“The Beatles” (Apple,1968), The Beatles


O ano de 1967, marcado para os Beatles pelo sucesso revolucionário do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, encerrou-se com o lançamento do filme produzido especialmente para TV, Magical Mistery Tour, que estreou no canal BBC 1, na Inglaterra, em 26 de dezembro daquele ano. Mas ao contrário do que imaginava o quarteto de Liverpool, o filme foi massacrado pela imprensa inglesa por críticas pesadas, principalmente em relação ao roteiro, tido como sem sentido e confuso. O filme foi acompanhado do lançamento da trilha sonora que leva o mesmo nome do filme. Enquanto no Reino Unido foi lançada como um EP duplo com seis faixas no total, nos Estados Unidos foi lançada como um LP de onze faixas. Magical Mistery Tour, o álbum, encerra a fase psicodélica dos Beatles, fechando um ciclo iniciado com Revolver, em 1966.

Em fevereiro de 1968, uma viagem marcaria uma nova etapa na carreira dos Beatles. O quarteto inglês parte para Rishikesh, uma cidade do norte da Índia próxima às montanhas do Himalaia. Acompanhados de uma comitiva formada por celebridades como Mike Love e Brian Wilson (dos Beach Boys), o cantor Donovan, a atriz Mia Farrow e a sua irmã Prudence Farrow, e mais outras convidados, os Beatles foram participar de um retiro espiritual no centro de meditação do famoso guru indiano Maharishi Mahesh Yogi (1918-2008). Para essa viagem, cada membro dos Beatles foi acompanhado de suas respectivas esposas ou namoradas: John Lennon com sua esposa Cynthia Lennon, Paul McCartney e a sua então namorada Jane Asher, George Harrison e a namorada Patty Boyd, e Ringo Starr e a sua esposa Maureen Starkey Tigrett.

A intenção dos Beatles na Índia era aprender com o guru o domínio da meditação transcendental. Naquele momento, a cultura indiana exercia uma forte influência no Ocidente, desde a música pop até o movimento hippie. Os Beatles já vinham fazendo uso da musicalidade indiana desde o álbum Revolver ao adotar a cítara indiana em suas gravações. George Harrison já dominava completamente a cítara indiana, instrumento que ele aprendeu a tocar com o músico indiano Ravi Shankar (1920-2012).

Beatles e comitiva formada por celebridades durante o retiro espiritual como Maharishi Mahesh Yogi na Índia.

Durante o período em que estavam na Índia, os Beatles arranjaram tempo para compor novas canções. De maneira “clandestina”, às escondidas, quando dava para fugir das sessões de meditação, John e Paul se encontravam para trocar ideias e compor novas músicas, o que acabou se tornando algo bastante produtivo já que conseguiram compor uma grande quantidade de canções. Estima-se que o quarteto ao todo compôs cerca de quarenta canções durante o período que esteve na Índia. 

No entanto, nem todos os integrantes dos Beatles se adaptaram ao regime do retiro espiritual na Rishikesh. Ringo Starr só ficou dez dias naquele país, e retornou para a Inglaterra com sua esposa alegando que não suportava a comida apimentada daquele lugar. Mas há quem afirme que ele na verdade sentia-se entediado e não acreditava no trabalho espiritual do guru. Paul McCartney voltou duas semanas após chegar à Índia. John Lennon e George Harrison permaneceram mais tempo na Índia. Por ser o integrante que demonstrava mais interesse na cultura indiana, George foi quem melhor absorveu os ensinamentos durante a estadia dos Beatles em Rishikesh.

Apesar de terem sido do quarteto os que mais tempo permaneceram em Rishikesh, John e George ainda assim deixaram aquele lugar antes do previsto. Eles deixaram a Índia em abril após descobrirem através do amigo de Lennon, o engenheiro eletrônico John Mardas (1942-2017), o “Magic Alex”, um suposto assédio de Maharishi à atriz Mia Farrow. Mardas teria descoberto também que o interesse do guru nos Beatles seria apenas uma forma de promover a sua imagem e de ganhar dinheiro. O guru teria chegado a propor que os Beatles depositassem 25% dos lucros do próximo álbum numa conta que ele iria abrir na Suíça.


