“Samba Esquema Novo” (Philips, 1963), Jorge Ben Jor



Por Sidney Falcão

Em 1959, o mundo da música havia sido assombrado pelo lançamento do álbum Chega de Saudade, de João Gilberto. Em seu álbum de estreia, o baiano de Juazeiro trazia uma nova maneira de cantar e de tocar violão como nunca se viu até então. Para completar, aquele álbum acendeu o pavio do movimento da bossa nova, que ganhou força no cenário musical brasileiro, e quatro anos depois, já havia conquistado plateias internacionais.

Foi justamente quando a bossa nova fazia carreira internacional que aqui no Brasil, chegava às lojas, o primeiro álbum de um jovem negro e suburbano carioca, de cerca de 20 anos de idade, trazendo um outro som inovador que abriria outros caminhos para a música popular brasileiro. Trata-se de Samba Esquema Novo, álbum de estreia de Jorge Ben, que a partir de 1989, rebatizou seu nome artístico para Jorge Ben Jor. O álbum trazia em suas faixas uma sonoridade que era mesmo tempo simples e complexa, reconhecível, mas difícil de classificar. A música praticada por Jorge carregava a malícia do samba dos morros cariocas, a economia sonora da bossa nova, a sofisticação do jazz e o embalo do rock’n’roll.

E mais uma vez, assim como aconteceu com a bossa nova e o álbum Chega de Saudade, com Jorge e o seu Samba Esquema Novo, o violão foi o grande protagonista. Jorge trouxe com sua maneira própria de tocar violão, um novo jeito tocar esse instrumento, simples e tão miscigenado musicalmente, dançante e cheio de ritmo.

Filho de pai estivador e de mãe de descendência etíope, Jorge Duílio Lima Meneses nasceu em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, em 1942, mas foi criado no bairro de Rio Comprido, na mesma cidade. Durante a adolescência, foi amigo de Tim Maia, Erasmo Carlos e Roberto Carlos, que mais tarde, se tornariam grandes estrelas da música brasileira. Assim como eles naquela época de adolescente, Jorge ouvia o rock’n’roll de Elvis Presley, Chuck Berry e Little Richard, sem, no entanto, deixar de lado as raízes da música brasileira como o samba.

Aos treze anos, iniciou-se na música tocando pandeiro em blocos de carnaval, ao mesmo tempo que participava do coral da igreja da escola que estudava, o Colégio São José. Na mesma época em que servia ao Exército, ganhou de sua mãe de presente, um violão acompanhado de método para aprender as primeiras lições. E Jorge aprendeu a tocar o instrumento sozinho. Dali para tocar em festinhas de amigos, foi um curto espaço de tempo. E tocava de bossa nova a rock’n’roll.

Sua carreira profissional começa a dar os primeiros passos em 1961 quando participa dos ensaios do conjunto Copa Trio. Recebe um convite do organista Zé Maria para tocar no seu conjunto como pandeirista na boate Little Club, no Beco da Garrafas, no Rio de Janeiro, onde a música fervilhava naquela época em criatividade e novidades. Não demorou muito, e Jorge já estava se apresentando com seu violão, tocando em cantando suas próprias canções nos bares e boates do mesmo Beco das Garrafas. É bem verdade que seu estilo próprio e diferenciado de tocar e cantar não era visto com desdém por uma parcela do público bossa novista que frequentava aquele lugar. 

Em 1963, o organista Zé Maria gravou para o seu álbum, Tudo Azul, duas canções do jovem Jorge Ben, “Mas, Que Nada” e “Por Causa de Você”, contando o próprio Jorge cantando as duas músicas.

Pouco depois, Jorge foi contratado pela gravadora Philips que lança um disco de 78 rpm com as canções “Mas, Que Nada” e “Por Causa de Você”. O discos vendeu 100 mil cópias. O sucesso do disco de 78 rpm motivou a Philips a fazer um álbum com Jorge. Foi escalado o produtor Armando Pittigliani, o mesmo que havia produzido o disco de 78 rpm de Jorge.

