“Da Lata”(EMI,1995), Fernanda Abreu


Quando a Blitz acabou pela primeira vez em 1986, Fernanda Abreu, uma das ex-backing vocals da banda, levou quatro anos até lançar o seu primeiro álbum solo. Diferente de Evandro Mesquita, vocal da Blitz que naquele mesmo ano lançara o seu primeiro álbum como cantor solo, Fernanda preferiu esperar o tempo certo. Convites para Fernanda gravar não faltaram, porém ela se manteve cautelosa, ainda não havia maturado a sua proposta musical como cantora solo, queria pesquisar mais.

De uma coisa ela tinha certeza: fazer algo parecido com o som da Blitz estava fora de cogitação. Antes de entrar na Blitz, em 1981, Fernanda já tinha uma experiência com dança, e musicalmente sempre teve um gosto pela música negra norte-americana como a disco music, o R&B e a soul music, e ao apelo dançante desses ritmos. Estava aí o ponto de partida para que ela desenvolvesse a linha musical da sua carreira solo. 


Fernanda Abreu (terceira da esquerda para a direita) nos tempos da Blitz nos anos 1980. 

Em 1990, saiu o seu primeiro álbum solo, SLA Radical Dance Disco Club, um álbum com forte influência de disco music, Madonna e do pop eletrônico da época. O segundo trabalho, SLA 2 Be Sample, de 1992, seguiu a recita musical do primeiro. Com esses dois primeiros álbuns, Fernanda Abreu abriu caminho para o pop dançante e eletrônico no Brasil, um filão até então pouco explorado no país. Fernanda se firmava como uma cantora pop em ascensão com completo domínio do seu trabalho, e se distanciava cada vez mais daquela imagem adolescente dos tempos da Blitz.

A sua consagração veio com o terceiro álbum, Dala Lata, lançado em maio de 1995. Enquanto SLA Radical Dance Disco Club e SLA 2 Be Sample são álbuns mais “noturnos”, Dala Lata é mais "solar". É um álbum ao mesmo tempo carioca e universal. A batucada do samba carioca se mistura em completa harmonia com os batidões eletrônicos do funk e do hip-hop, o que torna a sonoridade pop do álbum tão brasileiro e tão globalizado ao mesmo tempo.

O título do terceiro álbum de Fernanda Abreu vem da gíria “da lata”, que surgiu de um episódio curioso ocorrido em 1987, quando tripulantes de um navio australiano despejaram no mar 22 toneladas de maconha embaladas em latas ao longo do litoral brasileiro, temendo a ação da polícia que já havia sido avisada. O navio foi apreendido no Rio de Janeiro. Curiosos conseguiram se apossar dessas latas e venderam a maconha que era considerada de boa qualidade. O fato ficou conhecido popularmente como o "Verão da Lata". A expressão “da lata” passou a ser usada a tudo que fosse bom.


"Verão da Lata": 22 toneladas de latas contendo maconha foram jogadas na costa brasileira em setembro de 1987.

Mas o conceito do álbum transcende a origem surreal da expressão que dá título ao trabalho. “A lata é a cara do Brasil, é barata e brilha. Tem lata d’água na cabeça, a batucada na lata, a percussão na frigideira. A lata é luxo e lixo ao mesmo tempo”, disse Fernanda Abreu numa entrevista para o jornal “Folha de S. Paulo”, em 17 de novembro de 1995. O conceito da lata foi empregado na capa muito bem elaborada, onde a cantora aparece vestida num figurino feito de sucata, mesmo material usado para fazer o cenário. A produção do álbum ficou por conta de Liminha, Will Mowat (tecladista do grupo inglês Soul II Soul), Chico Neves e Marcelo Mansur. Gravado no Brasil, o álbum Da Lata foi mixado em Londres, no estúdio do Soul II Soul.

O conceito da lata está presente logo na primeira faixa do álbum, “Veneno da Lata”, que começa com a filha de Fernanda Abreu, Sophia Stein, então com 3 anos, recitando um poema do poeta carioca Chacal. Com participação especial de Herbert Vianna, vocalista e guitarrista dos Paralamas do Sucesso, a faixa possui um ritmo contagiante que mistura funk com batucada da Escola de Samba da Mangueira e batidão eletrônico.

