"Meus Caros Amigos" (Philips, 1976), Chico Buarque


A década de 1970 viu um Chico Buarque produtivo e intenso, provavelmente o período em que o artista lançou seus álbuns mais importantes. Chico se mostrava naquele Brasil mergulhado numa ditadura militar que já duravam 12 anos, um artista engajado e relevante, não só nos discos que lançava, mas também escrevendo roteiros para peças teatrais e compondo trilhas sonoras para o cinema e teatro.

O álbum Meus Caros Amigos representa uma espécie de comunhão das ações do cantor nas áreas da música, do cinema e do teatro naquele momento. Lançado em 1976, em pleno governo do presidente militar Ernesto Geisel, Meus Caros Amigos traz canções compostas por Chico para o cinema como “O Que Será (A Flor Da Terra)” para o filme Dona Flor E Seus Dois Maridos, “Vai trabalhar Vagabundo” (para o filme homônimo), “Passaredo” e “A Noiva Da cidade” para o filme A Noiva Da Cidade; e para o teatro “Mulheres De Atenas” para a peça Lisa, a Mulher Libertadora, e “Basta Um dia” para a peça Gota D’Água.

O álbum começa com “O Que Será? (À Flor Da Terra)”, em que Chico Buarque faz um dueto com Milton Nascimento. A música foi tema principal do filme Dona Flor E Seus Dois Maridos, de Bruno Barreto, baseado no livro homônimo de Jorge Amado, e que estreou nos cinemas em 1976.

Homero (século 8 ou 9 a.C.): seus poemas
épicos "Ilíada" e "Odisseia" foram inspiração
para a canção "Mulheres de Atenas".
A faixa seguinte, “Mulheres De Atenas”, de Chico Buarque e do dramaturgo Augusto Boal, foi composta para a peça teatral Lisa, A Mulher Libertadora, do próprio Boal. O espetáculo era baseado na comédia grega Lisístrata, escrita pelo dramaturgo grego Aristófanes, em 411 a.C. Por muito tempo, erroneamente os autores da canção foram acusados de fazerem apologia à submissão feminina ao machismo. Na verdade, a proposta da canção era justamente o contrário: era alertar as mulheres do nosso tempo a não repetirem a condição de subserviência à que eram condenadas as mulheres da Antiga Grécia, daí o verso “Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas”. Inspirada nos poemas épicos “Ilíada” e “Odisseia”, ambas de Homero, “Mulheres De Atenas” carrega toda uma atmosfera melancólica na melodia e nos seus versos que demonstram a submissão feminina na Antiga Grécia: “Elas não têm gosto ou vontade / Nem defeito, nem qualidade / Têm medo apenas / Não têm sonhos, só presságios / O seu homem, mares naufrágios / Lindas sirenas, morenas”

“Olhos Nos Olhos” foi composta por Chico especialmente para Maria Bethânia gravar, o que acabou acontecendo quando ela gravou para o seu álbum Pássaro Proibido, lançado em 1976, mesmo ano de Meus Caros Amigos. A versão gravada por Chico, o cantor manteve os versos no feminino, da mesma maneira que Bethânia gravou.
No bolero “Você Vai Me Seguir”, Chico canta acompanhado do grupo MPB 4 sobre um amante dominador que exerce poder sobre a amada: “Você vai me seguir / aonde quer que eu vá / Você vai me servir, você vai se curvar...”. Mas no decorrer da canção, ele acaba sendo subjugado pela amada antes submissa: “Você vai me trair, você vai me beijar / Você vai me cegar e eu vou consentir / Você vai conseguir enfim me apunhalar...”. Fechando o lado B do álbum, “Vai Trabalhar, Vagabundo”, música do filme homônimo, de 1973. Esse samba é sobre um malandro que se julga esperto e quer levar a vida sem fazer o menor esforço.

Hugo Carvana em cena do filme Vai Trabalhar, Vagabundo: música tema composta para o filme de 1973,
mas incluída no álbum Meus Caros Amigos, em 1976.

Abrindo o lado B de Meus Caros Amigos, o samba “Corrente” apresenta um curioso jogo de inversão de versos. Há quem afirme que seria uma estratégia empregada por Chico Buarque para fazer uma crítica velada à ditadura militar e driblar a censura. A música começa com os versos “Eu hoje fiz um samba bem pra frente / Dizendo realmente o que é que eu acho / Eu acho que o meu samba é uma corrente / E coerentemente assino embaixo...”. Do meio pro fim, os versos se invertem: “Isso me deixa triste e cabisbaixo / Por isso eu fiz um samba bem pra frente / Dizendo realmente o que é que eu acho / Eu acho que o meu samba é uma corrente...”.

