakey ficou numa situação complicada. Agora ele era responsável por uma banda que se encontrava endividada e com agenda de shows a cumprir. Contando apenas com o colega Philip Adrian Wight na banda, Oakey tinha pouco tempo para achar mais gente para compor o restante da banda e cumprir os compromissos. Era uma situação parecida com a que o guitarrista Jimmy Page viveu no final dos anos 1960, quando à época, se viu sozinho com o que restou dos Yardbirds e uma turnê na Escandinávia a cumprir. Teve que convocar às pressas novos músicos para ocupar as vagas deixadas pelos antigos integrantes. Remontada e sob o nome New Yardbirds, a banda de Page cumpriu a turnê na Escandinávia. E a experiência deu tão certo, que a formação se manteve e a banda foi rebatizada novamente com outro nome: Led Zeppelin.

Decidido a dar continuidade ao Human League, Oakey saiu à cata de gente para reformular a banda. Em novembro de 1980, entraram para a banda o baixista e tecladista Ian Burden, e as vocalistas Joanne Catherall e Susanne Sulley. No caso de Joanne e Susanne, as duas ainda eram adolescentes, tinham respectivamente 18 e 17 anos de idade, e eram completamente inexperientes, nunca tinham subido num palco para cantar. Eram tão somente duas estudantes do ensino médio. Oakey as conheceu numa boate em Sheffield dançando graciosamente, e as convidou para integrar a Human League.

Em fevereiro de 1981, saiu o single “Boys and Girls”, o primeiro com a nova formação, mas que ainda guardava um experimentalismo sonoro da antiga formação. O single alcançou o longínquo 47º lugar na parada britânica de singles. Aquele single fez Phil Oakey perceber que era necessário dar um novo rumo para o Human League, um direcionamento musical mais comercial.

Visando ajudar a banda nesse novo direcionamento musical e na gravação do novo álbum, a Virgin Records indicou o produtor Martin Rushent (1948-2011). Embora jovem na época, Rushent era um produtor experiente, que já havia trabalhado com os mais diversos artistas, desde Fleetwood Mac e Emerson, Lake & Palmer a bandas punks como Buzzcoks e The Stranglers. No final da década de 1970, Rushent perdeu interesse em produzir bandas de guitarras, e passou a interessar-se por baterias eletrônicas e sintetizadores. Em 1980, Rushent montou com um sócio, o Genetic Studios, em Streatley, na Inglaterra, equipado com o que havia de melhor em equipamentos de gravação para música eletrônica. E foi nesse estúdio que, entre os meses de março e setembro de 1981, o Human League gravou o seu terceiro e consagrador álbum de estúdio, Dare. Bem no começo das gravações do álbum, mais um músico chegou para integrar a banda, Jo Callis, ex-guitarrista da banda punk escocesa The Rezillos, que ao entrar na Human League, teve que aprender a tocar sintetizador.

Em abril de 1981, a Human League lança o single “The Sound Of The Crowd”, que dá ao público uma pequena amostra do que o público iria encontrar no próximo álbum da banda que estava por vir: uma Human League eletrônica como antes, porém mais pop, mais dançante, mais radiofônica. E a reação por parte do público foi bastante positiva, já que o single figurou em 12º lugar na para de britânica de singles. Mais dois singles foram lançados antes do esperado álbum, “Love Action (I Believe In Love)”, em julho, que alcançou o 3º lugar na parada de singles do Reino Unido, e “Open Your Heart”, em setembro, cujo videoclipe foi o primeiro que a banda gravou na sua carreira.

Finalmente, em outubro de 1981, Dare foi lançado. No mercado americano, o álbum foi distribuído pela A&M Records como Dare!, com um sinal de exclamação inserido. Segundo a A&M, era para diferenciar do lançamento da Virgin Records no Reino Unido.

A capa de Dare foi inspirada na capa da versão britânica da revista Vogue, edição de abril de 1979, que trazia o rosto da modelo americana Gia Carangi (1960-1986). A ideia teria partido de Phil Oakey, e posta em prática por Philip Adrian Wright (além de tecladista, era o diretor visual do Human League) e o designer gráfico Ken Ansell. O rosto que aparece no retângulo no centro da capa de Dare é de Phil Oakey.


Capa da edição de abril de 1979 da edição britânica da revista Vogue (à esquerda),
inspirou capa do álbum Dare, da Human League.

