“John Lennon/Plastic Ono Band” (Apple Records,1970), John Lennon



Por Sidney Falcão

Por volta de março de 1970, John Lennon e Yoko Ono viajaram para Los Angeles, nos Estados Unidos, onde iniciaram um tratamento com o psicólogo Arthur Janov, chamado “terapia primal”. John buscava tratar-se dos traumas de sua infância motivados pelo abandono do seu pai e a morte de sua mãe. No auge desse tipo de terapia, quando os traumas do passado do paciente alcançam uma grande intensidade, ele é incentivado soltar um grande grito, o “grito primal”, através do qual toda a carga traumática reprimida é liberada.

Essa terapia ministrada por Janov ajudaria não só John a encarar os traumas do seu passado com mais coragem, como também exerceria grande influência do seu próximo álbum solo, o John Lennon / Plastic Ono Band. Depois de cinco meses em Los Angeles, John e Yoko retornaram para Londres para começar as gravações do novo álbum. Boa parte do repertório foi composto na época em que o ex-beatle fazia terapia.

Antes do novo álbum que iria gravar, Lennon já havia lançado três álbuns experimentais e um gravado ao vivo, em Toronto, em 1969. O trabalho que estava por vir, seria na prática, o primeiro álbum solo de John.

O álbum foi gravado entre os meses de setembro e outubro, nos estúdios Abbey Road, em Londres, sob a produção do próprio John Lennon e Yoko Ono, mais a co-produção de Phil Spector. Ele já havia trabalhado com John no início de 1970, quando produziu o single “Intant Karma”, que chegou à marca de 1 milhão de cópias vendidas, tornando-se o primeiro grande sucesso solo de um ex-beatle. Isso credenciou Spector a trabalhar no material do projeto Get Back que resultou no álbum Let It Be, o último lançado pelos Beatles.

John Lennon e a Plastic Ono Band no programa Top Of The Pops, da TV BBC1, 
tocando a recém-lançada "Instant Karma", em fevereiro de 1970.

Para acompanhá-lo nas gravações, John Lennon optou por um formato reduzido de músicos, apenas o que julgava ser essencial para a proposta do álbum. John convocou o seu ex-companheiro de Beatles, o baterista Ringo Starr, o amigo, baixista e artista-plástico Klaus Voormann, e o tecladista Billy Preston, que tocou piano numa das faixas do álbum.

As sessões de gravação do álbum John Lennon / Plastic Ono Band ocorreram no mesmo período das gravações de Yoko Ono / Plastic Ono Band, que como o título diz, é um álbum solo da esposa de John.

Lançado em 11 de dezembro de 1970, John Lennon / Plastic Ono Band é um álbum que é fruto da terapia que John passou com o Dr. Arthur Janov. John se expôs, abriu o seu passado e tentou através da música “exorcizar” os seus “demônios” do passado, os traumas de ter sido na infância uma criança abandonada pelos pais. E John faz essa descarga traumática através de canções com versos diretos, ácidos, sem rodeios. Em entrevista à revista Rolling Stone na época, John afirmou que o álbum não era para agradar ninguém e nem ser adorado, mas que se tratava de um “torpedo” contra a opressão artística e pessoal pela qual teria passado quando integrava os Beatles.

Boa parte das canções do álbum possuem uma sonoridade crua e pesada. John canta com raiva, aos gritos, como se quisesse tirar das entranhas toda a amargura que o sufocava há tanto tempo. E nesse aspecto, a terapia de Janov serviu como uma chave para liberar toda a carga traumática reprimida no ex-beatle.

O psicólogo Arthur Janoc, criador da "terapia primal", tratamento que
cuidou dos traumas de infância de John Lennon.

John Lennon / Plastic Ono Band começa com o badalar de um sino em tom fúnebre que anuncia “Mother”, primeira faixa do álbum na qual John faz um desabafo sobre os seus pais. Seu pai o teria abandonado quando ainda era criança, enquanto sua mãe, o entregou anos mais tarde à sua tia, Mary Elizabeth Stanley, a “tia Mimi”, que o criou. John vai direto ao ponto, e como num ajuste de contas com seus pais, começa dizendo para a mãe: “Mother, you had me / But I never had you / I wanted you / You didn't want me” (“Mãe, você me teve / Mas eu nunca a tive / Eu te quis / Você não me quis”). Ao pai, ele diz: “Father, you left me / But I never left you / I needed you / You didn't need me” (“Pai, você me deixou / Mas eu nunca o deixei / Eu precisei de você / Você não precisou de mim”). Nos versos finais, John canta aos berros, como se quisesse extirpar todo o sofrimento do passado, uma clara influência da terapia de Janov: “Mama, don't go / Daddy, come home / Mama, don't go / Daddy, come home” (“Mamãe, não se vá / Papai, volte pra casa / Mamãe, não se vá / Papai, volte pra casa”).

