“Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins” (Universal Music, 1997), Ed Motta


A relação de Ed Motta e a gravadora Warner chegava ao fim de maneira melancólica por volta de 1993. O cantor carioca já estava naquela companhia desde 1988, quando fazia parte da Ed Motta & Conexão Japéri, e naquele ano lançava o primeiro e homônimo álbum que trouxe os hits “Manuel”, “Vamos Dançar” e “Baixo Rio”. A Warner estava insatisfeita com o desempenho comercial do então mais recente álbum solo de Ed Motta, Entre E Ouça, de 1992, que apesar de bem avaliado pela crítica, foi um fracasso em vendas, mal ultrapassando a marca das 5 mil cópias comercializadas.

Ed Motta também mostrava-se pouco à vontade com as pressões da gravadora. Como Motta ainda devia um álbum, a companhia decidiu facilitar as coisas para encerrar o contrato e lançou em 1993, um álbum gravado ao vivo a partir de um show da turnê do álbum Um Contrato Com Deus, lançado em 1990, o que só ratifica o desprestígio de Entre E Ouça perante a gravadora. E foi tudo feito às pressas, nem se quer o cantor deu palpite para a capa do disco. No final das contas, parece que foi um alívio para ambas as partes.

Aliviado, como se tivesse se livrado de um peso nas costas, Ed Motta arrumou as malas e embarcou para os Estados Unidos com sua esposa, onde foram morar em Nova York por um ano. O período em que morou nos Estados Unidos foi bastante proveitoso para o soulman brasileiro: manteve contato com músicos norte-americanos e até chegou a gravar com alguns desses músicos, como o baterista Bernard Purdie, o tecladista Paul Griffin e com os baixistas Chuck Rainey e Eddie Gomez, material para um disco. Todo esse material foi gravado no estúdio de um dos seus ídolos, o tecladista Donald Fagen, da banda Steely Dan. Porém, o tal disco nunca foi lançado. A morada em Nova York fez Motta desperta o seu gosto pela música brasileira, e por incrível que pareça, o fez redescobrir a MPB. Logo Ed Motta que por várias vezes demonstrou ser avesso à MPB, preferindo claramente a música norte-americana. Chico Buarque, Edu Lobo, Tom Jobim e Guinga, passaram a fazer parte do amplo gosto musical de Ed Motta.

Detalhe da capa do álbum Entre E Ouça, de 1992: elogiado pela crítica, fracasso em vendas.

Em 1995, Ed Motta estava de volta ao Brasil, sem ter conseguido realizar sonho de lançar o disco que gravou nos Estados Unidos, e o pior, voltou endividado e continuava sem gravadora. Por um lado a experiência nos Estados Unidos foi frustrante, por outro foi positiva pela sua redescoberta da música brasileira. Isso havia se tornado um fator motivador para criar e produzir coisas novas. Chegou até a compor uma canção com Aldir Blanc, parceiro antigo de João Bosco. Compôs em 1996 a trilha sonora do filme Pequeno Dicionário Amoroso, de Sandra Werneck. Se apresentou ao lado da Orquestra Jazz Sinfónica, do maestro Nélson Ayres. Ed Motta chegou a fazer uma turnê internacional, passando por Buenos Aires, Nova York, Boston, Miami, Londres, Roma e Paris.

A situação começou a mudar para Ed Motta em 1997, quando surgiu o convite da gravadora Universal Music. Sem gravadora havia cerca de quatro anos, Ed Motta assinou com aquela companhia. No entanto, a gravadora queria que o novo disco do cantor fosse de sucessos, um trabalho “palatável”, que agradasse as massas, algo na linha do que ele fazia na época da Conexão Japeri como os hits “Manuel” e “Vamos Dançar”. Isso significava que Ed teria que abrir mão do seu projeto de gravar um disco com influência de MPB, algo que lhe daria satisfação, porém venderia poucos discos. Como se isso não bastasse, a gravadora exigiu que o disco fosse produzido por um produtor indicado por ela e não pelo próprio Ed Motta. Foi um golpe duro para o cantor já que ele produziu todos os discos que gravou, desde o gravado com a Conexão Japeri até o Entre E Ouça. Ou era isso ou Ed Motta ficaria mais uma vez sem gravadora e correria o risco de ficar mais um tempo na penúria.

Com contrato assinado e tendo que fazer o que o contrato exigia, Ed Motta entrou no legendário estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro, para gravar um álbum de inéditas após cinco anos. Na produção, o mago dos estúdios, o produtor Liminha, que fora contratado pela Universal Music. Ed Motta montou o repertório do novo álbum com composições de gente do nível de Ronaldo Bastos, Rita Lee, Zélia Duncan, Marcelo Yuca e Chico Amaral. Com alguns deles, Motta firmou parceria.