Na sequência, duas canções compostas para o filme A Noiva Da Cidade, de Alex Vianny, e que estreou nos cinemas em 1978: “A Noiva Da Cidade” e “Passaredo”. “A Noiva Da Cidade” possui versos que fazem alusão às cantigas de ninar do folclore brasileiro (“Que papai tá na roça / E mamãe foi passear...”) e ao mesmo tempo, traz versos com um certo tom de erotismo (“Ai, como essa moça é distraída / Sabe lá se está vestida / Ou se dorme transparente...”). Com temática ecológica, “Passaredo” faz um alerta sobre a ameaça predatória do homem sobre as aves. A canção possui uma flauta que parece simular o canto de uma ave, bem condizente com o tema central da música. É talvez a faixa com os arranjos mais bonitos do álbum. Isso se deve ao trabalho de Francis Hime, parceiro de Chico e responsável pela direção artística e pelos arranjos de boa parte das faixas do álbum.

Elke Maravilha como protagonista de A Noiva Da Cidade, filme de Alex Vianny, de 1978, com duas canções de
Chico Buarque e Francis Hime: "A Noiva Da Cidade" e "Passaredo".

A faixa seguinte é “Basta Um Dia”, música composta por Chico Buarque para a peça teatral Gota D’Água, em 1975. Com roteiro escrito pelo próprio Chico e por Paulo Pontes, a peça ganhou o Prêmio Molière. No ano seguinte, Chico gravou a canção para Meus Caros Amigos.

Chico Buarque compôs “O Que Será (À Flor
Da Terra)” para o filme Dona Flor E Seus
Dois Maridos.
O álbum fecha com chave de ouro com “Meu Caro Amigo”, uma canção que Chico e Francis Hime compuseram dedicada a Augusto Boal. Exilado em Portugal e longe do Brasil, Boal buscava notícias da terra natal. A letra da canção foi escrita como se fosse uma carta dirigida a um amigo contando as novidades. Entre um trecho e outro falando de novidades do cotidiano, destaca-se o verso “Mas o que eu quero lhe dizer que a coisa aqui tá preta”, uma referência sutil ao momento político do Brasil na época, sob o domínio de um regime ditatorial. “Meu Caro Amigo” tem um arranjo de choro, o que dá um tom nostálgico à canção. Um grupo de músicos consagrados do choro acompanharam Chico Buarque em “Meu Caro Amigo”, como o flautista Altamiro Carrilho, o violonista Dino 7 Cordas, o clarinetista Abel Ferreira, o bandolinista Joel Nascimento entre outros.

Meus Caros Amigos emplacou quase todas as faixas. “O Que Será (À Flor Da Terra)” fez um enorme sucesso, foi uma das músicas mais executadas no rádio em 1976. Enquanto isso, o filme do qual a canção foi tema principal, Dona Flor E Seus Dois Maridos, levou mais de 10 milhões de espectadores às salas de cinema em todo o Brasil. “Vai trabalhar, Vagabundo”, que já era conhecida do grande público por causa do filme homônimo três anos antes, voltou a fazer sucesso quando foi incluída no Meus Caros Amigos. É impossível ouvir esse samba sem lembrar-se do personagem malandro interpretado por Hugo Carvana, que além de ator protagonista, foi o diretor do filme. “Mulheres De Atenas”, “Olhos Nos Olhos” e “Meu Caro Amigo” também tiveram boa execução radiofônica e estão entre os grandes sucessos da carreira de Chico Buarque.
  
FAIXAS

Lado A
  1. “O Que Será (À Flor Da Terra)” (Chico Buarque)
  2. “Mulheres De Atenas” (Chico Buarque - Augusto Boal)
  3. “Olhos Nos Olhos” (Chico Buarque)
  4. “Você Vai Me Seguir” (Chico Buarque - Ruy Guerra)
  5. “Vai Trabalhar Vagabundo” (Chico Buarque)


Lado B
  1. “Corrente” (Chico Buarque)
  2. “A Noiva Da Cidade” (Chico Buarque - Francis Hime)
  3. “Passaredo” (Chico Buarque - Francis Hime)
  4. “Basta Um dia” (Chico Buarque)
  5. “Meu Caro Amigo” (Chico Buarque - Francis Hime)

Ouça na íntegra o álbum Meus Caros Amigos

Comentários

  1. E reza a lenda de que ''Olhos nos Olhos'',com Maria Bethânia,levou a MPB às AMs do imenso Brasil,eu ouvi,sim,mas na interpretação de Agnaldo Timóteo.

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  2. ''Mulheres de Atenas'' foi cantada por Elis Regina magistralmente,pena que o áudio do vídeo é precaríssimo.

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  3. O disco todo é muito bom e o texto também.

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