Para a gravação do álbum, Pittigliani contou com a participação de músicos e arranjadores de altíssimo gabarito que valorizaram a musicalidade de Jorge Ben. Dois conjuntos acompanharam Jorge Ben na gravação das faixas, o Copa 5 e o trio Bossa Três, ambos formados por músicos com ampla experiência na bossa nova. O Copa Trio passou por uma reformulação: virou um quinteto, foi rebatizado para Copa 5, e passou a ser formado por J.T. Meirelles (1940-2008) na flauta e saxofone, Pedro Paulo no trompete, Luiz Carlos Vinhas (1940-2001) no piano, Manuel Gusmão no contrabaixo acústico e Dom Um Romão (1925-2005) bateria. O Bossa Três trazia em sua formação o Luiz Carlos Vinhas no piano (o mesmo do Copa 5), Tião Neto (contrabaixo acústico) e Edilson Machado (bateria). Os arranjos das canções ficaram por conta J.T. Meirelles, Luiz Carlos Vinhas - os dois do Copa 5 - e dos maestros Carlos Martins de Souza e Lindolfo Gaya.

No tempo do Beco das Garrafas, da esquerda para a direita: Dom Um Romão, Manuel Gusmão,
Jorge Ben Jor e o pianista Dom Salvador, no Bottle's Bar. 

Quem abre o álbum é a clássica “Mas, Que Nada”, com Jorge Ben acompanhado do Copa 5. A canção começa com Jorge cantando o refrão que se tornou antológico, mas cujas palavras não têm sentido álbum: “O ariá raio / Obá obá obá”. É o que no jazz se costuma chamar de scat singing, onde o cantor usa a voz como se fosse um instrumento musical, improvisando sílabas sem necessariamente ter algum sentido, onde o que importa é o som proporcionado pela técnica. Alguns cantores da bossa nova fez bastante uso desse recurso vocal. A levada rítmica de “Mas, Que Nada” é o embrião que conhecemos hoje como samba rock.

“Tim, Dom, Dom”, é a única do álbum que não foi composta por Jorge Ben. Toque de tamborim fazem a introdução desta música em que Jorge compara as batidas do seu coração com o do som do seu violão. A letra é muito simples, o arranjo da canção é enxuta, mas muito bem construída e executada.

A faixa seguinte, “Balança Pema”, possui um ritmo dançante e sedutor, assim como a sua letra: “Se você jurar / Me ensinar / A sambalançar assim”. “Balança Pema” voltou a fazer sucesso através da regravação de Marisa Monte para o seu álbum Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão, lançado naquele ano.

“Vem Morena, Vem” é curta, quase dois minutos de duração. Traz na sua introdução o som elegante do trompete de Pedro Paulo. A base instrumental revela uma influência da sonoridade econômica da bossa nova. Na letra, Jorge convida a sua amada morena para sambar com ele, porque sem ela, ele ficará triste e samba não mais haverá.

Marisa Monte regravou "Balança Pema" para o seu álbum 
Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão.

“Chove Chuva” é uma das canções mais conhecidas da carreira de Jorge Ben, e ela está presente em Samba Esquema Novo. Jorge pede na canção que Deus para que a chuva não molhe a sua amada, o seu “divino amor”. Na reta final da canção, Jorge Ben faz improvisos vocais cheios de muito ritmo e malemolência. Em 2005, a banda Biquini Cavadão “Chove Chuva” para o seu álbum Biquini Cavadão Ao Vivo, numa versão pop que acabou fazendo um grande sucesso.

“É Só Sambar” encerra o lado A da versão LP do álbum. Apesar de tranquila e serena, a música fala de samba, um ritmo musical tão dançante e contagiante. Na letra, Jorge diz que só quer sambar, e que não adianta chamá-lo para ir a um lugar sem um samba animado. É uma das poucas faixas de Samba Esquema Novo que possui um naipe de violinos.

O lado B começa com o ritmo dançante e gostoso de “Rosa, Menina Rosa”. É um samba, mas com uma percussão leve, “econômica”, enxuta. O destaque fica para o trompete de Pedro Paulo e o saxofone de J.T.Meirelles, que percorrem a música do começo ao fim. “Quero Esquecer Você” traz Jorge falando “voxê” ao invés de você, o que acabou se tornando uma característica marcante no jeito do seu jeito de cantar.

