“Private Dancer” (Capitol, 1984), Tina Turner


Poucas cantoras negras norte-americanas transitaram tão bem entre o soul, o blues e o rock como Tina Turner. A maioria delas, como acontece até hoje, concentram o seu trabalho no campo da soul music e R&B. Tina foi além, e é uma das pouquíssimas cantoras negras a cantar rock, chegando até mesmo a ser uma influência para uma contemporânea sua, Janis Joplin (1943-1970).

Tina despontou para o sucesso nos anos 1960, ao lado do cantor, compositor, músico, e também marido, Ike Turner (1931-2007). Contudo, as brigas, as bebedeiras e o abuso de drogas de Ike, culminaram para a decadência da dupla. Tina sofreu muito nas mãos de Ike, que a espancava bastante. Por volta de 1975, divorcia-se de Ike e recomeça a sua carreira praticamente do zero. Naquele ano, participou do filme Tommy, baseado na ópera rock do The Who, onde encarnou o papel de Acid Queen

Entre 1978 e 1981, Tina lançou os álbuns solos Rough (1978) e Love Expression (1979), ambos verdadeiros fracassos em vendas. A situação estava tão difícil para a cantora que ela chegou a trabalhar fazendo faxina para poder pagar o aluguel.

A partir do começo dos anos 1980, sua carreira foi recomeçando aos poucos. Em 1981, foi convidada por Rod Stewart para abrir sua turnê. Depois recebeu um convite para abrir três shows dos Rolling Stones. Seguiu-se depois uma temporada na casa noturna The Ritz, em Nova York, e turnês na Europa. Tina retomava progressivamente a sua carreira.

Ike e Tina Turner: apesar da fama, o relacionamento do casal era o pior possível,
marcado por brigas e ataques de fúria de Ike contra Tina.

Com o apoio de David Bowie e o empenho do produtor musical John Carter, em 1983, Tina Turner conseguiu assinar um contrato com a gravadora Capitol Records para a gravação de singles, ainda que a contratação dela tivesse sofrido oposição de algumas pessoas de dentro da gravadora.  Em novembro daquele ano, era lançado o single de “Let’s Stay Together”, uma regravação de um grande sucesso de Al Green, de 1971. A versão de Tina fez um enorme sucesso, alcançado o 26º lugar da Billboard Hot 100, nos Estados Unidos. Foi ainda 1º lugar na parada Hot Dance Club Songs, da Billboard, nos Estados Unidos, e 6º lugar na parada de singles do Reino Unido.

O sucesso inesperado do single fez a Capitol fazer uma aposta maior em Tina, oferecendo-lhe um contrato para três álbuns. Contando com o apoio de vários produtores, dentre os quais John Carter, o produtor que levou Tina para a Capitol, o álbum foi gravado em Londres em alguns dos melhores estúdios da capital inglesa. 

Intitulado Private Dancer, o quinto álbum da carreira de Tina Turner foi lançado em 29 de maio de 1984. O álbum apresenta um Tina Turner musicalmente mais contemporânea, diferente dos tempos em que atuava com o seu ex-marido Ike Turner. A recepção da crítica foi bastante positiva. A revista Rolling Stone afirmou na época que o álbum era um retorno poderoso de Tina Turner.

Propaganda do single de "Let's Stay Together" numa revista, em novembro de 1983,
que marcou o renascimento da carreira artística de Tina Turner.

O repertório de Private Dancer é baseado em no pop, rock, soul, e percebe-se uma grande ênfase nos sintetizadores, o que fez aproximar a cantora da sonoridade do synthpop, mas sem que com isso, diminuísse a presença das guitarras do rock no disco. Além de faixas inéditas até então, o álbum trouxe regravações de sucessos de outros artistas, como uma releitura surpreendente de “Help!”, dos Beatles.

A primeira faixa de Private Dancer é “I Might Have Been Queen”, um rock polido e dançante  que a julgar pela letra, parece fazer uma referência, mesmo metaforicamente, à vida de Tina Turner. Trata da necessidade nos renovarmos, de nos reinventarmos, como se a cada momento de renovação fosse uma nova vida.

