“Highway To Hell” (Albert/Atlantic Records, 1979), AC/DC




Por Sidney Falcão

Janeiro de 1979. Uma reunião na sede da gravadora Atlantic Records, no Rockefeller Plaza, em Nova York, nos Estados Unidos, teve como pauta o futuro do AC/DC dentro companhia. Presentes na reunião, Jerry Greenberg (presidente da Atlantic Records), Michael Kleffner (um dos executivos da Atlantic) e Michael Browning (empresário do AC/DC). Apesar da boa repercussão na Europa dos recentes álbuns do quinteto australiano naquela época, Let There Be Rock (1977), Powerage (1978) e o ao vivo If You Want Blood You've Got It (1978), esses mesmos trabalhos tiveram um desempenho comercial pífio no mercado norte-americano naquele momento. Na parada norte-americana de álbuns, por exemplo, enquanto Powerage ficou em 133º lugar, Let There Be Rock se posicionou no distante 154º lugar, deixando a Atlantic Records bastante insatisfeita. Se o objetivo da Atlantic, gravadora responsável pelo lançamento mundial dos álbuns do AC/CD era fazer a banda conquistar o mercado dos Estados Unidos, diante daqueles fatos, percebeu-se que havia muito o que fazer para que o desejo se tornasse realidade. E esse desejo não era apenas da companhia, mas também dos próprios membros do grupo, sobretudo, dos irmãos Malcolm e Angus Young, respectivamente guitarrista rítmico e guitarrista solo do AC/DC.

Naquela reunião, Jerry Greenberg cogitou a mudança de vocalista, pois para ele, Bon Scott estaria fora dos padrões radiofônicos norte-americanos. No entanto, a sugestão do presidente da Atlantic foi totalmente rechaçada por Michael Browning, empresário do AC/DC.

Michael Kleffner, o executivo da Atlantic, por sua vez, sugeriu a troca de produtor, uma sugestão bastante difícil: até então, os álbuns da banda eram produzidos pela dupla de produtores Harry Vanda e George Young, e este último, era irmão de Malcolm e Angus Young. Harry e George foram membros dos Easybeats, que nos anos 1960, foi uma das bandas pioneiras do rock australiano, e que após o fim do grupo, passaram a atuar juntos produzindo discos de vários artistas na Austrália. Um dos maiores hits da disco music, “Love Is In The Air”, sucesso mundial de John Paul Young, em 1978, foi produzido por Harry Vanda e George Young, o que demonstra que a dupla em termos de produção, era bastante versátil quanto a estilos musicais. No final da reunião, ficou decidido que a opção para reverter a situação era trocar de produtor.

Easybeats: após o fim da banda, Harry Vanda (de camisa amarela) e
George Young (sentado à esquerda) tornaram-se produtores.

Coube a Kleffner a tarefa de ir até Sydney, na Austrália, contar para George Young que ele, mais o seu parceiro Harry Vanda, não mais seriam os produtores dos álbuns do AC/DC. Kleffner sabia que seria uma tarefa difícil, dado a profunda relação dos irmãos Malcolm e Angus Young com George Young, o irmão mais velho dos dois. Como esperado, George Young revoltou-se com a decisão da Atlantic. Segundo Kleffner, era uma decisão irreversível da gravadora, que ameaçou só continuar investindo na banda se houvesse gente nova na produção. Para o bem do AC/DC, George Young e Harry Vanda acabaram cedendo.

Àquelas alturas, Michael Kleffner já tinha em mente um produtor, o experiente e renomado Eddie Kramer, profissional que já havia trabalhado com grandes estrelas do rock como Beatles, Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Kiss, entre outros artistas.  

Contratado, Eddie Kramer chegou a ir até Sydney para a pré-produção do novo álbum no Albert Studios, onde o AC/DC gravou todos os seus discos até então. Era através da Albert Productions, proprietária do estúdio, que os álbuns do AC/DC eram lançados no território australiano, enquanto que no mercado internacional, era através da Atlantic.

A recepção a Kramer não foi das melhores, e o clima de trabalho entre o novo produtor e os irmãos Young era pesado. Numa tentativa de contornar a situação e deixar as coisas mais amenas, Kramer sugeriu que levassem a banda para Miami e lá gravar o material do novo álbum no Criteria Studios. Talvez Kramer tenha percebido que a sua presença no Albert Studios, lugar onde a dupla de produtores Harry Vanda e George Young fez história produzindo tantos artistas, tenha sido encarada como uma ofensa, um escárnio pelos membros do AC/DC.

