“Rita Lee” (Som Livre, 1979), Rita Lee



Por Sidney Falcão

O ano de 1977 foi bastante intenso para Rita Lee: ela cumpria um ano de prisão domiciliar por porte e uso de maconha (coisa que ela sempre negou por estar grávida na época em que foi presa, em 1976), o nascimento do seu primeiro filho com o marido Roberto de Carvalho, e por fim, depois que cumpriu a prisão domiciliar, a turnê Refestança, com Gilberto Gil, que passou pelas principais cidades brasileiras no final daquele ano, juntando as bandas de apoio dos dois artistas e que resultou no álbum gravado ao vivo Resfetança.

Em abril de 1978, Rita Lee & Tutti Frutti retomaram a sua jornada discográfica com um novo álbum de estúdio após dois anos, Babilônia. O álbum emplacou dois grandes sucessos, “Miss Brasil 2000” e “Jardins da Babilônia”, e trazia uma Rita Lee fazendo um aceno para a sonoridade pop. Porém, mal o álbum foi lançado, a banda Tutti-Frutti dissolveu-se, consequentemente pondo fim à parceria com Rita Lee.

Mesmo Rita Lee & Tutti-Frutti fazendo sucesso, internamente, a situação não ia bem. O pivô da instabilidade teria sido o guitarrista e tecladista Roberto de Carvalho, que desde que entrou para a Tutti-Frutti em 1977, passou a ganhar destaque e gerar uma insatisfação no guitarrista solo Luiz Carlini, que por muito tempo, era o maior protagonista da banda, depois de Rita. Além disso, Carlini se mostrava insatisfeito com a direção musical que a banda adotou no álbum Babilônia, com uma sutil acentuação pop, e que se afastava da orientação mais roqueira dos álbuns anteriores. Carlini decidiu deixar a banda e levou consigo o nome do grupo. Sem que ninguém soubesse, ele teria registrado o nome da banda para si.

Para dar prosseguimento à turnê do álbum Babilônia, Rita fez uma nova banda e a batizou com o nome Cães e Gatos, numa alusão às brigas internas no grupo durante os ensaios. Concluída a turnê, Rita passa a focar na sua carreira solo, firma parceria com Roberto de Carvalho e redireciona a sua orientação musical para um caminho mais abrangente do que o dos tempos com a banda Tutti Frutti, agora mais voltado para uma sonoridade pop, algo que Babilônia já dava indícios. Nesse redirecionamento, Roberto de Carvalho teve um papel bastante importante.


Roberto de Carvalho no Tutti-Frutti, em 1977: pivô da
implosão da banda.

Em maio de 1979, entra nos estúdios SIGLA, da Som Livre, no Rio de Janeiro, e começa a gravar aquele que é considerado o seu verdadeiro primeiro álbum solo, Rita Lee. Para essa empreitada, Rita reuniu um time de músicos bastante especial que incluiu o fantástico tecladista e arranjador Lincoln Olivetti (1954-2015), o guitarrista Robson Jorge (1954-1992), o baterista Picolé, o trompetista Márcio Montarroyos (1948-2007), as cantoras Cláudia Telles, Jane Duboc e Sônia Buernier para os vocais de apoio. Algumas figuras conhecidas do passado de Rita também estavam presentes: o baixista Lee Marcucci (baixo) e a percussionista Naila Skorpio, ambos integrantes da última formação da Rita Lee & Tutti-Frutti, e o guitarrista Sérgio Dias Baptista, ex-colega de Rita nos Mutantes.

Rita Lee, o álbum, chegou às lojas em agosto de 1979, surpreendendo o público e a crítica pelo seu conteúdo musical. Na capa, um close do rosto de Rita Lee mostrando um detalhe de seu ombro onde aparece uma tatuagem artificial com o desenho do nome da cantora, criado pelo designer Hans Donner. A contracapa mostra Rita Lee, grávida do seu segundo filho, e o marido Roberto de Carvalho empunhando uma guitarra. 

Quem esperava um álbum essencialmente de rock como os que Rita gravou com a Tutti-Frutti, viu um álbum assumidamente pop, recheado de canções feitas sob medida para tocar em emissoras de rádio FM. Temas sobre amor, sexo e feminismo estão presentes na maioria das oito faixas do álbum. Mostra uma Rita Lee ainda mais livre, leve e solta ao abordar esses assuntos.

O álbum começa com a faixa “Chega Mais”, uma canção pop com nítida influência de disco music, mas trazendo um flerte com a velha tradição das músicas carnavalescas do Brasil. A letra da música trata de maneira alegre e festiva sobre a intimidade sexual de um casal. “Chega Mais” é uma espécie de “irmã mais velha” de outros dois grandes sucessos posteriores da carreira solo de Rita, “Lança Perfume” e “Banho de Espuma”.


Detalhe da contracapa: Rita Lee (grávida, esperando o segundo filho)
e o marido Roberto de Carvalho.

A faixa seguinte, “Papai Me Empresta O Carro” é um rock que remete à Rita Lee dos tempos com a Tutti-Frutti. Trata-se de um rock divertido sobre um jovem que pede o carro emprestado ao pai para sair com sua namorada, e claro, desfrutar sossegadamente dos prazeres sexuais com sua amada.
“Doce Vampiro” é uma balada romântica em que Rita se passa por uma mulher apaixonada por um vampiro, e a ele se entrega num amor ardente, com direito a mordida no pescoço. Fechando o lado 1, “Corre-Corre”, outra faixa do álbum com influência da disco music, cuja letra trata sobre trabalhar muito e sobreviver com pouco dinheiro.