Mia Farrow, estrela do filme O Bebê de Rosemary, teria sido vítima assédio de Maharishi Mahesh Yogi. 

Depois de retornarem da Índia, John Lennon e Paul McCartney promoveram no começo de maio, em Nova York, uma entrevista coletiva para a imprensa para divulgar a Apple Corps, uma corporação empresarial fundada pelos Beatles no início de 1968 para não só administrar a carreira da banda - o empresário da banda, Brian Epstein havia falecido no ano anterior – mas também para atuar em outras áreas profissionais. A corporação era formada pela Apple Records (gravadora), Apple Electronics (uma empresa de produtos eletrônicos), Apple Films (produtora de filmes), Apple Publishing (editora de música) e Apple Retail (uma loja de roupas). Não durou muito tempo para que alguns dos empreendimentos da Apple Corps. se revelassem um desperdício de dinheiro. A Apple Publishing e a Apple Retail fecharam as portas em pouquíssimo tempo.

John Lennon e Paul McCartney numa entrevista coletiva para a imprensa,  onde apresentaram a Apple Corps.,
em maio de 1968, empresa fundada pelos Beatles que passaria a gerir a carreira da banda.

Ainda em maio de 1968, os Beatles se reuniram na casa de George Harrison, um luxuoso bangalô, na cidade de Esher, próximo a Londres. Lá os quatro selecionaram algumas das quarenta canções compostas na Índia para entrar no novo álbum. Prepararam os primeiros arranjos e gravaram uma fita demo com algumas das músicas selecionadas.  

O processo de gravação do álbum começou no final de maio e se estenderia por cerca de cinco meses. As sessões de gravação do novo álbum se dividiram entre os estúdios Abbey Road (onde a maior parte do material foi gravado) e Trident Studios. Se por um lado, o processo de gravação foi bastante produtivo, por outro, foi marcado por muita tensão e conflitos de egos na banda, em especial entre John e Paul, os que mais conseguiam incluir canções nos álbuns da banda. George, por sua vez, tentava ampliar seu espaço na banda como compositor batendo de frente com a supremacia Lennon-McCartney.

Com tantos desentendimentos, houve situações em que cada beatle chegou a gravar em um estúdio diferente, com direito a um engenheiro de som para cada integrante. O clima estava tão pesado entre os membros dos Beatles que nem mesmo o experiente produtor George Martin estava suportando. Geoff Emerick (1945-2018), engenheiro de som, deu um basta e abandonou o estúdio por não aguentar o ambiente tenso em que se tornou a gravação do novo álbum.

Beatles e o produtor George Martin (em detalhe à esquerda) em um dos poucos momentos de descontração
nas sessões de gravação do álbum branco. 

Ringo Starr, talvez a parte mais sensível dos Beatles naquela guerra de egos, sentindo-se preterido, deixou a banda por duas semanas. Os Beatles tiveram que se virar sem baterista. Paul assumiu as baquetas em algumas faixas durante as gravações. Após alguns apelos, Ringo retornou, e ao chegar aos estúdios de gravação, viu a sua bateria coberta de flores como boas vindas.

Além dos conflitos de egos e as questões burocráticas na administração da Apple Corps., outro motivo teria também contribuído para o clima tenso entre os Beatles: a artista plástica japonesa Yoko Ono, então amante de John Lennon. Ela frequentava as sessões de gravação, dava palpites, causando um certo incômodo ao restante dos Beatles. Para os outros membros do grupo, ela parecia exercer influência sobre Lennon. A essas alturas, o casamento de John e Cynthia já estava implodindo, e o divórcio logo chegaria no final de 1968.  

John Lennon e Yoko Ono no processo de mixagem do álbum branco: presença constante
da japonesa nas gravações incomodava os outros membros dos Beatles.

Enquanto a produção do álbum prosseguia, os Beatles lançavam em agosto de 1968, o single de “Hey Jude”, canção composta por Paul McCartney e dedicada a Julian Lennon, filho de John e Cynthia que na época tinha apenas cinco anos de idade e vivenciava a crise do casamento dos pais. O single fez um enorme sucesso e trazia no seu lado B o hard rock “Revolution”, que também teve uma ótima recepção do público. O single foi o primeiro lançamento da Apple Records, o selo fundado pelos Beatles.