Porém, a mudança de local de nada adiantou. A situação difícil não só prosseguiu em Miami como se agravou, a tal ponto de Malcolm Young ameaçar agredir fisicamente Eddie Kramer, caso o mesmo não fosse demitido. Percebendo que as coisas começavam a fugir do controle, o empresário do AC/DC, Michael Browning, decidiu agir. Kramer foi demitido, e para o seu lugar, Browning convidou Robert “Mutt” Lange, um jovem produtor sul-africano radicado no Reino Unido que até aquele momento, havia produzido discos de bandas de fama mediana. Lange começou a ter reconhecimento ao produzir os primeiros álbuns da banda irlandesa Boomtown Rats, liderada pelo vocalista Bob Geldof.

Robert Lange, produtor do álbum Highway To Hell.

Ao contrário do que ocorreu com Eddie Kramer, a recepção do AC/DC a Robert Lange não foi traumática. Embora não tivesse o mesmo prestígio de Eddie Kramer e fosse um profissional jovem, a fama de produtor exigente e perfeccionista de Robert Lange era conhecida por quem já havia trabalhado com ele. Era capaz de exigir que o músico tocasse a mesma peça musical várias até que saísse da maneira que julgasse perfeita. Ainda assim, esse perfil não intimidou os músicos do AC/DC.

Em março de 1979, a banda foi a Londres, Inglaterra, onde recomeçou o processo de gravação do novo álbum no Roundhouse Studios. Para o processo de mixagem, o produtor Robert Lange contou com o apoio de Tony Platt, um engenheiro de som cujo currículo inclui trabalhos com Traffic, Free, The Who, Led Zeppelin, Mott The Hoople, Bob Marley & The Wailers e demais artistas. As gravações do álbum se encerraram em abril de 1979.

O título escolhido para o novo álbum é o mesmo de uma de suas faixas, “Highway To Hell” (“Estrada Para O Inferno”). A música surgiu a partir de uma entrevista que Angus Young deu a um repórter, ainda na época da turnê de 1978, que foi bastante exaustiva. Perguntado sobre como era a vida nas turnês, Angus comparou a uma “estrada para o inferno”.

A partir do título, Highway To Hell, foi concebida a capa do álbum. A edição australiana do álbum saiu com a mesma imagem da banda na edição internacional, mas com uma diferença. Enquanto na edição australiana, a banda aparece envolta em chamas e ao centro surge um braço de baixo elétrico com o título do álbum, a edição internacional de Highway To Hell tem a mesma imagem da banda, porém sem e trazendo uma curiosidade: Angus Young é mostrado com um par de chifres e segurando uma cauda de diabo com a mão direita.

Capa da edição australiana de Highway To Hell.


Quando Highway To Hell foi lançado, em 27 de julho de 1979, a Atlantic Records mostrou-se receosa com reação do público quanto ao título e à capa do álbum. O temor maior era em relação ao público norte-americano. A gravadora temia uma reação negativa por parte do público cristão, o que poderia pôr abaixo todo o esforço empregado no novo trabalho.

“Highway To Hell”, faixa que dá nome ao álbum, é quem abre o disco. Um riff de guitarra que se tornou um dos mais marcantes do rock, faz a introdução da música, e é seguido pela bateria reta de Phil Rudd. Essa introdução teria sido inspirada em “All Right Now”, grande sucesso da banda Free, de 1970. No refrão poderoso de “Highway To Hell”, a voz rasgada de Bon Scott é acompanhada pelos vocais de apoio do guitarrista rítmico Malcolm Young e do baixista Cliff William. Destaque para os solos de guitarra de Angus Young, nos quais a influência de Chuck Berry se encontra com a força do hard rock.

Em “Girls Got Rhythm”, um hard rock contagiante, Bon Scott canta sobre uma garota que possui um poder de sedução e um apetite sexual tão devastadores que são capazes de provocar uma terceira guerra mundial. “Walk All Over You” começa lento, mas depois ganha velocidade e peso, mantendo o ritmo contagiante iniciado pelas duas faixas anteriores. 

“Touch Too Much” é um hard rock clássico, pulsante e possui um grande apelo radiofônico, bem ao gosto do público roqueiro norte-americano. A letra de “Touch Too Much” refere-se a uma mulher com rosto de anjo e sorriso de pecado, que tem um poder de enlouquecer qualquer homem com suas mãos. Como ela leva alguém à loucura através das mãos, fica por conta da imaginação do ouvinte.

Fechando o lado A da versão LP de Highway To Hell ,“Beating Around The Bush”, um hard rock com ligeira acentuação bluesy. A letra desta música alerta que um rosto lindo e sorridente de uma garota, pode esconder o perfil de uma pessoa falsa e dissimulada. O som vigoroso de “Beating Around The Bush” e o canto rasgado de Scott, antecipam em oito anos o que os Guns N’ Roses fariam em Appetite For Destruction.

AC/DC em 1979, da esquerda para a direita: Malcolm Young, Bon Scott,
Angus Young, Cliff Williams e Phil Rudd.

