“Vibrações” (RCA, 1967), Jacob do Bandolim & Época de Ouro
Além do perfeccionismo, outra
característica marcante em Jacob era a personalidade forte. Dizia o que pensava
sem mandar recados, não tinha papas na língua. Era um crítico ácido a qualquer
tipo de descaracterização da música popular brasileira, principalmente o choro.
Tinha em Pixinguinha o modelo padrão de choro, uma referência. Detestava a
bossa-nova por achar uma tentativa de “americanizar” a música brasileira.
Pixinguinha: modelo padrão de choro para Jacob do Bandolim. |
No entanto, Jacob parecia ser dotado
de um espírito controverso. Se por um lado tinha um pavor profundo da
bossa-nova, por outro nutria uma admiração pela canção “Chega de Saudade”, de
Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim, uma das “pedras fundamentais” da
bossa-nova. Naqueles efervescentes anos 1960, com tantas novidades, a juventude
voltada para o rock e outros modismos estrangeiros, Jacob dizia que o choro
iria acabar, mas ao mesmo tempo, saía à luta para a preservação e renovação do
gênero musical, promovendo rodas de choro e saraus pelo Brasil, como por
exemplo, os de Brasília, onde até hoje existe um forte núcleo de choro na
capital federal.
Mostrava-se avesso às modernizações
na música tradicional, mas costumava fazer experimentações que de alguma forma,
poderiam contribuir para mudanças na tradição musical que ele tanto defendia.
Um exemplo de experimentação que ele fez, dotado de modernismo, aconteceu nos
anos 1950 quando ele inventou o vibraplex, que nada mais era do que um violão
tenor Del Vecchio ligado a um órgão Hammond. O resultado foi uma incrível
sonoridade que parecia um som de órgão Hammond dedilhado em cordas de violão. Jacob
gravou algumas músicas com o vibraplex, dentre elas “Brotinho”, de 1953, e “Feitiço”,
de 1954. Hoje, talvez essa sonoridade fosse possível usando uma guitarra
elétrica plugada num pedal de efeito. Jacob provavelmente nunca viu um pedal
desses e certamente detestava guitarra elétrica.
Apesar da fama como músico, Jacob costumava dizer que não dependia da música pra sobreviver. Na verdade, Jacob era funcionário público, trabalhava como escrivão da polícia, no Rio de Janeiro, e era essa profissão que garantia o sustendo da sua esposa e dois filhos.
Vibraplex: violão tenor a um órgão Hammond, com o qual Jacob fez algumas gravações como "Feitiço" e "Brotinho". |
Apesar da fama como músico, Jacob costumava dizer que não dependia da música pra sobreviver. Na verdade, Jacob era funcionário público, trabalhava como escrivão da polícia, no Rio de Janeiro, e era essa profissão que garantia o sustendo da sua esposa e dois filhos.
Jacob Pick Bittencourt nasceu em 14
de fevereiro de 1918, no Rio de Janeiro, filho do farmacêutico Francisco Gomes
Bittencourt e da judia polonesa Raquel Pick. Iniciou-se na música tocando
violino, aos 12 anos, mas não se adaptou. Trocou o violino bandolim, o qual
aprendeu a tocar sozinho. O bandolim passou a ser o seu companheiro para toda a
vida.
Jacob aos 17 anos de idade. |
Aos 15 anos, em 1933, Jacob venceu um
concurso de um programa da Rádio Guanabara, derrotando 28 concorrentes, logo
sendo contratado pela emissora. Cinco anos depois, a cantora Araci de Almeida
grava um samba de sua autoria, “Se Alguém Sofreu”. Após tanto tempo
acompanhando outros artistas em apresentações e gravações, Jacob assina
contrato em 1947 com a gravadora Continental pela qual lança o seu primeiro
disco, um 78 rpm com as músicas “Treme-treme” e “Glória”. Na gravação Jacob foi
acompanhando por César Farias e Seu Conjunto. Pai de Paulinho da Viola, o
violonista César Faria se torna uma figura importante na carreira de Jacob,
participando de vários discos do bandolinista à medida que este começa a ganhar
prestígio.
Em 1949, Jacob troca de gravadora,
vai para a RCA Victor, através da qual se torna um artista de grande expressão
e onde irá permanecer até o fim da vida. A partir de 1951, é acompanhado pelo
Regional de Canhoto. Naquele ano, lança o choro “Doce de Coco” que é talvez o
seu primeiro grande sucesso como instrumentista. Em 1957, emplaca “Noites
Cariocas”, um dos maiores clássicos da história do choro.