Finalmente, em 22 de novembro de 1968, o tão aguardado novo álbum dos Beatles chegava às lojas. Foi o primeiro álbum lançado pelo selo Apple Records. Sob o simples título The Beatles, o álbum chegava ao mercado causando impacto por ser um álbum duplo, o primeiro do quarteto de Liverpool. O produtor George Martin mostrou-se contrário ao lançamento do álbum no formato duplo porque acreditava que o ideal fosse escolher as melhores canções e lança-las no formato de álbum simples, mas com um repertório consistente. Ringo chegou a defender a ideia de lançar os dois discos separadamente.

Beatles rodeado por fãs tocando "Hey Jude" no programa Frost On Sunday, de David Frost na TV britânica,
em setembro de 1968.

Outra novidade nesse novo trabalho dos Beatles foi a capa: totalmente branca, sem nenhuma imagem, apenas o nome da banda em alto relevo. A criação da capa foi obra do artista plástico inglês Richard Hamilton (1922-2011), um dos ícones da pop art inglesa, que foi responsável também pela criação do pôster com uma montagem de fotografias da banda, e no verso, as letras das músicas. O álbum duplo incluiu também como brinde, quatro fotografias, uma de cada membro da banda.  

A capa dupla totalmente branca é bastante significativa e diz muito sobre o momento musical em que os Beatles estavam vivenciando e o que eles pretendiam fazer a partir de então. Eles saiam do colorido psicodélico para uma estética mais formal. Mostra uma banda que estava iniciando uma nova fase, deixando para traz a “gordura” barroca psicodélica e os seus excessos, tão presentes em Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, e indo em direção a uma musicalidade mais simples, enxuta, bem aparada.

Popularmente conhecido como White Album (“álbum branco”), The Beatles é um álbum duplo que traz 30 faixas que mostram todo o ecletismo musical dos Beatles que neste trabalho, transita entre o rock, o hard rock, a folk music, a country music, o pop barroco, o blues rock e a música de vanguarda.

Neste álbum, os Beatles contaram com a participação de convidados ilustres, mas que não foram citados nos créditos do álbum como o guitarrista Eric Clapton, o tecladista Nicky Hopkins e o contrabaixista e violonista Jack Fallon (1915-1998). 

Os álbuns Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e The Beatles: contraste entre os excessos do psicodelismo e a simplicidade do minimalismo roqueiro  

A faixa que abre o primeiro disco do álbum duplo é “Back In The U.S.S.R.”, um rock’n’roll inspirado no surf rock dos Beach Boys que começa com o som de um avião a jato decolando. A letra fala de uma viagem à União Soviética, e destaca a beleza das garotas russas e a neve das montanhas do sul daquele país. Nessa faixa, Paul além de cantar, tocou baixo, fez solo de guitarra, tocou bateria e piano. George Harrison não só tocou guitarra como fez trechos de bateria e os vocais de fundo. John Lennon fez guitarra base e vocais de apoio. Ringo foi o ausente nesta gravação, pois durante duas semanas, deixou a banda por sentir-se preterido. Com a ausência de Ringo, os outros membros da banda tiveram que se revezar nas gravações da bateria.

“Dear Prudence” é um rock balada escrito por John Lennon durante o retiro espiritual dos Beatles em Rishikesh, na Índia. “Dear Prudence” é dedicada a Prudence Farrow, irmã de Mia Farrow que também havia ido ao retiro espiritual. A letra se refere à obsessão de Prudence em isolar-se nos aposentos para meditar, afastando-se da convivência com as outras pessoas. Prudence Farrow tornou-se professora de meditação nos Estados Unidos.

“Glass Onion” possui uma letra um tanto quanto surrealista, e faz nos seus versos citações de outras músicas dos Beatles, como “Strawberry Fields Forever”, “Lady Madonna” e “The Fool On The Hill”. A canção revela que Paul McCartney era a morsa na letra da canção “I’m The Walrus”, música da trilha sonora do filme Magical Mistery Tour: “Well here's another clue for you all / The walrus was Paul” (“Bem eis uma dica para vocês todos / A morsa era Paul”).