Em “Uála Uálalá”, é perceptível a influência da bossa nova na levada rítmica. Inclusive, na primeira metade da letra da canção, Jorge parece “incorporar” o estilo de cantar de João Gilberto. No entanto, mais adiante, Jorge muda o estilo de cantar e explora um canto cheio de ritmo e malemolência nos versos “Ele é um samba diferente / Lá dos tempos de sinhá e de sinhô / É um lamento / Que o negô entoava pelas noites / É um lamento de amor”.

“Desde que se foi / O nosso Rei Nagô / Ninguém jamais fez samba / Ninguém jamais cantou”, canta Jorge em “A Tamba”, evocando os seus antepassados negros que vieram da África para o Brasil. A herança da presença africana em terras brasileiras será um tema que Jorge se dedicará com mais intensidade nos anos 1970.

Em 2005, a banda carioca Biquini Cavadão fez uma versão pop para "Chove Chuva"
para o álbum Biquini Cavadão Ao Vivo.

Na faixa seguinte, “Menina Bonita Não Chora”, Jorge banca o cavalheiro consolador e apaixonado: “Vem e deixe de chorar / Pois menina bonita não chora / Eu estou aqui para lhe consolar / O meu amor é forte / Você pode nele confiar / Se você é triste, feliz você será”.

“Por Causa De Você” é outra música de Samba Esquema Novo famosa do repertório de Jorge Ben, e é ela quem encerra com chave de ouro o álbum. Jorge faz uso mais uma vez da expressão “voxê” ao invés de “você”. Em “Por Causa De Você”, o Copa 5 mostra toda a sua habilidade técnica ao mesclar com refinamento samba, bossa nova e jazz. E todo esse refinamento musical do Copa 5 fica explícito no pequeno trecho instrumental no meio da canção, onde o destaque é o solo de piano de Luiz Carlos Vinhas.

Jorge Ben Jor no final dos anos 1960. 

Samba Esquema Novo fez um grande sucesso de público e de crítica. Jorge conseguiu a proeza de gravar um álbum ao mesmo tempo sofisticado e de grande alcance popular. As faixas “Mas Que Nada”, “Chove Chuva”, “Por Causa De Você” e “Balança Pema” se tornaram os grandes sucessos do álbum e projetou o jovem Jorge Ben nas paradas de sucesso de todo o Brasil.

No rastro do sucesso do seu álbum de estreia, Jorge lançou em 1964 dois álbuns, Sacundin Ben Samba e Ben É Samba Bom. Em 1965, a convite do Ministério das Relações Exteriores, vai aos Estados Unidos, e lá passa três meses se apresentando em clubes e universidades. De volta ao Brasil, se aproxima da turma do programa da Jovem Guarda, TV Record, apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa. Por causa disso, Jorge Ben passa a ser hostilizado pela ala mais radical da MPB que via na Jovem Guarda, a representação de uma cultura descartável e alienada. No entanto, essa aproximação com a musicalidade roqueira da Jovem Guarda, ajudou Jorge Ben a direcionar a sua música para uma orientação mais pop dando origem ao samba rock, o que ficaria mais evidente nos álbuns O Bidú - Silêncio No Brooklin (1967) e Jorge Ben (1969).

Em 1966, “Mas Que Nada” alcançou um grande sucesso nos Estados Unidos através da regravação de Sérgio Mendes & Brazil’ 66 que chegou ao 4° lugar na parada Billboard Adult Contemporany. A partir dessa versão, outros tantos artistas internacionais regravaram “Mas, Que Nada”, bem como outras canções de Jorge Ben, o que contribuiu para projeção da carreira do cantor fora do Brasil, despertando interesse do público internacional pela sua obra.

Faixas

Lado A

01 - "Mas Que Nada"
02 - "Tim Dom Dom" (João Mello E Clodoaldo Brito)
03 - "Balança Pema"
04 - "Vem Morena, Vem"
05 - "Chove Chuva"
06 - "É Só Sambar"

Lado B

01 - "Rosa, Menina Rosa"
02 - "Quero Esquecer Você"
03 - "Ualá Ualalá"
04 - "A Tamba"
05 - "Menina Bonita Não Chora"
06 - "Por Causa De Você Menina"

Referências:
Revista Bizz – outubro/1987 – Edição 27
Revista Bizz – setembro/1990 – Edição 62
Revista Bizz – agosto/1999 – Edição 169
Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora e PubliFolha
Wikipedia




Ouça na íntegra o álbum Samba Esquema Novo


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