O redirecionamento musical que Phil Oakey queria para o Human League, a banda conseguiu com maestria em Dare. É uma Human League distante da musicalidade dos dois primeiros álbuns. O experimentalismo eletrônico, e o som denso e sombrio dos discos anteriores, cederam lugar para uma música pop comercial, acessível e dançante. A presença dos vocais de Joanne Catherhall e Susanne Sulley, deram um toque especial ao pop eletrônico dançante da Human League, contrastando com a voz grave de Phil Oakey.

Dare começa “The Things That Dreams Are Made Of”, um synthpop que trata sobre aproveitar os prazeres que a vida pode oferecer. Uma sucessão de camadas de sintetizadores e efeitos sonoros povoam toda a base de “Open Your Heart”, que traz o produtor Martin Rushent responsável pela bateria eletrônica não só desta faixa como pela das outras faixas do álbum. Uma linha de baixo e uma bateria eletrônica dão início a “The Sound Of The Crowd”, pop eletrônico dançante com um refrão marcante que conta com grande presença dos vocais de apoio de Joanne e Susanne.

O ritmo do disco se acalma com a balada pop “Darkness”, onde a linha melódica agradável proporcionada pelos sintetizadores contrasta com os versos que falam de uma noite terrível de insônia em que o eu lírico da canção acredita ter visto vultos estranhos em movimento em meio à escuridão do seu quarto. Fechando o lado 1 da versão LP de Dare, a faixa “Do Or Die”, um synthpop que possui uma levada percussiva eletrônica e uma linha de baixo que dá robustez à base instrumental da música.

Abrindo o lado 2 do álbum, a instrumental “Get Carter”, cuja versão original, do pianista britânico Roy Budd (1947-1993), foi tema do filme policial de mesmo nome estrelado pelo ator Michael Caine. Se na versão original há um solo de cravo executado por Budd acompanhado por um piano, a versão da Human League tem tão somente um solitário solo de sintetizador num tom agudo e um tanto quanto aterrador. O ritmo arrastado e monótono de “I Am The Law” faz lembrar a Human League da fase de Revolution e Travelogue. A base instrumental sombria e hostil embala uma letra sobre um policial que faz valer o peso da Lei.

“Seconds” tem uma letra interessante que faz referência, ainda que de maneira indireta, ao assassinato do presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, em 1963. Os versos fazem uma descrição do fato de maneira cinematográfica e ao mesmo tempo poética, mesmo sem citar o nome da vítima e do assassino, Lee Harvey Oswald (1939-1963). Na época em que a música foi lançada, houve quem associasse a letra da música ao assassinato de John Lennon, em dezembro de 1980. 

“Love Action” (I Believe In Love)” é um synthpop para as pistas, e traz na letra um tema autobiográfico referente aos possíveis amores vividos por Phil Oakey. Em determinado trecho da música, Oakey canta de um jeito falado que se aproxima do rap.

Encerrando o álbum, o maior sucesso da carreira do Human League, “Don’t You Want Me”. Com um riff marcante de sintetizador na introdução, refrão grudento e fácil de cantar e uma base rítmica irresistível, “Don’t You Want Me” é um exemplo clássico do pop perfeito para cativar as massas. Outro atrativo na música é o dueto de Phil Oakey e Susanne Sulley, que emulam o casal na letra da música. “Don’t You Want Me” foi um sucesso avassalador não só nas paradas radiofônicos como também nas pistas de dança em todo o mundo. 


The Human League em 1981, da esquerda para a direita: Susan Sulley,
Philip Adrian Wright, Joanne Catherall, Philip Oakey, Jo Callis e Ian Burden. 

A crítica recebeu muito bem o álbum Dare, assim como o público. Dare teve um sucesso comercial fantástico. Em dezembro de 1981, dois meses após seu lançamento, Dare já havia conquistado disco de ouro no Reino Unido. O álbum chegaria ao disco de platina tripla no Reino Unido ao bater a marca de 900 mil cópias. Nos Estados Unidos, Dare vendeu mais de 500 mil cópias. Para se ter uma ideia do ótimo desempenho comercial de Dare, a última vez que um álbum lançado pela gravadora Virgin Records havia alcançado o topo das paradas foi Tubular Bells, de Mike Oldfield, em 1973.

Quem também foi um sucesso em vendas foi o single de “Don’t You Want Me”, lançado em novembro de 1981. O single chegou ao 1º lugar nas parada de singles do Reino Unido, e na Billboard Hot 100, nos Estados Unidos. Chegou também ao topo da parada de singles do Canadá, Bélgica, Irlanda e Nova Zelândia.