Os Beatles mascarados em cena do filme Magical Mystery Tour. No filme, John Lennon era a morsa (abaixo, agachado),
enquanto que a letra de "Glass Onion" afirma que Paul McCartney era morsa na música "I'm The Walrus",
faixa da trilha sonora do filme.

Considerada por John Lennon uma canção idiota, “Ob-La-Di, Ob-La-Da” foi composta por Paul McCartney, e o título veio de uma frase que era dita pelo nigeriano Jimmy Scott. A partir daí, Paul compôs a canção de letra inocente e alegre, traz nos seus arranjos, uma aproximação dos Beatles com a sonoridade da música jamaicana que começava a despontar internacionalmente naquele final dos anos 1960.  A curtíssima “Wild Honey Pie”, de 52 segundos, foi gravada apenas por Paul que cantou e tocou todos os instrumentos.

O folk rock “The Continuing Story Of Bungalow Bill” foi uma das composições escritas durante o retiro espiritual dos Beatles na Índia. A letra é de John Lennon e foi inspirada num fato real ocorrido no período em que o quarteto esteve em Rishikesh. A canção faz referência a um jovem norte-americano que foi visitar a mãe, uma seguidora do guru Maharishi na mesma época em que os Beatles estavam lá. O rapaz, sua mãe mais um grupo de pessoas saíram armados e montados em elefantes para caçar tigres. Lennon havia criticado a ação por achar uma hipocrisia: caçar animais e depois meditar para Deus. A letra narra esse fato, e o jovem é identificado como Bungalow Bill, num trocadilho entre bangalô (construção onde os Beatles e os convidados ficaram hospedados em Rishikesh) com Buffalo Bill, um caçador norte-americano que matou milhares de búfalos no século XIX e que mais tarde fez fortuna promovendo espetáculos que reconstituíam as cenas do velho oeste dos Estados Unidos.

Bufallo Bill: trocadilho com Bungalow Bill em 

“While My Guitar Gently Weeps” é uma das melhores canções compostas por George Harrison quando era membro dos Beatles. Com Harrison no vocal, a música conta com participação especial de Eric Clapton fazendo os solos maravilhosos de guitarra, e foi capaz de fazer o instrumento “chorar”. Na época, Clapton fazia parte do power trio Cream. A participação de Clapton, com quem Harrison tinha uma grande amizade, fez o clima ficar mais agradável no estúdio num momento em que o ambiente se mostrava hostil. Lennon fez os vocais de apoio e guitarra base, Paul McCartney tocou piano, baixo e vocal de apoio, e Ringo Starr tocou bateria, pandeiro e castanholas.

A faixa que finaliza o primeiro lado do disco 1 do álbum duplo é “Happiness Is A Warm Gun”, canção que surgiu a partir de uma frase publicada numa revista de armas que o produtor George Martin estava folheando num estúdio de Abbey Road “Happiness Is a Warm Gun in Your Hand” (“Felicidade é uma arma quente na sua mão”). A frase batizou a canção e a partir dela, Lennon compôs a canção que teria uma conotação sexual, muito a ver com o envolvimento do músico com Yoko Ono, com a qual vivia naquele momento uma paixão incontrolável. Embora seja uma canção curta, “Happiness Is A Warm Gun” é dividida em cinco andamentos diferentes, e que dão ao ouvinte a sensação de cinco canções em uma. A frase que dá nome à canção de Lennon é citada numa canção do cantor brasileiro Belchior (1946-2017), “Comentário A Respeito de John”, presente no álbum Era uma Vez Um Homem E Seu Tempo, de 1979: “João, o tempo, andou mexendo com a gente sim / John, eu não esqueço, a felicidade é uma arma quente...”. Belchior era um admirador confesso de John Lennon, o beatle era uma das suas maiores influência. “Comentário A Respeito de John” era uma homenagem a Lennon, e foi lançada na época em que o beatle ainda estava vivo.

O lado dois do primeiro disco começa com “Martha My Dear”, uma bela canção composta por Paul McCartney dedicada à sua cadela Martha, da raça sheepdog. No entanto, há quem afirme que a canção seria dedicada a Jane Asher, namorada de Paul naquela época. O estilo musical de “Martha My Dear” é o music hall, gênero bastante popular muito empregado nos espetáculos teatrais de variedade na Europa e nos Estados Unidos no início do século XX. Com arranjos de George Martin, Paul canta acompanhado de uma pequena orquestra.