Após dez anos acompanhado pelo
Regional de Canhoto, Jacob decide montar o seu próprio conjunto, batizado de
Jacob & Seus Chorões. Ele detestava a expressão “regional”. Para integrar o
conjunto de um artista tão perfeccionista e exigente como Jacob, foram
recrutados músicos de altíssimo nível, um deles o amigo de longos anos, César
Farias, no violão de 6 cordas. Completaram o conjunto Carlinhos Leite (violão
de 6 cordas), Dino 7 Cordas (violão de 7 cordas), Jonas Pereira da Silva (cavaquinho)
e Gilberto D’Ávila (pandeiro).
Em 1964, seu conjunto é rebatizado de
Época de Ouro, nome de um álbum que Jacob havia lançado em 1959. Apesar da
mudança de nome, Jacob gravou discos desde então, mas sem que o nome do
conjunto figurasse nas capas. Isso só foi acontecer em 1967, justamente com o
último e considerado melhor álbum da carreira de Jacob: Vibrações. A capa traz a inscrição “JACOB E SEU CONJUNTO ÉPOCA DE OURO”.
Na contracapa, um texto explica a nova denominação afirmando que a expressão
“regional”, como os conjuntos de choro eram chamados, estava superada.
Época de Ouro, da esquerda para direita: Jonas Silva (cavaquinho), César Faria (violão), Carlinhos Leite (violão), Dino Sete Cordas (violão de 7 cordas), todos ao lado de Jacob do Bandolim. |
O álbum Vibrações impressiona
pela qualidade de sua produção. Mesmo passadas tantas décadas desde que foi
lançado, Vibrações parece que pouco envelheceu. O repertório é composto
por músicas de figuras consagradas como Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Luiz
Americano e Otaviano Maciel, o “Fon-Fon”, mas inclui também composição de gente
pouco conhecida como Joventino Maciel. Jacob fez questão de incluir no álbum
três músicas suas inéditas até aquele momento.
O álbum começa com a faixa-título,
uma das três inéditas de Jacob do disco. Traz um solo de bandolim de rara beleza
e apuro técnico dentro do choro. Jacob parece fazer o bandolim solar com
lamento. A segunda faixa, “Receita de Samba”, outra inédita de Jacob até o
lançamento do álbum, mostra que o gênio do bandolim tinha talento também para
compor sambas. “Ingênuo”, de Pixinguinha e Benedito Lacerda, foi gravada
originalmente pelos seus próprios autores em 1946, apresentando um diálogo
instrumental entre o saxofone de Pixinguinha e a flauta de Benedito. Vinte anos
depois, a versão de Jacob para “Ingênuo” traz o mesmo diálogo, só que desta vez
entre o seu bandolim e o violão do Época de Ouro.
Benedito Lacerda e Pixinguinha: autores de "Ingênuo". |
“Pérolas”, um choro de ritmo lento, é
mais uma composição de Jacob que faz parte do trio de músicas inéditas que o
instrumentista gravou para Vibrações. Na introdução de “Assim Mesmo”, de Luiz Americano, Jacob faz um
solo no seu bandolim que lembra a introdução de um grande sucesso seu, “Noites
Cariocas”. Fechando o lado A, “Fidalga”, de Ernesto Nazareth, onde Jacob mostra
a versatilidade do seu bandolim ao executar uma valsa.
“Lamentos”, de Pixinguinha, abre o
lado B de Vibrações, música que já havia sido gravada pelo autor duas
vezes, uma em 1928, e outra em 1941. Jacob por sua vez havia gravado essa
música em 1951, e a regravou em 1967 para o álbum. Assim como Pixinguinha fez
com a sua flauta na versão de 1941, Jacob faz com seu bandolim na sua versão
para o álbum, solos num trecho da música que simulam como se estivessem em
deslocamento, indo e vindo.
Luiz Americano: Jacob e o Época de Ouro gravaram dele "Murmurando". |
“Murmurando” é de Luiz Americano, mas
ganhou letra por Mário Reis. Foi gravada pela cantora Odete Amaral em 1944,
numa versão um tanto quanto melancólica. Jacob havia gravado “Murmurando” em
versão instrumental pela primeira vez em 1960, e a regravou para o álbum Vibrações,
numa versão muito superior. É mais alegre e brejeira que as anteriores. Com o
choro “Cadência”, de Joventino Maciel, Jacob mostrava que estava atento aos
novos autores.