“Shot Down In Flames” é um hard rock afiado e poderoso que abre o lado B de Highway To Hell. A letra da música conta a história de um sujeito desesperado e carente de sexo que sai à noite pelas ruas da cidade em busca de alguma mulher que possa saciar o seu furor sexual. Porém, ele é rejeitado por todas as mulheres que encontra pelo caminho. Bon Scott canta o refrão parecendo extrair a sua voz das suas entranhas. Enquanto isso, o jovem Angus Young mostra todo o seu poder de guitarrista virtuoso.

Em “Get It Hot”, o AC/DC pega o velho formato rock’n’roll, e injeta peso e agressividade. Nesta música, Scott propõe à sua garota passar momentos juntos e animados, sem som de Barry Manilow ou soul music, apenas rock’n’roll.

“If You Want Blood (You've Got It)” tem ritmo rápido, uma guitarra base econômica executada por Malcolm Young, e os vocais berrados de Bon Scott acompanhados pelos vocais de apoio dos colegas de banda. Angus Young “costura” a música com os seus solos demolidores de guitarra.

“Love Hungry Man” é a música mais “romântica” presente no álbum. Como o próprio título sugere, trata-se da fome de amor de um homem por uma mulher. A letra é tosca, rude, mas expressa um sentimento de amor e desejo, o que comprova aquela máxima que “os brutos também amam”.

O álbum se encerra com “Night Prower”, um blues rock sobre um homem que invade sorrateiramente à noite o quarto de uma mulher que dorme despida. A letra possui versos muito bem construídos, que descrevem de maneira quase cinematográfica todo o trajeto feito pelo night prowler (“gatuno noturno”) até chegar ao seu destino.

Lamentavelmente, “Night Prowler” ganhou uma injusta má fama com a repercussão dos assassinatos em série cometidos pelo serial killer Richard Ramirez em Los Angeles, em meados dos anos 1980. O assassino se dizia fã do AC/DC, e teria cometido os crimes vestido com a camisa da banda. Segundo relatos, “Night Prowler” era a canção favorita de Ramirez, levando a imprensa a chamar o assassino pela alcunha de “Night Stalker” (“Perseguidor Noturno”). A banda se pronunciou na época e disse que a música nada tem a ver com assassinatos em série. Em 1989, Ramirez foi julgado e condenado a pena de morte através de câmara de gás. Após anos na fila da pena de morte, ele acabou morrendo de câncer, em 2013, no hospital da Penitenciária Estadual de San Quentin, na Califórnia, onde viveu encarcerado após o seu julgamento.

Richard Ramirez, o "Night Stalker", assassino em série que dizia ser fã do AC/DC.

Highway To Hell teve uma boa recepção por parte da crítica. O New Music Express (popularmente conhecido como NME) teceu elogios ao álbum do AC/DC, a tal ponto de publicar em letras garrafais: “O MAIOR DISCO JÁ GRAVADO”.

Assim como a imprensa musical, quem também gostou de Highway To Hell foi o público. Embora na sua terra natal do AC/DC, a Austrália, tenha ficado em 13º lugar na parada de álbuns, no Reino Unido, Highway To Hell chegou ao 8º lugar.

Nos Estados Unidos, os resultados eram muito mais do que animadores, ainda que a capa do álbum tenha chocado uma parcela dos norte-americanos mais conservadores. Highway To Hell alcançou o posto de 17º lugar da Billboard 200. As vendas do álbum nos Estados Unidos eram tão expressivas como jamais havia acontecido com os álbuns anteriores naquele país. No final de 1979, Highway To Hell já havia ultrapassado a marca de 1 milhão de cópias vendidas, levando o AC/DC a ser contemplado com o seu primeiro disco de platina nos Estados Unidos. No total, Highway To Hell vendeu mais 7 milhões de cópias apenas no mercado norte-americano. Finalmente, a banda australiana havia realizado o sonho da conquista da América.

O sucesso comercial de Highway To Hell não foi só importante para o AC/DC, mas também para o jovem produtor Robert Lange. Highway To Hell abriu portas para a sua carreira de produtor. Lange produziu os álbuns seguintes do AC/DC, como o antológico Back In Black (1980). Ao longo da sua carreira, Robert Lange produziria os álbuns de artistas consagrados e dos mais diversos estilos musicais como Def Leppard, Foreigner, Bryan Adams, The Cars, Shania Twain (com que foi casado), The Corrs, Muse e Maroon 5.

Enquanto o álbum era bem avaliado pela crítica e seguia muito bem nas vendas, o AC/DC caia na estrada ao dar início em agosto de 1979, à Highway To Hell Tour, turnê promocional do álbum e que passou por Bélgica, Inglaterra, Irlanda, Alemanha, França, Irlanda do Norte, Escócia, Holanda, Suíça e Estados Unidos. A turnê chegou ao fim 27 de janeiro de 1980 com o show no Gaumont Theatre, em Southampton, Inglaterra. O que ninguém imaginava é que aquela vitoriosa turnê era a última de Bon Scott como vocalista do AC/DC, ou melhor, a última turnê de sua vida.

