“Vida Bandida” (RCA Victor, 1987), Lobão


 
Por Sidney Falcão

O ano de 1987 foi sem sombra de dúvidas, o mais turbulento da carreira de Lobão, cercado de fortes emoções, tanto positivas quanto negativas. Foi o ano em que o cantor carioca teve a sua vida exposta na grande mídia por causa da sua prisão por porte de drogas, motivando uma desgastante batalha judicial. Mas foi o ano também que, em meio a essa turbulência, Lobão lançou Vida Bandida, seu terceiro álbum de estúdio e o mais vendido da sua discografia. O álbum foi gravado às pressas, entre um e outro habeas corpus, quase que um “parto à fórceps”.

Todo esse turbilhão de confusões começa em fevereiro de 1987, quando Lobão foi preso no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, quando retornava de um show em Florianópolis. O cantor portava cerca de 28 decigramas de maconha e 8 decigramas de cocaína. Ficou detido por apenas cinco horas, e depois foi liberado.

Um mês depois, Lobão decidiu vender a sua casa, e morar num hotel. Seu advogado daquele momento, esqueceu de comunicar à Justiça a mudança, e o cantor acabou sendo preso no hotel. A polícia teria interpretado como fuga. Para complicar sua situação, foi encontrado no quarto de hotel em que estava morando 30 gramas de haxixe e duas gramas de maconha. A partir dali, começou o calvário do cantor que culminou numa pena de 1 ano de prisão em regime fechado, mais pagamento do equivalente a 50 dias de trabalho.

Lobão recebeu várias manifestações de apoio por parte de vários colegas da música brasileira como Caetano Veloso, Bezerra da Silva, Titãs entre outros artistas. A banda Camisa de Vênus chegou a gravar uma música dedicada a Lobão, “Lobo Expiatório”, presente no álbum Duplo Sentido, lançado em 1987 pela banda baiana.

Por meio de habeas corpus, Lobão conseguiu concluir as gravações do seu novo álbum, gravando a vozes tocando alguns instrumentos. Fora isto, o produtor Marcelo Sussekind foi quem conduziu as gravações na ausência de Lobão, já que havia prazo para o álbum ficar pronto. A sonoridade do álbum acabou fugindo do que Lobão havia idealizado, e se assemelhando ao som da Herva Doce, banda recém extinta na época e da qual Sussekind era guitarrista.

Na reta final da finalização do álbum, houve divergências entre Lobão e a gravadora RCA para a escolha da música para divulgar o álbum. Os executivos não queriam “Vida Bandida” e “Vida Louca Vida” por acharem muito pesadas para tocar no rádio. Diziam que embora o rock estivesse em alta na época, eles achavam que o brasileiro tinha como características a “brejeirice”, a “candura”. Não concordavam com “Blá, Blá, Blá... Eu Te Amo (Rádio Blá)” por já ter sido um fracasso quando foi gravada pelo Hanói-Hanói, em 1986. E não podia ser “Chorando no Campo” porque, segundo eles, música sem acompanhamento, apenas com violão, não toca no rádio; sugeriram colocar um “pandeirinho”.

A faixa escolhida pelos executivos para ser a música de divulgação do novo álbum foi “Da Natureza do Lobo”, que a princípio, seria também o título do álbum. Mas devido à prisão de Lobão, pela experiência no cárcere e a repercussão na imprensa, o álbum foi batizado de Vida Bandida, que é nome de uma das faixas do disco. Previsto para ser lançado em julho de 1987, a RCA decidiu antecipar o lançamento do álbum.

Vida Bandida começa com a faixa homônima, que composto a partir de um poema escrito por Bernardo Vilhena, em 1976, também chamado “Vida Bandida”. A música é um rock vigoroso, pesado, e que num determinado trecho, combina o peso do rock com o compasso do samba, uma experiência que Lobão iria repetir álbuns posteriores. O canto de Lobão é berrado, agressivo, como se fizesse um desabafo às agruras que vivia na prisão. Lobão homenageia seus ex-companheiros de cela logo no início da música, berrando a plenos pulmões "Aí galera da 11!", número que corresponde ao da cela em que esteve preso. Além de cantar, Lobão também tocou bateria – assim como na maioria das faixas do disco – e toca com agressividade, que somada às guitarras de Marcelo Sussekind e à linha de baixo robusta de Paulo Henrique, dão todo um peso à música.