“What’s Love Got To Do With It” é uma das faixas mais famosas do álbum. Curiosamente, essa música por muito tempo foi oferecida a várias aristas, mas todos a recusaram como Cliff Richards e Donna Summer. A canção romântica e versos simples, caiu nas mãos de Tina e se tornou um enorme sucesso mundial. Seu single foi 1º lugar na Billboard Hot 100 nos Estados Unidos por três semanas.

“Show Some Respect” é um pop rock cuja letra diz muito sobre o empodeiramento feminino. A letra trata de uma mulher que quer o seu espaço, trabalha com seu companheiro de maneira igual e respeito mútuo, o que leva a crer que a “Show Some Respect” é mais uma faixa que faz alusão à vida de Tina Turner e o seu relacionamento difícil e sofrido que ela teve com Ike Turner.

A chuva na janela que traz recordações de um antigo amor é o tema central da faixa seguinte, “I Can’t Stand The Rain”, uma regravação de um antigo sucesso de Ann Peebles, de 1973. Diferente da versão original que era mais voltada para o soul, a versão de Tina tendeu mais para o pop e dando muita ênfase aos sintetizadores e programações eletrônicas bem ao estilo do synthpop dos anos 1980. 

“Private Dancer”, faixa que dá nome ao álbum, foi composta por Mark Knopfler, vocalista e guitarrista do Dire Straits. A música a princípio seria gravada pelo Dire Straits para o seu álbum Love Over Gold, de 1982. Mas como a letra é narrada do ponto de vista de uma mulher, Knopfler acreditava que a canção soaria melhor na voz de uma cantora, acabou engavetada, e pouco tempo depois, foi oferecida para Tina Turner gravar. A letra trata de uma mulher que ganha a vida dançando todas as noites com vários homens, mas sem ter nenhum tipo de envolvimento. “Private Dancer” foi uma das faixas mais tocadas do álbum no rádio. Seu single foi 7º lugar na parada da Billboard Hot 100, nos Estados Unidos. Uma curiosidade nessa música é que quem acompanhou Tina Turner na gravação foi a banda Dire Straits, exceto o guitarrista Mark Knopfler que estava na época gravando o álbum Boys and Girls, de Bryan Ferry. Em seu lugar, Jeff Beck fez os solos de guitarra.

"Private Dancer", de Mark Knopfler, quase foi gravada pelo Dire Straits em 1982 no álbum Love Over Gold.
Mas foi banda de apoio para a versão de Tina Tuner no álbum Ptivate Dancer.

Sucesso na voz de Al Green, em 1971, “Let’s Stay Together” foi regravada por Tina Turner como 1º single do seu ressurgimento como artista no final de 1983, quando tinha um contrato com a Capitol que previa apenas o lançamento de singles. A versão de Tina tem um arranjo pop em que os sintetizadores e a percussão se destacam, com inserções de solos de saxofone. 1º lugar na Billboard Hot 100, nos Estados Unidos, e 6º lugar na parada de singles no Reino Unido, a versão de Tina para “Let’s Stay Together” fez a música voltar às paradas de sucesso mundiais.

“Better Be Good To Me” foi gravada originalmente em 1981 pela Spider, banda norte-americana de pop rock. A versão de Tina segue o mesmo estilo da versão da Spider, porém ganhou um pouco mais de peso e vibração. Teve um bom desempenho comercial: foi 5º lugar na Billboard Hot 100, nos Estados Unidos e 6º lugar na parada de singles no Canadá.

“Steel Claw” é um pop rock que possui um ritmo veloz e frenético. Tina canta acompanhada outra vez do Dire Strais, e Jeff Beck ocupando o lugar de Mark Knopfler. Tina mostra que além do soul, domina a postura de cantora de rock. Beck faz um solo de guitarra agressivo na medida certa para um pop rock. 

