10 discos essenciais: folk rock


Até meados da década de 1960, o rock tinha fúria, “músculos”, muita “testosterona”, mas faltava-lhe “neurônios”, um discurso mais contundente, um texto maduro. O rock ainda falava de festinhas, garotas, carrões, mas não era politizado. A rebeldia estava apenas no som elétrico das guitarras, mas não na palavra. Quem vai dar o poder da palavra ao rock é a folk music, gênero musical que não tinha a eletricidade do rock, mas sua força se concentrava nos versos contestadores, nas canções de protesto que estavam em voga desde o início dos anos 1960. Woody Guthrie (1912-1967), o “pai” da folk music como conhecemos hoje, cantava sobre os problemas sociais do povo nas portas das fábricas, nas praças e nas ruas norte-americanas na década de 1940. Guthrie tornou-se uma referência duas décadas depois para o jovem Bob Dylan, que se torna o ícone das canções de protesto no começo dos anos 1960, liderando uma nova geração de artistas de folk music que surgia, cantando e tocando para um público politizado e questionador.

Porém, tudo muda em 1965 após o encontro de Bob Dylan e os Beatles. Na troca de ideias, os Beatles decidem compor canções com letras mais existencialistas, enquanto Dylan vai “plugar” a sua folk music na tomada ao adotar a guitarra elétrica, símbolo do rock’n’roll, gênero odiado pelo público folk mais ortodoxo que o considerava “mercantilista” e “alienado”. A apresentação de Dylan com uma banda de rock no Festival Folk de Newport, em 1965, choca esse público que passa a tratá-lo como “traidor”. Mas era um caminho sem volta. Somado a Bob Dylan e Beatles, os Byrds, que com suas harmonizações vocais e o emprego da guitarra elétrica Rickenbaker de 12 cordas, contribuem para a formatação do folk rock, e abre caminho para os grandes letristas de rock. A partir de meados dos anos 1960, o folk rock segue seu caminho, flerta com a nascente psicodelia, com o rock progressivo e se consolida como um dos mais influentes seguimentos do rock.

Quem sai ganhando com essa fusão é o rock de maneira geral, que de gênero juvenil, cheio de fúria e “testosterona”, passar a ter o texto, o verbo, a poesia, os “neurônios” da folk music como elementos decisivos para que o rock evoluísse como gênero musical no campo da composição. 

Mr. Tambourine Man (Columbia, 1965), The Byrds. Em seu álbum de estreia, Mr. Tambourine Man, a banda californiana The Byrds praticamente definiu os padrões do folk rock ao fundir a sonoridade acústica da folk music e a a eletricidade rebelde do rock. O álbum apresenta o estilo da banda que seria copiada por outras tantas bandas: harmonizações vocais caprichadas, e a guitarra elétrica Rickenbaker de 12 cordas de Jim McGuinn. O álbum traz o clássico da folk music que dá nome ao álbum, “Mr. Tambourine Man”, de Bob Dylan, que ganha uma nova leitura através dos Byrds, que acabou se tornando um clássico do folk rock. “All I Really Want To Do" ( também de Dylan) e "I'll Feel A Whole Lot Better" ( dos Byrds), são alguns dos bons momentos deste álbum considerado o “marco zero” do folk rock.    

  
Highway 61 Revisited (Columbia, 1965), Bob Dylan. Ícone de uma nova geração de artistas da folk music que surgia no começo dos anos 1960, Bob Dylan decidiu ampliar os horizontes, falar para mais gente e sair das amarras que os fãs mais radicais do folk tentavam lhe impor. Aproximou-se dos Beatles, tornaram-se amigos, trocaram experiências. Ele adotou a guitarra elétrica, “símbolo” do rock’n’roll, e passou a ser execrado pelo público folk mais ortodoxo após lançar naquele mesmo ano de 1965, Bringing It All Back Home (metade acústico, metade elétrico) e Highway 61 Revisited, no qual ele consolida o seu processo de eletrificação. Foi durante a época de gravação de Highway 61 Revisited que Bob Dylan foi vaiado impiedosamente ao subir o palco do festival folk de Newport de 1965, empunhando uma guitarra elétrica. Mas era um caminho sem volta:  Highway 61 Revisited foi um marco do nascimento do folk rock, e emplacou faixas que se tornaram clássicos do gênero como “Like A Rolling Stone”, “Tombstone Blues” e “Just Like Tom Thumb's Blues”.