Os Beatles e Martha, cadela de Paul McCartney para quem fez a canção "Martha My Dear".

“I’m So Tired” é mais um rock balada composto durante o período de retiro espiritual dos Beatles em Rishikesh, na Índia. Escrita por John Lennon numa noite de insônia, a letra fala sobre o cansaço com as longas sessões de meditação e leitura promovidas pelo guru Maharishi Mahesh Yogi e da falta de Yoko Ono: “I'm so tired I don't know what to do / I'm so tired my mind is set on you” (“Estou tão cansado, não sei o que fazer / Estou tão cansado, minha mente está em você”).

A próxima faixa é uma das mais belas canções dos Beatles e uma das principais faixas do álbum: “Blackbirds”. Paul canta e toca violão nesta música. A linha melódica da canção é baseada em “Bourrée Em Mi Menor”, do compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750), música que Paul e George Harrison conheciam e aprenderam a tocar no violão durante a adolescência. Quanto à letra, a principal versão é a de que Paul teria escrito inspirado nas lutas dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. O pássaro negro da canção seria uma metáfora da mulher negra e a sua busca pela sua afirmação e liberdade: “Blackbird singing in the dead of night / Take these broken wings and learn to fly / All your life” (“Pássaro negro cantando na calada da noite / Pegue estas asas quebradas e aprenda a voar / Toda sua vida”).

Composta por George Harrison, “Piggies” é um pop barroco cuja letra é uma alegoria. Foi inspirada no livro Animal Farm (Revolução dos Bichos), de George Orwell (1903-1950), publicado em 1945. Os arranjos foram criados por Harrison e pelo produtor George Martin que empregaram harpa e cravo. Em boa parte da música, há colagens de grunhidos de porcos, que somados ao arranjo orquestral da música, dão à faixa um caráter de conto infantil, mas que na verdade, o tema é bastante adulto. A letra trata de maneira satírica, o esnobismo da elite e as diferenças de classes sociais. “Piggies” foi adotada pela contracultura como uma negação ao capitalismo. O livro que inspirou Harrison a compor “Piggies”, foi o mesmo que inspirou Roger Waters a desenvolver o conceito temático de Animals, álbum do Pink Floyd de 1977.

O escritor George Orwell, autor do livro Animal Farm (no Brasil A Revolução dos Bichos), obra que inspirou
George Harrison a compor "Piggies".

Paul McCartney começa cantando tal qual um cowboy de filme de faroeste em “Rocky Raccoon”. Composta por Paul, essa música é uma country music que conta a história de Rocky Raccoon, um rapaz que viu a sua namorada fugir com uma amante, e que mais tarde irão travar um duelo pelo amor da garota.

“Don't Pass Me By” foi gravada apenas por Ringo Starr (autor da música) e Paul McCartney. A música é um country rock com tons psicodélicos. Enquanto Ringo cantou e tocou bateria, Paul piano e baixo. Jack Fallon faz participação especial tocando violino dando um caráter country à canção.

No blues rock “Why Don't We Do It In The Road?", Paul McCartney aparece cantando rouco e raivoso. É outra faixa em que só Ringo e Paul gravaram. Paul fez os vocais, tocou baixo, guitarra, violão e piano, e Ringo na bateria. A música é curta e tem apenas dois versos que se repetem.

“I Will” é uma balada folk delicada e romântica, bem ao estilo de Paul McCartney que canta, toca violão e baixo. John Lennon toca maracas e Ringo Starr bongôs e chimbal. George Harrison foi o único beatle que não participou da gravação de “I Will”.

“Julia” fecha o lado dois do primeiro disco. A música foi composta por John Lennon no retiro espiritual dos Beatles na Índia, e é uma canção bastante pessoal, onde ele canta acompanhado do seu violão. Lennon fez a canção para sua mãe, Julia Lennon, morta num atropelamento quando ele tinha 17 anos. A letra da canção faz menção à mãe de Lennon, mas também sutilmente a Yoko Ono que seria a “oceanchild” (“criança do oceano”), uma alusão à sua terra natal, o Japão, que é uma ilha: “Julia, Julia, oceanchild, calls me” (“Julia, Julia, criança do oceano, me chama”).