Para atender o que a Universal Music queria e para compensar os fãs pelos cinco anos sem um álbum novo seu, Ed Motta estava focado em gravar um álbum essencialmente pop, acessível, dançante, mas ao mesmo tempo bem elaborado, sofisticado. Exigente, Motta cercou-se de músicos consagrados e talentosíssimos, dentre os quais o tecladista e arranjador Lincoln Olivetti, o saxofonista Léo Gandelman, o também tecladista William Magalhães, o percussionista Marcos Suzano e o trombonista Serginho Trombone. Apesar da dedicação, do profissionalismo, Ed Motta gravou o álbum a contragosto, e sentiu-se tão incomodado que o cantor foi parar no hospital por causa de pólipo, tamanho foi o stress no processo de gravação.

O produtor Liminha, tecladista e arranjador Lincoln Olivetti e e o saxofonista Léo Gandelman
(da esquerda para a direita): colaboradores que trabalharam na concepção
de Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins.

Intitulado Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins, o álbum foi lançado por volta do começo do segundo semestre de 1997. Ed Motta cumpriu com maestria o que a gravadora queria: um álbum pop, dançante, comercial. Mesmo sendo um trabalho que ia de encontro ao que ele realmente pretendia, Motta fez um trabalho caprichado, muito bem produzido e arranjado. O cantor conseguiu fazer um álbum comercial e ao mesmo tempo bem elaborado, e que musicalmente gira entorno de R&B, soul music, funk e disco music. Há espaço até para o reggae. Em entrevista para a o jornal Folha de S. Paulo, em outubro de 1997, Ed Motta demonstrava aparentemente estar motivado com a proposta do trabalho recém-lançado: "Esse disco é extremamente pop, e eu quero que atinja o maior número possível de pessoas, mas com bastante requinte, como um filme de Frank Capra".

A faixa “Daqui Pro Méier” abre o álbum, e mostra a que veio Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins. Composta por Chico Amaral e Ed Motta, “Daqui Pro Méier” traz de volta a atmosfera da disco music dos anos 1970, mas com uma leitura mais contemporânea. Os arranjos de cordas ficaram por conta de Lincoln Olivetti.

“Vendaval” é uma balada soul de Ed Motta e Ronaldo Bastos, parceria que viria se tornar bastante produtiva. Motta canta de maneira sutil a dor de alguém que perdeu o seu amor para outra pessoa: “Tá tudo bem, mas não me leve a mal / Pintou alguém que lhe tirou do normal Ligo a TV, pra não me ver, me ver chorar / Pra que fingir, que tudo está tudo bem?”

O funk pop “Fora da Lei” é fruto da parceria de Ed Motta e Rita Lee. A música possui uma base toda eletrônica e dançante. É sem sombra de dúvidas, a faixa mais famosa do álbum e um dos maiores sucessos da carreira de Ed Motta. A faixa seguinte, “Lustres e Pingentes”, mantém o clima contagiante em alta com sua base sampleada de “Try My Side (Of Love)”, hit do grupo norte-americano Chi-Lites, de 1982. “Birinaite”, de Motta e Marcelo Yuka (então baterista d’O Rappa) é um funk com batida contemporânea, e traz um refrão que é um convite irresistível ao ouvinte para o baile: “Birinaite à vontade bom encontrar de novo você / toda comunidade dança pra se sentir melhor”.

Após uma sequência de três faixas dançantes, chega “Por Você Ser Mais”, uma balada romântica soul relaxante, dotada de uma base instrumental sofisticada e de uma letra que trata o amor como um jogo: “Percebi seu jogo / Mas pago pra ver / Por você ser mais / Perder me faz contente Se eu ganhar você”.

O reggae “Como Dois Cristais”, de Ed Motta e Ronaldo Bastos, é a faixa que destoa de todo o resto do álbum, mas não compromete. A introdução foi sampleada da de “Jah Dread”, de Augustus Pablo, sucesso do reggaeman de 1979.

“A Flor do Querer” é outra faixa do álbum inspirada na disco music dos anos 1970, com belo arranjo de cordas e de metais. “Dias de Paz” é um funk que possui uma incrível e pulsante linha de baixo, bem marcada e robusta, que faz da faixa uma das melhores do disco.

Na faixa “A Loja do Subsolo”, Ed Motta demonstra todo seu potencial nos improvisos vocais. Ed Motta faz incrivelmente todas as vozes, numa música que não possui letra, só improvisos vocais que imitam vários instrumentos como guitarra com efeito wah-wah  e bateria.

“Luna e Cera” é um R&B de Chico Amaral e Ed Motta que possui um refrão em italiano, e que no final um piano elétrico faz um bonito diálogo instrumental com os outros instrumentos. “Mentiras Fáceis” é um R&B com batida eletrônica em ritmo rápido, com à sessão de metais fazendo a costura ao longo da música. 
   
“Falso Milagre do Amor”, outra parceria de Ed Motta e Ronaldo Bastos, Motta mostra a sua veia jazzística nos arranjos deste R&B romântico, de batida eletrônica lenta. A presença jazzística na faixa se manifesta no piano e no trombone. A música fez parte da trilha sonora do filme Pequeno Dicionário Amoroso, de Sandra Werneck, de 1997.