Blonde On Blonde (Columbia, 1966), Bob Dylan. Considerado o primeiro álbum duplo da história do rock, Blonde On Blonde consolida o processo de eletrificação da música de Bob Dylan, iniciada com o álbum Bringing It All Back Home (1964), causando a ira dos fãs mais radicais, mas conquistando novos públicos que passaram a apreciar o trabalho do cantor. Dylan vivia um dos períodos mais criativos e férteis da sua carreira, o que só comprova o fato de ter produzido um álbum duplo como Blonde On Blonde, gravado em Nashville e acompanhado do The Hawks, banda que depois seria rebatizada com o nome de The Band. Tido como denso e melancólico, mesclando folk rock, blues e country music, Blonde On Blonde começa com a faixa “Rainy Day Women #12 & 35”, que foi banida das rádios na época por trazer o verso “Todo mundo deve ficar chapado”. “Just Like A Woman”, “Visions Of Johanna” e “I Want You” (regravada em português pelo Skank nos anos 1990) são alguns dos destaques do álbum.

  
Crosby, Stills & Nash (Atlantic Records, 1969), Crosby, Stills & Nash. David Crosby (ex-The Byrds), Stephen Stills (ex- Buffalo Springfield) e Graham Nash (ex-The Hollies), após deixarem suas respectivas bandas de sucesso, uniram forças e formaram em 1968 o supergrupo Crosby, Stills & Nash. No ano seguinte lançaram o primeiro e magnífico álbum que leva o nome do trio. O álbum impressiona pelas harmonizações vocais fantásticas e arranjos melódicos agradáveis que ajudaram a definir o folk rock. O repertório alterna baladas acústicas com violões na velha tradição da folk music com folk rocks elétricos. “Marrakesh Express” e “Suite: Judy Blue Eyes” são as faixas principais do álbum, mas merecem destaque também “Guinevere”, “You Don't Have to Cry" e a agitada “Pre-Road Downs”, que conta com a participação especial da saudosa Cass Elliot, do Mamas & The Papas, nos vocais de apoio.


The Band (Capitol Records, 1969), The Band. O segundo e homônimo álbum da The Band traz canções retratando os Estados Unidos do século XIX, tocando em assuntos importantes como a Guerra de Secessão (1861-1865). Todas as canções, algumas poucas em parceria, são de autoria do guitarrista e membro fundador da The Band, Robbie Robertson, que apesar de canadense, conseguiu retratar de maneira bastante particular através dos seus versos, assuntos tão particulares da história do povo norte-americano. Os arranjos das canções exploram muito bem a raiz da música popular norte-americana, agregando um pouco de referências da country music e do R&B. Faixas como “The Night They Drove Old Dixie Down", "Up On Cripple Creek" e "Rag Mama Rag", somadas à capa do álbum, levam o ouvinte para algum lugar dos Estados Unidos do século XIX. 


Bridge Over Troubled Water (Columbia, 1970), Simon & Gargunkel. A dupla Simon & Garfunkel fechava a década de 1960 com a popularidade nas alturas. Porém, o relacionamento entre Paul Simon e Art Garfunfel estava completamente desgastado. Apesar do clima extremo de tensão, a dupla conseguiu brindar o seu público com uma obra-prima: Bridge Over Troubled Water. A faixa que dá título ao álbum traz uma interpretação magnífica de Art Garfunkel, algo beirando o sobrenatural. Outras faixas são de uma beleza impressionante como “El Condor Pasa (If I Could)”, “Cecilia” e “The Boxer”.  Bridge Over Troubled Water vendeu milhões de cópias, mas não impediu que a dupla chegasse ao fim.