John Lennon ainda criança ao lado da sua mãe, Julia, para quem compôs a canção que leva o nome dela.

O disco 2 de The Beatles começa em clima festivo com “Birthday”, um rock alegre e divertido sobre aniversário. Nesta faixa, os Beatles tocam completos: John Lennon nos vocais, guitarra e palmas; Paul McCartney nos vocais, piano e palmas; George Harrison baixo, tambor, palmas; Ringo Starr na bateria, tamborim e palmas. Participaram na gravação “Birthday”, a namorada de George Harrison, Pattie Boyd Harrison no vocal de apoio e palmas; Yoko Ono no vocal de apoio e palmas; e o assistente dos Beatles, Mal Evans, nas palmas.

“Yer Blues” é um blues rock pesado e agressivo. A letra, angustiante e raivosa, retrata a falta que Lennon sentia de Yoko durante o retiro espiritual na Índia. Em “Yer Blues”, os Beatles tocam com sua formação completa: John Lennon no vocal principal, guitarra base e solo; Paul McCartney no baixo; George Harrison na guitarra solo; Ringo Starr na bateria.

O bucolismo e a calmaria dão o tom em “Mother Nature's Son”, uma folk music composta e cantada por Paul McCartney que teve como referência um antigo sucesso de Nat King Cole de 1948, “Nature Boy”.

A temperatura sobe novamente com o hard rock “Everybody's Got Something To Hide Except Me And My Monkey”, outra faixa em que o quarteto está completo. A expressão “monkey” (“macaco”) era uma gíria empregada pelos jazzistas para se referir à heroína, droga que John Lennon e Yoko Ono começavam a experimentar na época como uma forma de se livrarem da pressão dos jornalistas. No entanto, Lennon havia dito numa entrevista anos mais tarde que a expressão “monkey” se referia a Yoko.

O rock balada “Sexy Sadie” é uma crítica velada de John Lennon ao guru Maharishi Mahesh Yogi que teria assediado a atriz Mia Farrow na época do retiro espiritual na Índia e de tentar se promover através da popularidade dos Beatles.

Maharishi Mahesh Yogi: alvo de críticas de Lennon em "Sexy Sadie" por ter supostamente assediado a atriz Mia Farrow.

Depois de um rock balada, o hard rock pesado e cru “Helter Skelter”. A ideia de criar essa música surgiu depois que Paul McCartney leu uma entrevista de Peter Townshend numa revista onde o guitarrista do The Who afirmou que o recém lançado single de sua banda, “I Can See For Miles” era a música mais alta e barulhenta já gravada. Ao ouvir a música, Paul não achou que fosse tão alta como afirmara Townshend e decidiu compor algo mais alto e pesado. Para atingir o nível desejado por Paul, “Helter Skelter” teve 18 takes. Paul cantou aos berros como nunca havia cantado antes, além de ter tocado baixo e até feito solos de guitarra, enquanto John Lennon e George Harrison tocaram as outras guitarras, o que junto com a bateria de Ringo Starr, ajudaram a criar uma grande massa sonora. O mais sacrificado na gravação de “Helter Skelter” foi sem dúvidas Ringo Starr, que devido ao esforço na bateria, acabou ganhando bolhas nos dedos das suas mãos, a tal ponto do baterista berrar durante as gravações a frase “I’ve got blisters on my fingers!”(“Eu estou com bolhas nos meus dedos!”). A frase gravada foi aproveitada na mixagem da música.

Vale destacar que o criminoso Charles Manson e seu grupo de seguidores fanáticos, cometeram duas chacinas em agosto de 1969, em Hollywood, Estados Unidos, alegando que estavam seguindo uma suposta profecia presente na letra de “Helter Skelter”. Uma das vítimas da chacina foi a atriz Sharon Tate, então esposa de Roman Polanski, que foi assassinada por Manson e seus seguidores.

Charles Manson, psicopata que cometeu uma chacina na companhia de seus seguidores
após ouvir uma "profecia" presente em "Helter Skelter", em 1969.