Em “Garota Sangue Bom”, Fernanda Abreu conta com a participação especial de Fausto Fawcett, e juntos, fazem uma homenagem à mulher carioca. “Garota Sangue Bom” pode ser considerada uma espécie de "filha" de “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, só que mais maliciosa e excitante. “Tudo Vale A Pena” retrata os contrastes sociais do Rio de Janeiro, mas de maneira leve e poética, sem cair no discurso sócio-político.


Fuasto Fawcett e Herbert Vianna: participações especiais no álbum Da Lata.

No pop romântico e dançante “Um Dia Não Outro Sim”, Fernanda tem outro convidado especial, Daddae Harvey, rapper do Soul II Soul, recitando versos em inglês. A ex-Blitz dá uma versão bastante pessoal de “A Tua Presença Morena”, canção de Caetano Veloso lá do álbum Qualquer Coisa (1975).

A ufanista “Brasil É O País do Suingue” é um funk festivo com clima de baile e que celebra o Brasil e as suas diferentes identidades culturais, enquanto que “Esse É O Lugar” refere-se a um mundo globalizado culturalmente. “Dois” é um R&B romântico com batida dançante e um piano dando um toque de elegância à música. O romantismo prossegue com o ritmo lento de “Somos Um (Doomed)” onde Fernanda diz: “Somos um / E não há nada a fazer / A não ser o amor morrer / Então seremos dois”.

O Rio de Janeiro se faz mais uma vez presente no álbum com “SLA 3”, onde cada verso é composto por três palavras que começam respectivamente com as inicias SLA, as mesmas iniciais do sobrenome da cantora: Sampaio de Lacerda Abreu. A curta “A Lata” tem o poeta Chacal recitando os versos e Fernanda Abreu fazendo vocais meio rap, meio embolada em cima de uma base funk.

Fernanda Abreu e seu sutiã de frigideiras.
Fechando o álbum, “Babilônia Rock”, um hit dos anos 1980 da dupla Robson Jorge e Lincoln Olivetti, que na versão de Fernanda tem a participação especial do cantor e guitarrista Cláudio Zoli, fazendo vocais de fundo e solos de guitarra funk.

Impulsionado pelas faixas “Veneno da Lata”, “Garota Sangue Bom”, “Um Dia Não Outro Sim” e “Brasil É O País do Suingue”, Da Lata chegou à marca das 100 mil cópias vendidas. No final de 1995, o sucesso de Fernanda com o álbum era tão grande que ela foi convidada pela Grendene para regravar em ritmo de funk “É Hoje”, antigo samba-enredo da Escola de Samba União da Ilha de 1982 para um comercial de sandálias. A versão de Fernanda acabou estourando nas rádios no verão de 1996 a tal ponto da EMI ter incluído essa música nas novas tiragens de Da Lata.

Em novembro de 1995, começou a bem estruturada e produzida turnê para a promoção do álbum Da Lata, que contou com cenário produzido por Luiz Stein (marido de Fernanda Abreu na época) com uso de sucatas. O figurino de Fernanda para a turnê foi feito de sucata, incluindo o famoso sutiã de frigideira. A coreografia foi elaborada por Débora Colker. A turnê que durou cerca de dois anos, passou pelas principais cidades brasileiras e estendeu-se pelo exterior, passando por França, Itália, Alemanha, Suíça, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Japão.

Faixas
  1. “Veneno da Lata” (participação de Herbert Vianna), (Fernanda Abreu - Will Mowat)
  2. “Garota Sangue Bom” (Fernanda Abreu - Fausto Fawcett)
  3. “Tudo Vale A Pena” (Fernanda Abreu - Pedro Luis)
  4. “Um Dia Não Outro Sim” (participação de Daddae Harvey), (Fernanda Abreu - Marcelo Lobato)
  5. “A Tua Presença Morena” (Caetano Veloso)
  6. “Brasil É O País Do Suingue” (Fernanda Abreu - Fausto Fawcett)
  7. “Esse É O Lugar” (Fernanda Abreu - Aurélio Dias - Fernando Vidal)
  8. “Dois” (Fernanda Abreu)
  9. “Somos Um (Doomed)” (Mathilda Kovac)
  10. “SLA3” (Fernanda Abreu - Marcelo Lobato - Chico Neves)
  11. “A Lata” (participação de Chacal), (Fernanda Abreu – Chacal)
  12. “Babilônia Rock” (Robson Jorge - Guto Graça Mello - Lincoln Olivetti)


Ouça na íntegra o álbum "Da Lata"



Vídeo clipe de "Veneno da Lata", 
participação  especial de Herbert Vianna


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