American Beauty (Warner, 1970), Grateful Dead. O Grateful Dead sempre foi conhecido por ser uma banda de doidões que faziam shows que duravam horas e cultuava o uso do LSD. A banda conseguiu formar uma legião de fãs fanáticos, os chamados "Deadheads", que iam a qualquer parte que o Grateful fosse se apresentar. No entanto, American Beauty, assim como o seu antecessor, o bom Workingman's Dead, ambos de 1970, marcam uma pausa no experimentalismo lisérgico para uma incursão do Grateful Dead no folk rock. A banda californiana mergulha na sonoridade eletroacústica do folk rock, cujo resultado lembra o som do Crosby, Stills, Nash & Young. O Grateful Dead acrescenta algumas "pinceladas" de country music bem de leve em algumas faixas de American Beauty. "Box Of Rain", música que abre o álbum, é de uma beleza comovente. Destaques também para “Friend Of The Devil” e “Sugar Magnolia”.


Harvest (Reprise, 1972), Neil Young. Após o aclamado After The Gold Rush, de 1970, Neil Young lança em 1972, Harvest, quarto álbum da carreira solo do cantor canadense. Para este álbum, Young dispensou a banda que sempre o acompanhava, a Crazy Horse, convocando novos músicos, os da banda Stray Gators. Além disso, o disco conta com convidados como James Taylor e Linda Ronstadt, e os parceiros David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash para os vocais de apoio. Nas faixas “A Man Needs A Maid” e “There's A World”, Neil Young é acompanhado da Orquestra Sinfônica de Londres. A balada folk “The Needle And The Damage Done” alerta sobre os malefícios do uso de drogas da heroína. Impulsionado pelo hits “Heart of Gold” e “Old Man”, Harvest foi um grande sucesso comercial, tornando-se o álbum mais vendido da carreira de Neil Young.


Passado, Presente & Futuro (EMI-Odeon, 1972), Sá, Rodrix & Guarabyra. Ao fundir o folk rock de Crosby, Stills, Nash & Young, música nordestina, country music, música caipira e letras carregadas de muito lirismo poético hippie, o trio Sá, Rodrix & Guarabyra criaram o que ficou conhecido no começo dos anos 1970 como rock rural. O primeiro álbum do trio, Passado, Presente & Futuro é de uma beleza sonora incrível que pode ser comprovada através de faixas como “Boa Noite”, “Me Faça Um Favor” e “Ouvi Contar”. Se “Hoje Ainda É Dia de Rock” é uma ode ao rock’n’roll, “Primeira Canção Da Estrada” é deve ter sido a canção da vida muitos garotos do começo dos anos 1970 que puseram o pé na estrada com a mochila nas costas para descobrir o mundo.
 

As Quatro Estações (EMI-Odeon, 1989), Legião Urbana. Sem o baixista Renato Rocha, que havia deixado a banda por divergências com os colegas, a Legião Urbana lançou em 1989 o seu 4º álbum, As Quatro Estações. Leve e solar, As Quatro Estações mostra uma Legião Urbana mais eletroacústica, mais direcionada ao folk rock, caminho que já vinha acenando desde o álbum Dois de 1986. As faixas “Há Tempos”, “Pais e Filhos”, “Quando O Sol Bater Na Janela Do Teu Quarto”, “Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar”, “Eu Era Um Lobisomem Juvenil”, “Sete Cidades”, “Monte Castelo” e “Meninos E Meninas” (na qual Renato Russo revela a sua homossexualidade), tocaram exaustivamente no rádio, fazendo o álbum vender mais 750 mil cópias na época. A turnê de As Quatro Estações durou cerca de um ano e meio, percorreu quase todo o Brasil com sucesso de público e crítica.  

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