“Elis” (EMI-Odeon,1980), Elis Regina
Por Sidney Falcão
Em 1979, Elis Regina rompeu contrato com a gravadora Philips, após catorze anos de parceria com a companhia. A cantora gaúcha teria deixado a gravadora devendo 16 fonogramas, o que levou a companhia a lançar um álbum com sobras de estúdio e demos, o Elis Especial, muito criticado pela imprensa musical por causa da deficiência técnica da produção. O álbum trazia faixas ainda esboçadas, cruas, e que foram lançadas em disco pela gravadora meramente pelo lucro e sem o consentimento de Elis.
Após deixar a gravadora Philips, Elis Regina assina com a
EMI-Odeon. No entanto, ela assina, mas não cumpre o contrato. Duas semanas após
assinar com a EMI, a cantora não resistiu ao convite irrecusável do amigo André
Midani, diretor-presidente da gravadora Warner no Brasil na época. Midani havia
trabalhado com Elis na Philips, entre os anos 1960 até por volta de 1975,
quando deixou a empresa para comandar a instalação da Warner no Brasil.
O convite de Midani para Elis assinar com a Warner, tinha
como ‘bônus” uma apresentação no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, um dos
maiores festivais de música do mundo. Elis Regina assinou com a Warner, mesmo sem
cumprir o contrato assinado com EMI, que ficou a ver navios. Na Warner, Elis
gravou dois álbuns, o Essa Mulher (1979) e o álbum duplo Saudades
do Brasil (1980). O álbum Saudades do Brasil, lançado em julho
de 1980, foi gravado em estúdio seguindo o mesmo repertório do espetáculo
homônimo que estreou em março do mesmo ano.
Elis Regina no espetáculo Saudades do Brasil em 1980: repertório originou o
álbum duplo gravado em estúdio de mesmo nome lançado naquele ano.
Tanto o espetáculo quanto o álbum, fizeram um grande sucesso, o que motivou a gravadora EMI a cobrar de Elis, o álbum que ela estava devendo por não cumprir o contrato anterior ao assinado com a Warner. E foi dessa cobrança que nasceu o álbum Elis, gravado “a toque de caixa” em outubro de 1980 para cumprir contrato.
Com produção de Mayrton Bahia e arranjos de César Camargo
Mariano, marido de Elis Regina, o álbum Elis é considerado o mais pop da
discografia da cantora. Há uma grande influência da música negra americana em
boa parte das nove faixas que compõem o álbum. Elementos de funk e R&B se
misturam com a música brasileira ao longo do álbum, que somados à presença de
uma grande maioria de compositores jovens, deram ao trabalho um frescor jovial,
leve e solar. Admiradora de Milton Nascimento e dos compositores mineiros do
movimento Clube da Esquina, Elis
Regina gravou um terço do álbum com canções de autores mineiros.
O álbum Elis abre com a faixa “Sai Dessa”,
de Ana Terra e Natan Marques, uma música que faz uma alternância interessante
entre o balanço funky e o ritmo do
samba durante toda a duração da faixa. “Rebento”, a faixa seguinte, é de
Gilberto Gil, e foi gravada pelo próprio no álbum Realce, de 1979. Ela ganhou
uma versão diferenciada com Elis que é acompanhada pelo piano elétrico de César
Camargo Mariano. A letra da canção faz um curioso jogo de significados da
palavra “rebento”.
Elis Regina regravou "Rebento", de Gilberto Gil, originalmente gravada
por ele no seu álbum Realce (foto), de 1979.
Elis já havia gravado uma canção de Thomas Roth, “Quero”, presente no álbum Falso Brilhante (1976). Para o álbum Elis, a cantora voltou a gravar uma canção de Thomas, desta vez uma parceria dele com Luiz Guedes, “Nova Estação”, uma canção de uma grande leveza musical e que trata sobre a esperança no futuro.
O lado A termina com “O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre”,
dos mineiros do Clube da Esquina, Beto
Guedes e Fernando Brant. Com letra que versa sobre o indivíduo ter a liberdade
de ser o senhor do próprio destino, “O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre” aparece
no álbum numa versão pop funk, com direito a uma linha de baixo cheia de slaps e solos de guitarra ao final.
Abrindo o lado B, “Aprendendo a Jogar”, de Guilherme Arantes,
é a faixa mais famosa do álbum, foi um verdadeiro estouro nas rádios de todo o
Brasil. Numa interpretação arrebatadora, a Elis tomou a canção para si. A base
instrumental é cheia de balanço rítmico, onde se pode perceber referências de
funk e, de maneira sutil, da disco music.
A letra traz em seus versos um curioso painel de provérbios populares.
Na sequência, outra música composta por Guilherme Arantes,
“Só Deus É Quem Sabe”, desta vez uma canção de amor que teria sido oferecida a
Roberto Carlos, mas que ele recusou. Ele recusou, mas Elis quis e gravou. A
música seguinte é “O Trem Azul”, famosa canção do álbum clássico da música
Brasileira Clube da Esquina (1972), de Milton Nascimento e Lô Borges, e
que ganhou uma interpretação magistral na voz de Elis Regina. A gaúcha repete
sua interpretação fantástica em “Vento de Maio”, dos mineiros Telo Borges e
Márcio Borges, irmãos de Lô Borges.