Daniel Dantas e Andréa Beltrão, em cena de Pequeno Dicionário Amoroso, filme que contou com
canção de Ed Motta, "Falso Milagre do Amor". 

O romantismo prossegue em “Quais Serão Meus Desejos?”, uma canção com um belíssimo arranjo instrumental, que traz sessões de cordas e de metais muito bem executados, e uma interpretação impecável de Ed Motta.   
          
“Cartão de Visita” é tão somente uma vinheta com Ed Motta fazendo vocalizações acompanhado do piano elétrico. Fechando o álbum, uma reprise de “Falso Milagre do Amor”.

A recepção de Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins por parte do público e da crítica foi a melhor possível. “Fora da Lei” foi de longe, a mais executada do álbum nas rádios de todo o Brasil, e até figurou na trilha sonora da novela Por Amor, da TV Globo, em 1998. “Vendaval” foi outra faixa de Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins que também foi bastante veiculada nas emissoras de rádio. Ainda hoje, tanto “Fora da Lei” como “Vendaval”, são bastante tocadas nas rádios FM dirigidas ao público de MPB e pop adulto. “Daqui Pro Méier” também teve boa execução radiofônica.

O sucesso dessas faixas impulsionou as vendas de Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins que chegou à marca das 300 mil cópias, o que tornou o álbum o mais vendido da discografia de Ed Motta. Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins recebeu vários elogios da crítica na época. É considerado um dos melhores álbuns do pop brasileiro dos anos 1990.

Na esteira do sucesso de Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins, seguiram-se Remixes & Aperitivos (1998), álbum com versões remix dos sucessos de Ed Motta, e As Segundas Intenções do Manual Prático (2000), que trouxe o hit “Colombina” e que era uma espécie de continuação de Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins, mas que não conquistou o mesmo êxito comercial.

Embora tenha feito um grande sucesso, ter conquistado a imprensa e o público, Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins é hoje desprezado por Ed Motta. Apesar das suas opiniões favoráveis ao álbum na época de seu lançamento, nos últimos anos, Motta vem fazendo revelações sobre o período em que gravou o álbum e das dificuldades que passou para gravá-lo, contrariando o desejo que tinha em gravar um álbum com outro tipo de proposta, diferente da imposta pela gravadora e que acabou se firmando. O cantor revelou que durante as gravações, sua frustração e stress durante as gravações foram tão intensos que ele chegou a ser internado no hospital para a retirada de um pólipo. Em entrevista para o jornalista Sérgio Martins, da revista Veja, em abril de 2015, Ed Motta afirmou que Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins não o representava, e que esteticamente, não era o que queria fazer, e que o seu desejo era gravar um disco sob a influência da MPB, e de artistas desse gênero como Tom Jobim, Chico Buarque, Guinga entre outros.

Manual Prático Para Festas, Bailes E Afins é um dos casos raros na música pop onde o artista despreza completamente a sua obra de maior sucesso.

Faixas
  1. "Daqui Pro Méier" (Ed Motta – Chico Amaral)
  2. "Vendaval" (Ed Motta – Ronaldo Bastos)
  3. "Fora da Lei" (Ed Motta – Rita Lee)
  4. "Lustres e Pingentes" (Ed Motta – Chico Amaral)
  5. "Birinaite" (Ed Motta - Pedro Luís - Marcelo Yuka – Kassin)
  6. "Por Você Ser Mais" (Ed Motta – Ronaldo Bastos)
  7. "Como Dois Cristais" (Ed Motta – Ronaldo Bastos – Augustus Pablo)
  8. "A Flor do Querer" (Ed Motta – Ronaldo Bastos)
  9. "Dias de Paz" ­(Ed Motta – Ronaldo Bastos)
  10. "A Loja do Subsolo" (Ed Motta)
  11. "Luna e Cera" (Ed Motta – Chico Amaral)
  12. "Mentiras Fáceis" (Ed Motta – Zélia Duncan)
  13. "Falso Milagre do Amor" (Ed Motta – Ronaldo Bastos)
  14. "Quais Serão Meus Desejos?" (Ed Motta – Zélia Duncan)
  15. "Cartão de Visita" (Ed Motta)
  16. "Falso Milagre do Amor" (Faixa bônus) (Ed Motta – Ronaldo Bastos)

"Daqui Pro Méier" (videoclipe com 
as principais faixas do álbum 
Manual Prático Para Festas, 
Bailes E Afins


"Daqui Pro Méier"


"Vendaval"


"Lustres E Pingentes"


"Birinaite"


"Por Você Ser Mais"


"Como Dois Cristais" (música incidental: 
"Jah Dread")


"A Flor do Querer"


"Dias de Paz"


"A Loja da Paz"


"Luna e Sera"


"Mentiras Fáceis"


"Falso Milagre do Amor"


"Quais Serão Meus Desejos"


"Cartão de Visita"


"Falso Milagre do Amor"
















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