Após a “fervura” proporcionada por “Helter Skelter”, “Long, Long, Long”, de George Harrison, fecha o lado três do álbum duplo, canção extremamente calma, relaxante e hipnótica. Aparentemente uma canção de amor para uma mulher, mas que segundo a sua autobiografia Me Mine, lançada em 1980, a canção é dedicada a Deus e ao seu encontro com Ele.

O lado quatro, presente no disco 2 começa com “Revolution 1”, uma das primeiras músicas gravadas para o álbum The Beatles. Foi gravada antes de “Revolution”, o hard rock que foi lançado como lado B do single de “Hey Jude”. “Revolution 1” foi composta na Índia por Lennon, durante o retiro espiritual. A música reflete o momento turbulento pelo qual passava o mundo em 1968: Guerra do Vietnã, Primavera de Praga, revolta estudantil em Paris, o assassinato de Martin Luther King. “Revolution 1” é um blues elétrico e lento, e que Lennon tinha mais predileção a essa versão do que pela versão hard rock lançada como single. Paul e George achavam a versão blues pouco comercial e preferiam que ao invés dela, que a versão hard rock fosse incluída no álbum. Mas Lennon insistiu que a versão blues fosse incluída no álbum duplo. No entanto, a versão hard rock lançada no single foi a que ficou mais conhecida do grande público.


A turbulência nas ruas das principais cidades do mundo provocada por protestos como os de Paris,
em maio de 1968 (foto acima), inspiraram a canção "Revolution 1".

Paul McCartney era um apaixonado por canções de jazz e ragtime norte-americanos que ele ouvia no rádio na sua infância. Ele nutria o desejo de um dia gravar canções nesses estilos, e essa oportunidade chegou durante a maturidade musical dos Beatles. O baixista compôs “Honey Pie”, um ragtime, um estilo musical dos primórdios do jazz e que foi muito popular no início do século XX nos Estados Unidos. A letra é romântica, e trata da história de um rapaz apaixonado por uma garota operária que deixou a Inglaterra e se tornou uma grande estrela de cinema nos Estados Unidos.

“Savoy Truffle”é um rock de George Harrison que ele dedicou ao amigo Eric Clapton, que além de guitarrista talentoso, era um viciado em doces. A letra da música cita as mais diversas variedades de doces e tortas. Todos os membros dos Beatles participaram das gravações dessa faixa, exceto John Lennon.

O folk rock “Cry Baby Cry” possui um letra que lembra uma fábula infantil. Para compor o refrão, John Lennon teve como inspiração um anúncio publicitário que trazia a frase “Cry, baby cry, make your mother buy” (“Chore, bebê, chore, faça sua mãe comprar”). Lennon trocou “buy”(“comprar”) por “sigh” (“suspirar”). A canção termina com Paul McCartney cantando repetidas vezes “Can you take me back where I came from? / Can you take me back” (“Você pode me levar de volta de onde eu vim? Pode me levar de volta?”).

“Revolution 9” é a faixa mais longa (pouco mais de 8 minutos) e a mais destoante de todo o álbum. A música é totalmente experimental, e é composta de sucessão de colagens sonoras que encontra inspiração nas experiências vanguardistas da música modernista de Edgard Varèse (1883-1965) e Karlheinz Stockhausen (1928-2007). Creditada à dupla Lennon-McCartney, “Revolution 9” é uma criação que partiu de Lennon sob incentivo de Yoko Ono. Nas colagens sonoras, pode-se ouvir diálogos, sons de instrumentos musicais, trechos de canções, ruídos de toda espécie. Paul achava a música anticomercial e tentou vetar a inclusão no álbum, mas não conseguiu.


Edgard Varèse e Karlheinz Stockhausen: referências de música de vanguarda para os Beatles em "Revolution 9".

O álbum duplo chega ao fim com “Good Night”, uma canção de ninar composta por Lennon dedicada ao seu filho Julian Lennon. Contudo, Lennon preferiu entregar a canção para Ringo Starr cantar por achar que o baterista tinha uma voz mais acalentadora do que a sua. Para os arranjos, Lennon pediu ao produtor George Martin uma orquestração imponente e que lembrasse as músicas dos filmes de Walt Disney.