O lado 2 começa com o romantismo de “Mania De Você”, a canção favorita de Rita Lee do álbum. Foi composta por Rita e Roberto em cinco minutos, após uma transa ardente. A letra apresenta a mulher tomando as rédeas numa relação sexual, dona do seu próprio prazer. “Mania De Você” é uma canção sobre um ato sexual do ponto de vista feminino, o que a eleva à condição de canção libertária. Até então, o mais comum eram canções sobre sexo partindo do ponto de vista masculino. Rita promove com esta canção uma ruptura, e numa época em que o Brasil estava sob um regime ditatorial, o que só valoriza ainda mais desafio da rainha do rock brasileiro. Musicalmente, os arranjos de “Mania De Você” tiveram como inspiração “From The Beginning”, bela canção do Emerson, Lake & Palmer, presente no álbum Trilogy, de 1971.

Elvira Pagã (1920-2003) foi uma atriz e vedete de teatro de revista que fez muito sucesso no Brasil entre os anos 1940 e 1950. Sua beleza e seu corpo escultural, povoaram o imaginário masculino. Rita Lee presta uma homenagem a ela com uma música que leva o seu nome e questiona as imagens preconceituosas contra a mulher construídas pelo machismo ao longo do tempo: “Moça bonita, só de boca fechada / Menina feia, um travesseiro na cara / Dona de casa só é bom no café da manhã”. Interessante perceber que já naquela época, o que poderia soar como uma “brincadeira” para os machistas, não havia graça alguma para Rita.


A vedete Elvira Pagã: inspiração para Rita Lee compor uma canção em sua homenagem e que
também questiona o padrão feminino idealizado pela sociedade patriarcal. 

A próxima faixa, “Maria Mole”, é completamente dispensável, a mais chata do álbum. Lenta, faz jus à história de Maria Mole, uma garota preguiçosa ao extremo e nada asseada, namorada do não menos preguiçoso Rocambole.

Em 1976, Rita Lee havia lançado o single de “Arrombou A Festa”, um rock que ela compôs com Paulo Coelho, e que sacaneava os principais astros da música brasileira da época. O single gerou polêmica, mas fez um enorme sucesso, vendendo mais de duzentas mil cópias. Três anos depois, Rita Lee e Paulo Coelho repetiram a dose com “Arrombou A Festa II”, faixa que encerra o álbum Rita Lee. Desta vez, os alvos do deboche da roqueira são Alcione, Fafá de Belém, Sidney Magal, Cauby Peixoto, Lady Zu e Miss Lene, essas duas últimas, as duas grandes sensações da disco music brasileira. Nos versos sobre Magal, Rita não alisa, pega pesado:  “O Sidney Magal rebola mais que o Matogrosso / Cigano de araque, fabricado até o pescoço”.

O repertório pop e acessível do álbum Rita Lee desagradou os antigos fãs de Rita, mas agradou em cheio o grande público, principalmente os adolescentes. “Mania De Você”, “Doce Vampiro”, “Chega Mais” e “Papai Me Empresta O Carro” fizeram um grande sucesso e ajudaram Rita Lee, o álbum, a chegar à marca das 400 mil cópias vendidas.

“Chega Mais” foi tema de abertura da novela de mesmo nome, em 1980, escrita por Carlos Eduardo Novaes, produzida e exibida pela TV Globo.

“Mania De Você” foi tema de comercial de TV dos jeans Ellus, em que um casal de jovens mergulha numa piscina, e ao som da canção de Rita Lee, começa a tirar a roupa debaixo d’água. Com o slogan “tire a roupa para quem você gosta”, o comercial conquistou o público jovem da época, mas escandalizou os mais conservadores.


Cena do comercial para TV dos jeans Ellus, que como
trilha sonora, "Mania de Você", de Rita Lee, em 1979.

Se o público dos shows de Rita já era grande na época do Tutti-Frutti, a partir do sucesso do álbum Rita Lee, esse público só aumentou. Suas aparições na TV tornaram-se mais frequentes, o que só contribuiu para impulsionar as vendas dos seus discos. O álbum de 1979 não só elevou Rita Lee a estrela de primeira grandeza da música brasileira, como abriu caminho para uma sequência de álbuns de grande sucesso comercial como Rita Lee (1980), Saúde (1982) e Rita Lee & Roberto de Carvalho (1983), contrariando as previsões dos mais pessimistas de que o sucesso comercial de Rita não chegaria à próxima década. 

Faixas

Todas as faixas compostas e escritas por Rita Lee e Roberto de Carvalho, exceto as indicadas.

Lado 1
  1. "Chega Mais"             
  2. "Papai me Empresta o Carro"           
  3. "Doce Vampiro" (Rita Lee)    
  4. "Corre-Corre"         

 Lado 2
  1. "Mania de Você" 
  2. "Elvira Pagã" 
  3. "Maria Mole" (Rita Lee - Guto Graça Mello)
  4. "Arrombou a Festa II" (Rita Lee - Paulo Coelho)

Referências:
Coleção História do Rock Brasileiro – Volume 2 – novembro/2004 – Edição 53, Editora Abril
Dias de Luta: o rock e o Brasil dos anos 80 – Ricardo Alexandre, 2013, Arquipélago Editorial
Rita Lee: uma autobiografia – Rita Lee, 2016, Editora Globo
Wikipedia




Ouça o álbum Rita Lee (1979) 
na íntegra


Comercial de TV dos jeans Ellus com a
música "Mania de Você" - 1979


Abertura da telenovela Chega Mais, TV Globo,
com a música "Chega Mais" - 1980


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