10 discos essenciais: Soul music/R&B


A história da soul music e do R&B se confundem, estão mais juntas e conectadas do que se imagina. O R&B, a princípio, era chamado de rhythm and blues, e surgiu por volta da década de 1940, nos Estado Unidos, como um desdobramento do urban blues, vertente que eletrificou o blues que antes era apenas acústico. Sua principal característica quando surgiu era o andamento mais rítmico e acelerado do que o do blues, e desprovido de improvisações. Porém, alguns críticos musicais afirmam que o termo rhythm and blues teria sido criado pela indústria fonográfica e pela imprensa musical norte-americanas no início dos anos 1940 para classificar numa só categoria nas listas das paradas discos, gêneros musicais negros como gospel, jazz e blues. Antes, o termo usado era race music, considerado um tanto quanto ofensivo.

O rhythm and blues serviu de base para o surgimento do rock'n'roll nos anos 1950. Naquela mesma década, o seu encontro com o gospel daria origem à soul music. Do rhythm and blues, a soul music herda o ritmo, a levada, enquanto que do gospel, recebe o canto imponente e cheio de melismas. Mas se o gospel é em essência, religioso, o soul é completamente profano.

A soul music ganha grande projeção mundial a partir da década de 1960, graças a gravadoras como Motown e Stax, e exercerá forte influência na produção de música pop nas décadas seguintes. Já o rhythm and blues irá passar por várias metamorfoses e novos significados. Da década de 1970 em diante, passou a ser identificado apenas com as iniciais "R&B", e torna-se um termo classificatório para englobar a soul music, o funk (outro gênero que ajudou a criar) e a disco music.

As novas tecnologias e fusões com outros gêneros nos últimos quarenta anos, fizeram brotar novas vertentes a partir da soul music e do R&B. Na década de 1990, nasce o R&B contemporâneo, que surge da mistura do funk e soul com as batidas eletrônicas e o canto falado do hip hop. O neo soul guarda algumas semelhanças com o R&B contemporâneo, mas se difere desse ao carregar consigo a influência da soul music dos anos 1970. Esses são apenas dois exemplos de como a soul music e o R&B continuam vivos e servindo de referência na música pop contemporânea.


Modern Sounds In Country and Western Music (ABC/Paramount, 1962), Ray Charles. Considerado o melhor álbum da carreira de Ray Charles, Modern Sounds In Country and Western Music foi um desafio para o artista. Charles estava decidido a gravar um disco onde faria releitura pessoal de alguns sucessos da country music, o que deixou o presidente da sua gravadora desesperado, pois acreditava que seria um enorme fracasso, um astro negro reinventando canções de branco numa América racista. No entanto, o disco foi um grande sucesso comercial. Em Modern Sounds In Country and Western Music, Ray Charles fez regravações do universo da country music como "Hey, Good Lookin'", de Hank Williams e até o rock caipira "Bye, Bye, Love", dos Everly Brothers, em versões soul e jazzística.


Otis Blue/Otis Redding Sings Soul (Stax/Volt, 1965), Otis Redding. Otis Redding viveu pouco, apenas 26 anos. Morreu muito jovem, no auge da carreira, num desastre aéreo em 10 de dezembro de 1967. Apesar da vida curta, Otis conseguiu cravar o seu nome na história da soul music. Seu terceiro álbum de estúdio, Otis Blue/Otis Redding Sings Soul, de 1965, é uma das obras-primas do selo Stax, um patrimônio da soul music e grande rival da Motown. O disco traz covers como "(I Can't Get No) Satisfaction", dos Rolling Stones - numa interpretação bem pessoal de Otis -"My Girl", dos Temptations e "Change Gonna Come", de Sam Cooke, outro gênio da soul music, morto em 1964. Mas o disco tem também canções de Otis como "Respect", que ganharia uma versão definitiva com Aretha Franklin, em 1967, versão que é a mais conhecida do grande público.


I Never Loved A Man The Way I Love You (Atlantic Records, 1967), Aretha Franklin. Aretha Franklin era uma aposta da Columbia Records para ser uma diva do jazz. Mas a visão equivocada da gravadora e a má divulgação dos discos da jovem cantora só empurravam a sua carreira para baixo. Bastou um produtor de uma gravadora concorrente, Jerry Wexler, da Atlantic Records, que com um olhar mais apurado, percebeu que aquela garota era uma joia bruta em mãos erradas, e decidiu apostar naquele jovem talento. I Never Loved A Man The Way I Love You foi a estreia de Aretha na Atlantic Records, e revelou para o mundo, um "vulcão" em forma de cantora que estava dentro dela. A grande faixa do álbum é a releitura de "Respect", de Otis Redding, que com Aretha, ganhou uma versão libertária e definitiva.


What's Going On (Motown, 1971), Marvin Gaye. What's Going On foi uma grande revolução na soul music ao abordar temas mais densos como a guerra, a miséria e os problemas ambientais. Marvin bateu pé firme para lançar o álbum, pois a gravadora Motown estava acostumada a lançar discos com temáticas mais amenas e românticas. A companhia torceu o nariz e acreditava que o disco seria um fracasso. Contrariando as previsões da gravadora, o álbum se tornou um grande sucesso e as músicas "Mercy Mercy Me (The Ecology), "Inner City Blues (Make Me Wanna Holler)" e a faixa-título conquistaram o público. What's Going On representou a autonomia artística de Gaye que queria fugir das canções "açucaradas" e do cabresto imposto pela Motown. O êxito do álbum incentivou outros astros da gravadora a buscarem a sua liberdade criativa e artística como Stevie Wonder, que também conseguiu dobrar a Motown com o álbum duplo Songs In The Key Of Life (1976), também tocando em assuntos espinhosos como o racismo.