Na época de seu lançamento, o álbum duplo The Beatles dividiu opiniões da imprensa musical. Uma parcela da crítica especializada teceu grandes elogios, destacando até a maturidade alcançada desde o álbum duplo Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, lançado em 1967. Uma outra parcela não recebeu muito bem o álbum, esperava algo na mesma linha de Sgt. Peppers.  O jornalista William Mann, da revista Times, afirmou que John Lennon e Paul McCartney haviam regredido como compositores.

O público que havia esperado o novo álbum com ansiedade, correspondeu muito bem com a chegada do “álbum branco”. The Beatles foi 1º lugar na parada de álbuns do Reino Unido e dos Estados Unidos. Só no mercado norte-americano, o álbum vendeu mais de 9,5 milhões de cópias.  

The Beatles, o álbum, apesar de ter sido gerado num momento de grandes turbulências vividas pelo quarteto, conseguiu firmar-se como uma grande obra na discografia da banda inglesa. O álbum duplo talvez tenha “pecado” em ter entre as suas trinta faixas, algumas músicas pouco expressivas e que ocupam espaços que poderiam ser de outras músicas gravadas na mesma época e com um apelo popular maior como “Hey Jude” e a versão hard rock de “Revolution”, mas que ficaram de fora do álbum. George Martin acreditava que o álbum poderia ter sido lançado como um álbum simples, porém com um repertório que incluísse apenas as melhores canções. Embora Martin tivesse suas razões, a banda tinha material suficiente para um álbum duplo, mas talvez o melhor fosse uma quantidade menor de faixas, entre dezessete e vinte faixas.


Os Beatles em cena do videoclipe de "Revolution".

O “álbum branco” representou a ruptura dos Beatles com sua fase psicodélica e o início de um novo momento da banda em busca de uma musicalidade mais básica, o que abriria no ano seguinte, caminho para o projeto Get Back, que consistiria num álbum e um filme - que se transformou no projeto Lei It Be - em que os Beatles focariam numa musicalidade mais minimalista.


Para celebrar os 50 anos de lançamento de The Beatles, em novembro de 2018, a gravadora Universal Music em parceria com a Apple Records, promoveu o lançamento de uma edição especial em formatos diferentes: sete discos em uma caixa de luxo, CD triplo, LP duplo, LPs quádruplo, versão digital e um livro de capa dura com 164 páginas. Todo o material remixado pelo produtor e arranjador Giles Martin (filho de George Martin), e pelo engenheiro de som Sam Okell.

Faixas
Todas as faixas são de autoria de Lennon-McCartney, exceto as indicadas.

Lado 1
  1. “Back In The U.S.S.R.”
  2. “Dear Prudence”
  3. “Glass Onion”
  4. “Ob-La-Di, Ob-La-Da”
  5. “Wild Honey Pie”
  6. “The Continuing Story Of Bungalow Bill”
  7. “While My Guitar Gently Weeps” (George Harrison)
  8. “Happiness Is A Warm Gun
Lado 2
  1. “Martha My Dear”
  2. “I’m So Tired”
  3. “Blackbird”
  4. “Piggies” (George Harrison)      
  5. “Rocky Raccoon”
  6. “Don’t Pass Me By” (Richard Starkey)
  7. “Why Don’t We Do It in the Road?”
  8. “I Will”
  9. “Julia” 
Lado 3
  1. “Birthday”
  2. “Yer Blues”
  3. “Mother Nature’s Son”
  4. “Everybody’s Got Something To Hide…”
  5. “…Except Me and My Monkey”
  6. “Sexy Sadie”
  7. “Helter Skelter”
  8. “Long, Long, Long” (George Harrison)
Lado 4
  1. “Revolution 1”
  2. “Honey Pie”
  3. “Savoy Truffle” (George Harrison)
  4. “Cry Baby Cry”
  5. “Revolution 9”
  6. “Good Night” (John Lennon)

"Back In The U.S.S.R."


"Dear Prudence"


"Ob-La-Di, ob-La-Da"


'While My Guitar Gently Weeps"


"Blackbird"


"Sexy Sadie"


"Helter Skelter"


"Cry Baby Cry"


"Revolution" (videoclipe original)


"Hey Jude" (no programa "Frost On Sunday",
de David Frost)



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