A faixa seguinte é “Da Natureza dos Lobos”, um pop rock leve, “palatável”, que conta com vocais de apoio bem agradáveis e que dão um toque especial. Não à toa, foi a faixa que os executivos da gravadora queriam como a primeira do álbum a ser trabalhada nas rádios. A música pode ser agradável aos ouvidos, mas nem de longe se tornou um grande hit de Lobão.

Lobão e Bernardo Vilhena em meados dos anos 1980: parceria entre os dois
rendeu boa parte das canções presentes em Vida Bandida.

Em “Nem Bem, Nem Mal”, o peso da guitarra, baixo e bateria contrastam com a elegância do som do saxofone executado por Zé Luiz. “Soldier Lips”, foi poema escrito em inglês por Guto Barros (ex-guitarrista da banda os Ronaldos) e que foi musicado por Glória Woerdenbag, irmã de Lobão, e que virou um blues rock onde Marcelo Sussekind faz solos incríveis de guitarra.

Fechando o lado A da versão LP do álbum, “Girassóis da Noite”, única música do disco com letra de Lobão, escrita por ele em 1980. A letra, dotada de grande sensibilidade poética, possui um interessante jogo de sentido das palavras: “girassóis da noite” com “giram a sós na noite”.

O lado B começa com o rock “Esse Mundo Que Eu Vivo”, em que Lobão canta de maneira desesperada sobre um mundo corrompido pelos piores sentimentos humanos: “Nos anúncios nas televisões / Vendem crimes / Vendem inveja / Vendem tudo / até ilusões.

“Vida Louca Vida” foi composta um dia após “Vida Bandida”, as duas músicas são “irmãs”. Bernardo Vilhena escreveu a letra de “Vida Louca Vida” inspirado na situação em que Lobão estava passando, sofrendo críticas e ataques por uma parcela da imprensa e da opinião pública durante a sua prisão. A música é como uma resposta àquela situação que o cantor vivenciava. “Vida Louca Vida” ganhou um novo significado quando Cazuza a regravou em 1988 para o seu álbum ao vivo O Tempo Não Para, por causa do drama vivido pelo ex-vocalista do Barão Vermelho, que travava uma batalha contra a AIDS, para a qual perdeu a vida dois anos depois. 

O rock balada romântico, “Tudo Veludo”, é outra canção presente no álbum que foi resgatada lá do passado, cuja letra foi escrita em 1978. Na sequência, “Blá, Blá, Blá... Eu Te Amo (Rádio Blá)”, música originalmente gravada pelo Hanói-Hanói em 1986, com o título, numa versão pop ska bem “raquítica” e que explica muito bem o porquê de não ter conquistado o público. Com Lobão, “Blá, Blá, Blá... Eu Te Amo (Rádio Blá)” ganhou uma releitura mais pesada e mais vigorosa, e entrou para trilha sonora da novela Brega & Chique, da TV Globo, em 1987.

Em 1986, a banda Hanói-Hanói gravou pela primeira vez "Blá, Blá,Blá...Eu Te Amo".


Se o álbum começou com o peso e a eletricidade de “Vida Bandida”, ele termina com a leveza e a sonoridade acústica de “Chorando no Campo”. A balada folk com ares de música sertaneja, trata sobre a saudade do que nunca foi vivido e de um lugar onde nunca se esteve. É sem dúvida uma das mais belas canções gravadas por Lobão.

Segundo Lobão, a imprensa especializada ignorou o conteúdo de Vida Bandida na época do lançamento do álbum, preferindo focar mais nos desdobramentos da prisão do cantor e do seu vício em drogas. No entanto, o jornalista José Emílio Rondeau, em sua resenha para a edição de julho de 1987 da revista Bizz, afirmou que Vida Bandida era o melhor disco que Lobão até então, o “mais translúcido e pesado” de sua carreira, e “arremete Lobão ao pódio dos super astros brasileiros”.

E de fato, Lobão virou um super astro com Vida Bandida. Mesmo preso, o Lobão estava nas paradas de sucesso com as músicas “Vida Bandida”, “Vida Louca Vida”, “Blá, Blá, Blá... Eu Te Amo (Rádio Blá)” e “Chorando no Campo”, que respectivamente alcançaram as posição de 1º, 2º, 3º e 4º lugares nas paradas de rádio. Curiosamente, foram exatamente as músicas que os executivos da gravadora RCA não acreditavam que fariam sucesso. Contrariando as expectativas, os problemas judiciais de Lobão, o álbum Vida Bandida vendeu mais de 350 mil cópias.