Super Fly (Custom Records, 1972), Curtis Mayfield. Terceiro álbum da carreira solo de Curtis Mayfield, Super Fly é uma trilha sonora do filme de mesmo nome na linha do "blaxplotation", uma tendência cinematográfica norte-americana produzida por negros para o público negro e que esteve em evidência no começo dos anos 1970. Enquanto o filme foi um fracasso de bilheteria, que aborda o ambiente barra pesada do Harlem, em Nova York, a trilha foi um grande sucesso comercial. Em Super Fly, o disco, Curtis se mostra um artista brilhante cantando e produzindo uma obra magistral: canto em falsete, arranjos de cordas impecáveis, linhas de baixo pulsantes, guitarras com efeitos wah-wah hipnóticos. Nas faixas "No Thing On Me" e "Freddie's Dead", Curtis tece críticas ao tráfico de drogas.


Greatest Hits (Hi, 1976), Al Green. Certamente o cantor CeeLo Green e o vocalista da banda Vintage Trouble, Ty Taylor, devem ter ouvido bastante Al Green, uma das maiores vozes da soul music de todos os tempos. Green pertence a uma nobre linhagem da soul music da qual fazem parte outros dois grandes mitos, os finados Sam Cooke e Otis Redding. O cantor teve o seu auge entre 1969 e 1976, quando emplacou dezenas de hits e implantou um estilo de cantar que serviu de modelo para muita gente. Greatest Hits é uma compilação que reúne os maiores sucessos de Green da sua fase áurea e que se tornaram obras-primas da soul music como "Let's Stay Together", "Look What You Done For Me", "Call Me" e "I'm Still In Love With You".


Songs In The Key Of Life (Motown, 1976), Stevie Wonder. A Motown havia apostado uma grana alta na renovação de contrato com Stevie Wonder, após uma sequência de álbuns muito bem avaliados pela crítica e com ótimos desempenhos comerciais. No entanto, a demora na produção do ambicioso Songs In The Key Of Life preocupou a Motown. Porém, a espera do lançamento do álbum valeu à pena. Além de ser álbum duplo, Songs In The Key Of Life trazia de brinde um EP com mais 4 faixas, um deleite total para os fãs. Abordando temas como amor, racismo, política, fé e conflitos sociais, Songs In The Key Of Life emplacou hits memoráveis como “Isn't She Lovely” e “Sir Duke”, conquistou quatro prêmios Grammy, e tornou-se um dos mais importantes álbuns da história da soul music e do R&B.


Thriller (Epic,1982), Michael Jackson. Se com Off The Wall (1979), Michael Jackson havia se transformado num pop star adulto, com Thriller, ele transformou-se num mito. Em Thriller, Michael repetiu a dobradinha com o produtor Quincy Jones que deu certo em Off The WallThriller é até hoje o maior fenômeno comercial da história da indústria fonográfica, com a estimativa de mais de 100 milhões de cópias vendidas. O sucesso de Thriller apoiou-se na bem equilibrada dosagem de pop, funk, R&B, rock e baladas românticas. Mas sem sombra de dúvidas, os videoclipes de "Billie Jean", de "Beat It" e de "Thriller", centrados nas coreografias hipnóticas de Michael Jackson, ajudaram não só a alavancar as vendas do álbum como também inauguraram a era dos videoclipes.


Live At The Harlem Square Club, 1963 (RCA, 1985), Sam Cooke. Gravado em janeiro de 1963, o material gravado ao vivo no Harlem Square Club passou mais de vinte anos arquivado. A RCA havia abortado o projeto de lançamento por achar as gravações muito cruas, agressivas. Esse material foi redescoberto em 1985 e lançado em disco naquele ano, e dá para entender o motivo da RCA ter desistido de lançá-lo. Naquele show, Sam Cooke fez um show visceral, diferente do Sam Cooke doce e suave que a gravadora e o grande público haviam se acostumado. Ele canta de uma maneira que se aproxima do estilo de Otis Redding. Num show para um público exclusivamente negro, Cooke se mostra à vontade e se entrega completamente. Não à toa, Live At The Harlem Square Club, 1963 está entre os melhores álbuns ao vivo de soul music
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Back To Black (Island,2006), Amy Winehouse. Segundo álbum da carreira de Amy Winehouse (1983-2011), Back To Black foi um dos maiores fenômenos da indústria fonográfica deste começo de século XXI. Com um pé no soul, no jazz e no R&B dos anos 1960, e o outro na contemporaneidade, Back To Black catapultou Amy Winehouse para o estrelado da música pop mundial. Neste álbum, Amy contou com o apoio da The Dap-Kings, banda de apoio de Sharon Jones, cantora veterana que se notabilizou por desenvolver um estilo musical totalmente influenciado pela soul music e R&B dos anos 1960.  Ao mesmo tempo que representava a consagração de Amy, Back To Black representou também o começo da decadência precoce da jovem cantora inglesa, que culminaria na sua morte em 2011. Amy e seu Back To Black foram responsáveis por abrir caminho para uma nova geração de cantoras inglesas que carregam nos seus "DNA's" musicais as referências da soul music clássica como Adele, Duffy e Dionne Bromfielde.

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