Guilherme Arantes colaborou com duas músicas no álbum Elis:
o megahit "Aprendendo A Jogar" e "Só Deus É Quem Sabe".
Elis, o álbum, chega ao fim com “Calcanhar de Aquiles”, dos irmãos Paulo e Jean Garfunkel. A música já havia sido gravada por Jean Garfunkel ainda em 1980. A versão de Elis Regina começa em ritmo funk, mas depois descamba para um samba animado e bem-humorado.
Originalmente, o álbum Elis estava planejado para ter dez
faixas, mas acabou sendo lançado apenas com nove. A faixa “Se Eu Quiser Falar
Com Deus”, que já estava gravada por Elis, teve que ser excluída já na finalização
da produção do álbum porque o autor, Gilberto Gil, que também havia gravado a
canção na época, havia informado que ele iria promove-la nas emissoras de rádio
e TV, após Roberto Carlos, para quem a música foi composta, ter se recusado a gravá-la.
A versão de Elis acabou engavetada, e só foi incluída no lançamento em CD do
álbum, em 2002, que incluiu também “Tiro Ao Álvaro” (um dueto genial de Elis e
Adoniran Barbosa), “O Que Foi Feito Devera (de Vera) ” e “Outro Cais”.
Lançado em dezembro de 1980, o álbum Elis chegou às lojas no
momento em que o casamento de Elis Regina e César Camargo Mariano estava em
crise, e que culminou com a separação do casal dias antes da estreia do
espetáculo Trem Azul, em 22 julho de
1981, no Canecão Anhembi, em São Paulo. Após um mês em cartaz em São Paulo, o
espetáculo seguiu em turnê por algumas cidades brasileiras.
Elis Regina na turnê Trem Azul, em 1981, a última da sua vida.
Em outubro de 1981, Elis Regina, que apesar do sucesso, estava sem gravadora, assina com a Som Livre, durante um concorrido coquetel no salão do Hotel Caesar Park, no Rio de Janeiro. No início de janeiro de 1982, Elis ouve uma série de fitas para fazer uma seleção de repertório para o seu próximo álbum, o primeiro pela Som Livre. No entanto, o prometido novo álbum não teve chance nem de ser gravado. Elis morre dias depois, em 19 de janeiro, vítima de ingestão de cocaína e bebida alcoólica, aos 36 anos de idade.
Dois meses após a sua morte, a gravadora Warner lançou Elis
Regina - 13th Montreux Jazz Festival, álbum gravado ao vivo em julho de
1979, no festival de Montreux, na Suíça, o mesmo festival que fora prometido a
Elis por Midani caso ela aceitasse ir para a Warner. E pelo que se viu, a
promessa fora cumprida, embora tenha sido uma pena ela não ter tido tempo de ver
o álbum ser lançado.
Gravado num curto espaço de tempo e apenas para cumprir uma pendência
contratual, o álbum Elis tinha tudo para ser um trabalho fraco, superficial, mediano
talvez. Mas foi um trabalho que não só surpreendeu o público e a crítica, como
mostrou qual caminho Elis Regina teria seguido caso não tivesse tão cedo. O
álbum que indicaria o futuro de Elis, acabou se tornando o trabalho de
despedida daquela que é considerada a maior cantora brasileira de todos os
tempos.
Faixas
Lado A
1. "Sai Dessa" (Ana
Terra - Nathan Marques)
2. "Rebento" (Gilberto
Gil)
3. "Nova Estação" (Thomas Roth - Luiz Guedes)
4. "O Medo de Amar É O Medo de Ser Livre" (Beto Guedes - Fernando Brant)
Lado B
5. "Aprendendo A Jogar" (Guilherme Arantes)
6. "Só Deus É Quem Sabe" (Guilherme Arantes)
7. "O Trem Azul" (Lô
Borge - Ronaldo Bastos)
8. "Vento de Maio" (Telo
Borges - Márcio Borges)
9. "Calcanhar de
Aquiles" (Jean Garfunkel - Paulo Garfunkel)
Faixas bônus (no CD)
10. "Tiro ao
Álvaro" (Adoniran Barbosa - Osvaldo Molles)
11. "Se Eu Quiser
Falar com Deus" (Gilberto Gil)
12. "O que Foi Feito
Deverá (de Vera)" (Milton Nascimento - Fernando Brant - Márcio Borges)
"Outro Cais" (Marilton Borges - Duca Leal)
Referências:
Furacão Elis - Regina
Echeverria, 1994, Editora Globo
Elis - uma biografia musical – Arthur de Faria, 2015, Arquipélago Editorial
elisregina.com.br
O álbum é fantástico,não sabia que tivesse sido gravado a ''toque de caixa''.
ResponderExcluirRoberto Carlos não grava música que não tenha apelo comercial,tanto é verdade que enquanto a Elis vendeu apenas 50 mil cópias de seu excelente disco,o cantor-capixaba vendia anualmente dois milhões de exemplares.
ResponderExcluirRoberto Carlos tornou se um cantor brega no termo mais pejorativo da palavra. Insuportavel !
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