As três últimas faixas do álbum são
de Ernesto Nazareth. “Floraux” foi gravada pela primeira vez em 1928 pela
Orquestra Rio Artists num disco de 78 rpm em ritmo de maxixe. Com Jacob,
“Floraux” ganhou uma versão choro com uma interpretação mais romântica e leve, empregada
pelos solos do bandolinista e pela base instrumental do Época de Ouro. “Brejeiro”
foi composta por Ernesto como um tango brasileiro (também conhecido tanguinho),
um gênero musical que esteve em voga no início do século XX. Jacob verteu
“Brejeiro” para um choro animado e descontraído, e praticamente criou uma
versão definitiva para essa música, transformando-a num clássico do choro. Já
com a curta “Vésper”, faixa que fecha Vibrações, Jacob e o Época de Ouro seguiram
o ritmo original da música que era o ritmo da valsa.
Vibrações foi a última grande obra de Jacob do
Bandolim. Apesar daquele momento onde a bossa-nova e seus desdobramentos, a
Jovem Guarda e os festivais da TV Record dominavam a pauta da cena musical
brasileira, na qual o choro era um tipo de música tido como fora de moda, havia
no entanto um reconhecimento ao talento de Jacob do Bandolim. Prova disso foi
que ainda naquele ano de 1967, quando lançou Vibrações, Jacob recebeu
a Comenda da Ordem da Bossa, no Clube de Jazz e Bossa, no Rio de Janeiro. Por ironia
do destino, um reconhecimento vindo justamente do jazz e da bossa-nova, gêneros
musicais que Jacob desprezava. Aquilo parece ter mexido com ele, provocado
algum tipo de emoção ao ser recebido por um público jovem naquele lugar, a tal
ponto de ter sofrido o seu primeiro infarto, do qual conseguiu escapar.
Jacob durante as sessões de gravação do álbum Vibrações. |
Em 1968, Jacob teve outro encontro com
a bossa-nova, desta vez no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, onde numa
noite, com o seu conjunto Época de Ouro, foram os convidados de Elizeth Cardoso
e o Zimbo Trio para uma apresentação. O que a princípio seria uma saia justa,
acabou se tornando uma apresentação antológica, tendo como ponto alto o momento
em que Jacob toca “Chega de Saudade”, um dos hinos da bossa-nova, acompanhado
do Zimbo Trio, um dos mais renomados conjuntos bossa-novistas. Teria o velho
Jacob feito uma trégua com a bossa-nova em nome da música? Não se sabe. O fato
é que aquela apresentação no Teatro João Caetano foi gravado e lançado no álbum
Elizeth
Cardoso, Zimbo Trio e Jacob do Bandolim – Ao Vivo No Teatro João Caetano,
divididos em três volumes, num total de 31 músicas ao todo.
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A sua morte não significou o fim do
choro, e ao contrário do que ele dizia, o choro não acabou, muito pelo
contrário. Quatro anos após a morte do mestre do bandolim, o Época de Ouro se
reuniu novamente e está em atividade até hoje, se apresentando, gravando e
levando em frente o legado de Jacob do Bandolim. Além disso, ao longo de todos
esses anos, o choro revelou gerações de novos bandolinistas como Armando Macedo
e Hamilton de Holanda que tiveram Jacob como a grande referência, comprovando
que o choro continua vivo, firme e forte.
Jacob do Bandolim (bandolim) – Época
de Ouro: Dino 7 Cordas (violão 7 cordas), Cesar Faria (violão), Carlinhos Leite
(violão), Jonas Pereira da Silva (cavaquinho), Gilberto D'Ávila (pandeiro) e Jorginho
(ritmista).
Lado A
“Vibrações” (Jacob do Bandolim)
“Receita de Samba” (Jacob do
Bandolim)
“Ingênuo” (Pixinguinha - Benedito
Lacerda)
“Pérolas” (Jacob do Bandolim)
“Assim Mesmo” (Luis Americano)
“Fidalga” (Ernesto Nazareth)
Lado B
“Lamentos”(Pixinguinha)
“Murmurando” (Otaviano Maciel, o “Fon-Fon”)
“Cadência” (Juventino Maciel)
“Floraux” (Ernesto Nazareth)
“Brejeiro” (Ernesto Nazareth)
“Vésper” (Ernesto Nazareth)
Ouça o álbum Vibrações na íntegra
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