Show do AC/DC no Ulter Hall, em Belfast, Irlanda, em agosto de 1979.

Com o encerramento da Highway To Hell Tour, o AC/DC ainda teve alguns compromissos profissionais (entrevistas, apresentações em programas de TV), e depois cada um dos integrantes foi liberado para um merecido descanso após uma turnê tão desgastante. Mas logo deveriam estar à ativa, pois iriam preparar material para um novo álbum.

Na segunda quinzena de fevereiro de 1980, semanas após o fim da Highway To Hell Tour, Bon Scott estava em Londres a passeio. Na noite do dia 18 de fevereiro, Scott saiu com Alistair Kinnear, um amigo de sua ex-namorada. Kinnear foi com seu carro buscar Scott, e depois seguiram juntos para aproveitar a vida noturna londrina, assistindo a um show de uma banda de rock num pub em Camden Town, bairro boêmio da capital inglesa. Scott e Kinnear passaram a noite e parte da madrugada tomando várias rodadas de bebida.

Ao retornarem da farra, Kinnear foi levar Bon Scott de volta para sua casa, mas ao chegar lá, percebe que o cantor está adormecido. Como não consegue tirá-lo do carro, Kinnear decide leva-lo para a sua própria casa. Mais uma vez, Kinnear não consegue tirar Scott do carro. Prefere então deixa-lo no veículo dormindo, e ele segue sozinho para sua casa para dormir naquela madrugada gelada.

Horas mais tarde, já no dia 19 de fevereiro, Alistair Kinnear retorna ao seu carro para buscar Bon Scott, e percebe que ele estava inconsciente. Kinnear o levou às pressas a um hospital onde foi confirmada a sua morte, aos 33 anos de idade. Segundo o atestado de óbito, Bon Scott teria morrido por uma intoxicação alcoólica, consequência da noitada regada a muita bebedeira. Justamente quando o AC/DC vivenciava o seu melhor momento até então, a banda leva um duro golpe e perde o seu vocalista talentoso e carismático.

Bon Scott: morte no auge da carreira.

A perda de uma figura como Bon Scott levou muita gente a imaginar que a banda chegaria ao fim. Contudo, seus membros acreditavam que nem mesmo o próprio Scott desejaria isso. E por causa disso, a banda decidiu vivenciar o luto, manter-se de pé e seguir em frente. Em março de 1980, começaram as audições com novos candidatos à vocalista.

O escolhido foi o Brian Johnson, ex-vocalista da banda Geordie. Em abril, o AC/DC já estava nas Bahamas, no Compass Point Studios , gravando o sucessor de Highway To Hell e contando com Robert “Mutt” Lange na produção. Três meses depois, em julho de 1980, o novo álbum, intitulado Back In Black, era lançado e mostrava uma banda que estava se refazendo das dores da perda e disposta a encarar novos desafios: superar o sucesso de Highway To Hell e seguir o seu caminho sem Bon Scott. Back In Black se tornou um dos maiores sucessos comerciais da história do rock pesado, vendeu mais de 50 milhões de cópias, se tornando o segundo disco mais vendido em todos os tempos, superado apenas pelos mais de 65 milhões de cópias de Thriller, de Michael Jackson.

Faixas

Lado A

  1. "Highway to Hell"
  2. "Girls Got Rhythm"
  3. "Walk All Over You"
  4. "Touch Too Much"
  5. "Beating Around the Bush"

Lado B

  1. "Shot Down In Flames"
  2. "Get It Hot"
  3. "If You Want Blood (You Got It)" 
  4. "Love Hungry Man" 
  5. "Night Prowler" 

Todas as canções foram compostas por Angus Young, Malcolm Young e Bon Scott.

AC/DC: Bon Scott (vocais), Angus Young (guitarra solo e guitarra rítmica), Malcolm Young (guitarra rítmica e vocal de apoio), Cliff Williams (baixo e vocal de apoio)
Phil Rudd (bateria, percussão).

Referências:
Revista Bizz – maio/1998 – Edição 154
Revista Classic Rock Magazine – Special Edition: AC/DC – 2017
Revista Classic Rock Magazine - março/2019 – Edição 260
Wikipedia


"Highway To Hell"(videoclipe original)


"Girls Got Rhythm"


"Walk All Over You" (videoclipe original)


"Touch Too Much" (videoclipe original)


"Beating Around The Bush"


"Shot Down In Flames" (videoclipe original)


"Get It Hot"


"If You Want Blood (You Got It)"
(videoclipe original)


"Love Hungry Man"


"Night Prowler"




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