“Dont You Want Me” foi o single mais vendido no Reino Unido em 1981, chegando ao 1º lugar em vendas no Natal daquele ano. Ao todo, o single de “Dont You Want Me” passou da casa de 1,5 milhão de cópias vendidas no Reino Unido. Nos Estados Unidos, o single de “Dont You Want Me” também teve um excelente desempenho em vendas ao chegar à marca de 1 milhão de cópias vendidas.

Capa do single de "Don't You Want Me", 1° lugar em vendas de singles
no Reino Unido, no Natal de 1981.

Um dado curioso é que todo esse sucesso do single de “Don't You Want Me” poderia não ter acontecido. Phil Oakey se opôs ao lançamento de um single para “Don’t You Want Me” por acha-la uma música “fraca”. Ele era tão descrente do potencial comercial de “Dont You Want Me” que ela foi posta como última faixa do lado B do álbum. Um outro artista ou banda colocaria “Dont You Want Me” como a primeira faixa de Dare. Mas a gravadora insistiu, Oakey foi vencido, e o single de “Dont You Want Me” foi lançado. E felizmente, Oakey estava errado.

Todo o esse sucesso comercial de Dare foi benéfico não apenas para a Human League, mas também para a própria Virgin Records. As vendas de Dare salvaram a Virgin Records da falência. Num espaço de um ano, a Human League foi do status de banda endividada e ao topo da fama no cenário da música pop mundial.

No final de 1981, Dare foi eleito 6º melhor álbum pela revista NME (New Music Express) e “Álbum do Ano” em votação dos leitores da revista Smash Hits. No ano de 1982, na edição do Brit Awards daquele ano, a Human League conquistou o prêmio de “Revelação Britânica” e Martin Rushent o de “Melhor Produtor Britânico”.

Para aproveitar ainda mais o prestígio de Dare, a Virgin Records lançou em meados de 1982 Love and Dancing, um álbum com remixes instrumentais das faixas de Dare. Na capa, a Human League está identificada como League Unlimited Orchestra, uma homenagem à Love Unlimited Orchestra, a orquestra que acompanhava o cantor, compositor e arranjador Barry White (1944-2003). Love and Dancing foi um dos primeiros álbuns de remixes lançados por uma artista ou banda na história da música pop.

Depois disso, a Human League ainda lançou mais alguns singles e o EP Fascination! (1983), e começava o processo de gravação do seu quarto álbum de estúdio, que não foi nada tranquilo. O produtor Martin Rushent desentendeu-se com a banda e acabou deixando a produção do novo álbum. Boa parte do material que havia sido gravado foi abandonado. A banda decidiu começar tudo do zero e convidou os produtores Hugh Padgham (o mesmo que produziu Ghost In The Machine e Synchronicity, do The Police) e Chris Thomas (produtor de Too Low For Zero, de Elton John). Em 1984, Hysteria, o quarto álbum da Human League, foi lançado. Apesar da mudança na produção, não repetiu o impacto de Dare.

Faixas

Lado 1

  1. “The Things That Dreams Are Made Of” (Oakey – Wright)
  2. “Open Your Heart” (Callis – Oakey)
  3. “The Sound of the Crowd” (Burden – Oakey)
  4. “Darkness” (Callis – Wright)
  5. “Do or Die” (Burden – Oakey)

 

Lado2

  1. “Get Carter” (instrumental) (Roy Budd)
  2. “I Am the Law” (Oakey – Wright)
  3. “Seconds” (Callis – Oakey – Wright)
  4. “Love Action (I Believe in Love)” (Burden – Oakey)
  5. “Don’t You Want Me” (Callis – Oakey – Wright)

 

The Human League: Ian Burden (sintetizadores), Jo Callis (sintetizadores), Joanne Catherall (vocais), Philip Oakey (vocais, sintetizadores, design da capa), Susan Ann Sulley (vocais), Philip Adrian Wright (slides, sintetizador ocasional, design da capa)


Ouça na íntegra o álbum Dare


 

“Open Your Heart”

(videoclipe original)


 

“Love Action (I Believe in Love)”

Apresentação da Human League no 

programa de TV Multi-Coloured Swan Shop, 

no canal BBC 1, Reino Unido, em 1981

 

“Don’t You Want Me”

(videoclipe original)

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