Graças ao empenho do seu advogado, Lobão cumpriu apenas três meses de prisão, e em julho de 1987, começou a turnê de Vida Bandida, com uma apresentação na abertura do Festival Alternativa Nativa, no Rio de Janeiro. Sua banda de apoio foi formada enquanto ele ainda estava na cadeia, e a convocação dos músicos ficou a cargo da empresária de Lobão do produtor Marcelo Sussekind.

Por onde passou, a turnê de Lobão e sua banda foi cercada de muito tumulto, tensão, hostilidade, violência e cancelamento de shows. Em Maceió, o avião da banda ficou retido no aeroporto por cinco horas, enquanto a polícia revistava. Dois músicos da banda foram espancados em São João Del Rey, em Minas Gerais. Naquele mesmo estado, os shows nas cidades de Três Corações, Lavra e Viçosa foram cancelados.

Embora Vida Bandida seja o álbum mais vendido da carreira de Lobão, e de ter emplacado quatro músicas entre as mais tocadas no rádio, nada disso impediu o cantor de ter rejeição ao álbum ao longo tempo. O principal motivo reside na produção do disco, que para Lobão, ficou com uma sonoridade distante do que ele idealizava e acabou ficando muito semelhante ao da banda Herva Doce, da qual Marcelo Sussekind fez parte.

Essa rejeição se estende aos seus discos dos anos 1980, justamente os que contém os maiores sucessos do artista. Para Lobão, os discos brasileiros de rock da década de 1980 foram mal gravados, não por deficiência técnica dos estúdios, mas por culpa de boa parte dos produtores que buscavam tornar o som das bandas mais “domesticado”, “inofensivo”. Isso seria uma herança da Jovem Guarda, pois, segundo Lobão, alguns produtores e executivos de gravadoras, foram músicos de bandas da Jovem Guarda nos anos 1960, e enxergavam na geração do rock brasileiro dos anos 1980, uma “nova Jovem Guarda”.

Além disso, Lobão sempre questionou o número de cópias vendidas de Vida Bandida. Para ele, por causa dos shows em arenas e ginásios lotadíssimos da turnê, a quantidade de cópias vendidas foi muito maior do que as 350 mil cópias. A partir desse episódio, Lobão começou a sua luta pela numeração dos discos na indústria fonográfica brasileira, permitindo a qualquer artista saber realmente a quantidade de cópias vendidas de cada álbum, o que acabou se tornando lei anos mais tarde, em 2003.

Faixas

Todas as faixas são de autoria de Lobão e Bernardo Vilhena, exceto as indicadas.

Lado A

  1. "Vida Bandida" 
  2. "Da Natureza dos Lobos" 
  3. "Nem Bem, Nem Mal" 
  4. "Soldier Lips" (Glória Woerdenbag - Guto Barros)           
  5. "Girassóis da Noite" (Lobão)

Lado B

  1. "Esse Mundo que Eu Vivo"         
  2. "Vida Louca Vida"          
  3. "Tudo Veludo" 
  4. "Blá Blá Blá... Eu Te Amo (Rádio Blá)" (Lobão - Arnaldo Brandão - Tavinho Paes)
  5. "Chorando no Campo" 

 

Referências:

Revista Bizz – julho/1987 – Edição 24, Editora Azul

50 anos a mil – Lobão e Claudio Tognolli, 2010, Editora Nova Fronteira

Guia politicamente incorreto dos anos 80 pelo rock – Lobão, 2017, Editora Leya


"Vida Bandida"

"Da Liberdade dos Lobos"

"
Nem Bem, Nem Mal"

"Soldier Lips"

"Girassóis da Noite"

"Esse Mundo Que Eu Vivo"

"Vida Louca Vida"

"Tudo Veludo"

"Blá, Blá, Blá... Eu Te Amo (Rádio Blá)

"Chorando no Campo"

"Vida Bandida"
(videoclipe para o "Fantástico", 
TV Globo, 1987)

"Blá, Blá, Blá... Eu Te Amo (Rádio Blá)
(videoclipe para o "Fantástico",
TV Globo, 1987)

"Chorando no Campo"
(videoclipe para o "Fantástico",
TV Globo, 1987)





























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