A próxima faixa é uma versão regravação de “Help!”, grande sucesso dos Beatles, que na versão de Tina Turner ganhou um arranjo completamente diferente da original. Se com os Beatles “Help!” era um rock juvenil e vibrante, com Tina, a música ganhou um embalagem gospel arrepiante. Tina canta de maneira dramática, com a alma, acompanhada um belo grupo vocal de apoio.

O álbum se encerra com mais uma regravação, “1984”, sucesso de David Bowie de 1974. Com uma base instrumental essencialmente eletrônica, a versão de Tina para o sucesso do “Camaleão do Rock” conta com imponentes vocais de apoio.

Bem avaliado pela crítica, Private Dancer conquistou o público e teve um desempenho comercial fabuloso, que talvez nem mesmo a gravadora Capitol esperava. O álbum vendeu mais de 10 milhões de cópias na época, e ao longo do tempo, alcançou a marca de 20 milhões de cópias. É de longe o álbum mais vendido da carreira de Tina Turner.

O sucesso comercial de Private Dancer motivou Tina Turner a promover uma imensa turnê mundial, a Private Dancer Tour, que começou em fevereiro e encerrou-se em dezembro de 1985, que contou com 177 shows e passou pela Europa, Canadá, Estados Unidos, Austrália e Japão.

Tina Turner recebe David Bowie como convidado num show em Birmingham, Inglaterra,
durante a Private Dancer Tour, em 1985.

Se o ano de 1984 foi bom, representou o renascimento de Tina Turner, o ano de 1985 foi o ano de reconhecimento. Private Dancer concorreu ao prêmio Grammy, correndo em seis categorias, e vencendo em quatro: “Melhor Performance Vocal de Rock Feminino” (por “Better Be Good To Me”), “Melhor Performance Vocal Pop Feminino” (por “What’s Love Got To Do With It”), “Gravação do Ano”(por “What’s Love Got To Do With It”) e “Canção do Ano” (por “What’s Love Got To Do With It”).

Além do sucesso na música, Tina teve tempo naquele ano para brilhar nas telas de cinema no filme Mad Max – Beyond Thunderdone (no Brasil Mad Max – Além da Cúpula do Trovão), de George Miller e George Ogilve, e estrelado por Mel Gibson. Tina comparece na trilha sonora com duas músicas, “We Don't Need Another Hero (Thunderdome)” e “One Of The Living”. “We Don't Need Another Hero (Thunderdome)” tornou-se um grande sucesso nas rádios de todo o mundo, e foi indicada a “Melhor Canção Original” no Golden Globe, e “Melhor Performance Vocal Pop Feminina”, ambas indicações em 1986. 

Depois do bem sucedido Private Dancer, Tina Turner lançou ainda em 1986 seu sexto álbum solo Break Every Rule, que deu prosseguimento ao sucesso do álbum anterior, vendendo mais de 12 milhões de cópias mundialmente, amparado nas faixas “Typical Male”, “Two People” e “Paradise Is Here” que tiveram grande veiculação radiofônica.

Faixas
  1. "I Might Have Been Queen" (Rupert Hine - Jeanette Obstoj - Jamie West-Oram)
  2. "What's Love Got to Do With It" (Terry Britten - Graham Lyle)
  3. "Show Some Respect" (Britten - Sue Shifrin)
  4. "I Can't Stand The Rain" (Don Bryant - Bernard Miller - Ann Peebles)
  5. "Private Dancer" (Mark Knopfler)
  6. "Let's Stay Together" (Al Green - Al Jackson Jr. - Willie Mitchell)
  7. "Better Be Good To Me" (Mike Chapman - Nicky Chinn - Holly Knight)
  8. "Steel Claw" (Paul Brady)
  9. "Help!" (John Lennon - Paul McCartney)
  10. "1984" (David Bowie)

"I Might Have Been Queen" 


"What's Love Got to Do with It" (videoclipe oficial)


"Show Some Respect" 


"I Can't Stand The Rain" 


"Private Dancer" (videoclipe original)


"Let's Stay Together" (vídeo gravado ao vivo)


"Better Be Good To Me" (videoclipe original)


"Steel Claw"




"1984"






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