“Vivendo e Não Aprendendo”(Warner, 1986), Ira!


O Ira! havia causado uma boa impressão com o seu álbum de estreia, o Mudança de Comportamento, lançado em maio de 1985. Puxado pelo hit “Núcleo Base”, Mudança de Comportamento chegou à casa das 60 mil cópias vendidas. Se não era um número tão expressivo comparado às 450 mil cópias de Nós Vamos Invadir A Sua Praia, do Ultraje A Rigor ou às 300 mil de Revoluções Por Minuto, do RPM, também lançados em 1985, por outro ajudou juntamente com esses álbuns, ao rock paulista fazer frente ao rock carioca que até aquele momento, dominavam o mainstream do cenário roqueiro nacional que vivia um momento de renovação nos anos 1980 desde o estouro da Blitz em 1982.

E maio de 1986, o Ira! foi para o Rio de Janeiro onde começou a gravar o seu segundo álbum, o Vivendo E Não Aprendendo, no estúdio Nas Nuvens, de propriedade de Liminha, ex-baixista dos Mutantes e que se tornou um renomado produtor de discos. Liminha tinha até aquele momento produzido discos de artistas como Gilberto Gil, Lulu Santos, Kid Abelha, Frenéticas e Banda Black Rio. O ex-mutante havia acabado de produzir o antológico Cabeça Dinossauro, dos Titãs, que seria lançado em junho daquele ano.
Para o segundo álbum, Ira! quis manter os mesmos referenciais que ajudaram a moldar o seu som: The Who, The Kinks e The Jam, sendo este último a maior influência do quarteto paulista.
Ira!
Mas o que poderia ser um processo de gravação cercado de tranquilidade, acabou virando um campo de batalha. As gravações de Vivendo E Não Aprendendo não foram nada tranquilas. Para manter o que queriam para o álbum, os integrantes do Ira! adotaram uma postura muito radical, intransigente e até mesmo arrogante, frente ao experiente Liminha. Houve aí uma espécie de choque de gerações. De um lado, quatro caras que vinham do underground paulistano e com a ideologia punk na cabeça. Do outro, um produtor vindo da escola do rock progressivo onde o perfeccionismo era a lei.

A banda paulista queria seguir uma linha próxima ao do The Jam, sua grande referência. Liminha achava o Jam desafinado e propunha algo melhor. Os choques entre banda e produtor se tornaram constantes e insustentáveis a tal pondo de Liminha chegar a passar o comando da produção do álbum para Pena Schimidt. Este sugeriu que o álbum fosse finalizado em São Paulo. O produtor português Paulo Junqueiro finalizou o álbum. No final das contas, para preencher a ficha técnica, o álbum acabou tendo cinco produtores: Liminha, Pena Schimidt, Paulo Junqueiro, Vítor Farias (técnico de som de Liminha) e o próprio Ira!

Anos mais tarde, o Ira! reconheceu que o destrato dado a Liminha foi um erro e desperdício. Poderia ter aprendido muita coisa com ele.

Ira! em meados dos anos 2000
Após uma produção cercada de muitas turbulências, Vivendo E Não Aprendendo chegou às lojas em agosto de 1986. Em outubro, o Ira! fez um show de lançamento na Praça do Relógio, no campus da USP, em São Paulo para um público de 40 mil pessoas. Renato Russo, da Legião Urbana, e Paul Toller, do Kid Abelha, estavam presentes para prestigiar o show de lançamento.

Os temas girando em torno das descobertas e dilemas da juventude presentes no primeiro álbum estavam presentes nas canções de Vivendo E Não Aprendendo, através letras carregadas de muito lirismo poético sob uma base musical que unia urgência juvenil e a beleza melódica. Edgar Scandurra, além de músico talentoso, se revelava um compositor de mão cheia.

“Envelheço Na Cidade” foi a primeira a faixa a estourar, e seu riff de guitarra se tornou um dos mais marcantes do rock nacional. “Dias de Luta” foi a segunda a cair no gosto do público nas rádios. Com “Flores Em Você” como tema de abertura da novela O Outro, da Globo, em 1987, as vendas de Vivendo E Não Aprendendo impulsionaram chegando a pouco mais de 250 mil cópias vendidas. A massa descobria enfim o Ira!. O que chamava a atenção em “Flores Em Você” era o quarteto de cordas que trazia de volta, o pop barroco, um gênero do rock que teve o seu auge em meados dos anos 1960.

Vivendo E Não Aprendendo ainda trouxe outras canções interessantes e muito bem construídas, mas que também falavam sobre coisas comuns ao universo do jovem como inexperiência e petulância em “XV Anos” e inconsequência em “Tanto Quanto Eu”. A faixa “Pobre Paulista”, que havia sido gravada num compacto em 1984 junto com “Gritos Na Multidão” (também incluída no disco) gerou polêmica por supostamente ser uma contra os migrantes nordestinos. Edgard Scandurra sempre ter negado. É uma dúvida que persiste até hoje, e que volta e meia, a polêmica volta à tona. Para o álbum, ambas foram gravadas ao vivo durante um show em São Paulo numa casa de espetáculos.

Polêmicas à parte, o fato é que Vivendo E Não Aprendendo se tornou o mais importante trabalho da carreira do Ira! e um dos mais importantes álbuns da história do rock brasileiro.

Faixas:

Lado A
  1. “Envelheço Na Cidade"               
  2. "Casa De Papel"                             
  3. "Dias de Luta" 
  4. "Tanto Quanto Eu" (Edgard Scandurra - Ricardo Gasparini)        
  5. "Vitrine Viva"    (Edgard Scandurra - Luis Arnaldo Braga)

Lado B
  1. "Flores Em Você"                           
  2. "Quinze Anos (Vivendo E Não Aprendendo)" (Edgard Scandurra - Ricardo Gasparini)
  3. "Nas Ruas"                        
  4. "Gritos Na Multidão"                   
  5. "Pobre Paulista"              

Todas as faixas são de autoria de Edgard Scandurra, exceto as indicadas.


Ouça na íntegra o álbum Vivendo e Não 
Aprendendo (incluindo faixas bônus)

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