O clima fica um pouco mais ameno com a suave “Hold On”, uma balada em que John fala de autoconfiança: “When you're by yourself / And there's no one else / You just have yourself / And you tell yourself / Just to hold on” (“Quando você estiver sozinho / E não houver mais ninguém / Você apenas tem a si mesmo / E você dirá para si próprio / Apenas aguente firme”).  “I Found Out” começa como um blues cru com John Lennon cantando os primeiros versos da música no ritmo do riff da guitarra. Depois a música segue num ritmo de rock mais acelerado, marcado por uma bateria pesada executada por Ringo Starr. Se nos primeiros versos, John parece provocar indiretamente seu ex-parceiro de Beatles, Paul McCartney, ao longo da música, ele expressa toda uma desilusão com religiões, e alerta ao ouvinte para que não se deixe enganar por gurus e drogas.

Julia Stanley e Alfred Lennon, pais de John Lennon e
personagens centrais na canção "Mother".

Bem ao estilo Bob Dylan, “Working Class Hero” é uma folk music em que John Lennon canta de maneira crua e ácida sobre as diferenças de classes sociais, apenas com voz e violão. Fechando o lado A da versão LP do álbum, a faixa “Isolation”, onde John expressa um sentimento de solidão e medo com Yoko no seu ativismo pacifista.

O lado B começa com “Remember”, música que trata sobre lembranças do passado e de como elas podem moldar o que somos hoje. A suave e chorosa balada “Love” é uma canção que John celebra não apenas o amor, mas a sua relação com a sua amada Yoko Ono. Tratando sobre a vida cotidiana de John e Yoko, “Well Well Well” é um rock bruto, raivoso e caótico, em que John Lennon canta aos berros o refrão de maneira repetitiva, a tal ponto de ser irritante. “Look At Me” é a única música do álbum composta por John antes da separação dos Beatles. Na letra, John pede a Yoko para que não o deixe nem por um segundo. A linha melódica executada pela guitarra remete à de “Dear Prudence”, dos Beatles, presente no famoso “álbum branco”, de 1968.

Yoko Ono e John Lennon em 1970.

“God” é a música mais polêmica do álbum, e talvez de toda a carreira solo de John Lennon. A letra faz uma relação de coisas e personalidades nas quais John não mais acredita: mágica, I-ching, Bíblia, tarô, Hitler, Jesus, Kennedy, Buda, Mantra, gita, ioga, reis, Elvis, Zimmerman (sobrenome de Bob Dylan) e Beatles. Ele, no entanto, só acredita em si mesmo e em Yoko Ono. John encerra a música afirmando que “o sonho acabou”, uma referência ao fim de um ciclo de grandes transformações que foi a década de 1960, onde os jovens foram os protagonistas. A década da transgressão chegava ao fim, trazendo algumas desilusões e perdas: fim dos Beatles e as mortes de Brian Jones, Jimi Hendrix e Janis Joplin; Jim Morrison morreria em meados de 1971.

Se John Lennon abriu o álbum com uma canção falando da mãe, ele encerra com outra canção falando dela, “My Mummy’s Dead”, na qual ele se refere sobre a morte dela, em 1958, quando John era um garoto de 14 anos de idade.

Considerado o melhor álbum da carreira solo do ex-beatle, John Lennon / Plastic Ono Band alcançou o 8º lugar nos Estados Unidos e 6º lugar no Reino Unido. O álbum fechou um ciclo na vida de John, no qual ele fez um balanço do seu passado, seja na infância, seja como uma estrela do rock quando membro dos Beatles. John iniciaria uma nova etapa em sua vida, em que se consolidaria como uma estrela da música comprometida com ações pacifistas e políticas, culminando com o maior sucesso da sua carreira solo, a canção “Imagine”, em 1971.

Faixas

Todas as músicas foram compostas por John Lennon.

Lado A

  1. "Mother"
  2. "Hold On"
  3. "I Found Out"
  4. "Working Class Hero"
  5. "Isolation" 
Lado B

  1. "Remember"
  2. "Love"
  3. "Well Well Well"
  4. "Look At Me"
  5. "God"
  6. "My Mummy's Dead" 

 

Referências:

Revista Bizz – agosto/1995 – Edição 121, Editora Azul

John Lennon – a vida Philip Norman, 2009, Editora Companhia das Letras

www.johnlennon.com


"Mother"
(videoclipe oficial)

"Hold On"

"I Found Out"

"Working Class Hero"
(videoclipe oficial)

"Isolation"

"Remember"

"Love"
(videoclipe oficial)

"Well Well Well"

"Look At Me"

"God"

"My Mummy's Dead"

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