“Maritmo” (Columbia, 1998), Adriana Calcanhoto



Por Sidney Falcão 

Foi na Porto Alegre de meados dos anos 1980 que Adriana Calcanhotto começou a sua carreira artística, fazendo apresentações intimistas nos bares e casas noturnas da capital gaúcha. Combinando uma sensibilidade lírica única com uma presença cativante, ela logo chamou a atenção do público alternativo e da crítica especializada, conquistando seu espaço. Esse impulso a levou a São Paulo e, posteriormente, ao Rio de Janeiro, onde em 1989, cuja repercussão abriu as portas para o lançamento de seu primeiro álbum, Enguiço, em 1990. O disco, que trazia músicas já testadas e aplaudidas no circuito vanguardista, rendeu a Adriana o Prêmio Sharp de “Revelação Feminina”, estabelecendo de vez sua presença no panorama musical. 

Dois anos mais tarde, em 1992, Adriana lançou segundo álbum, Senhas, um projeto que marcou sua independência artística, já que ela assumiu o controle total da concepção e produção. O álbum trouxe hits duradouros como “Mentiras” e “Esquadros”, canções que rapidamente conquistaram as rádios e garantiram lugar cativo nos seus shows. 

Mas foi com A Fábrica do Poema (1994), seu terceiro álbum, Adriana Calcanhotto atingiu um novo ápice criativo. Aclamado pela crítica como o “disco do ano”, o álbum trouxe parcerias poderosas com alguns dos mais respeitados nomes da poesia e da música brasileira, como Waly Salomão (1943-2003), Arnaldo Antunes e Péricles Cavalcanti. Essa união de talentos, combinada com o estilo inconfundível de Adriana, consolidou sua posição como uma das figuras mais importantes de uma nova geração cantoras da MPB que consagrava nos anos 1990 como Marisa Monte, Cássia Eller (1962-2001) e Zélia Duncan. 

Em 1998, Adriana Calcanhotto lança Maritmo, um dos álbuns mais emblemáticos da carreira da cantora gaúcha, e que marca um momento de profunda experimentação sonora e poética. Quarto disco de sua trajetória, Maritmo inaugura uma trilogia dedicada ao mar, seguido por Maré (2008) e Margem (2019). O título do álbum é um jogo de palavras que une "mar" e "ritmo", refletindo a fusão entre o universo aquático e a musicalidade fluida que permeia suas faixas. Maritmo é uma obra que faz uma mesclagem interessante de referências musicais que inclui MPB, samba, bossa nova, samba-reggae, ijexá, pop eletrônico e rock. 

O mar é um elemento central no álbum Maritmo, de Adriana Calcanhotto, atuando tanto como metáfora quanto como fonte de inspiração. Suas águas calmas e tempestades representam as nuances da vida, refletindo momentos de paz e desafios. A natureza também serve como base criativa para a artista, que encontra no oceano a força e beleza para suas composições.

 

O álbum Maritmo inaugura uma trilogia dedicada ao mar. Maré (2008) e
Margem (2919) são os álbuns que completam a trilogia. 

Além disso, o mar simboliza a liberdade e as infinitas possibilidades, destacadas em faixas como "Pista de Dança" e "Vambora". Essa presença marítima confere ao álbum uma atmosfera poética, que conduz o ouvinte a uma jornada introspectiva e repleta de significados profundos. 

Produzido por Ju Velloso, Liminha e Adriana Calcanhoto, Maritmo traz convidado especiais como Dorival Caymmi (1914-2008), Waly Salomão e a banda Pedro Luís & A Parede. Na capa do álbum, Adriana aparece vestindo um parangolé, um tipo de vestimenta em tecido criada pelo artista plástico carioca Hélio Oiticica (1937-1980) nos anos 1960, que mostra toda a sua plenitude com os movimentos de quem a veste, revelando suas cores, formas e mensagens. 

Provavelmente a imagem da capa faz alusão ao título da faixa que abre o álbum, “Parangolé Pamplona”, que começa com um ritmo percussivo e sons de guitarra que remetem ao Chico Science & Nação Zumbi. A música toma depois um caminho de uma batida pop dançante. 

Em seguida vem “Maritmo”, faixa que dá nome ao álbum e que possui uma base rítmica apoiada numa bossa pop, tendo como protagonista o violão. A letra evoca experiência de um passeio pelas praças do Rio de Janeiro, descrevendo as paisagens, cores e atmosferas que compõem a orla carioca. 

“Vambora” é um dos maiores sucessos da carreira de Adriana Calcanhoto. A letra desta canção trata sobre a saudade e o desejo urgente do eu lírico em recomeçar um relacionamento. A canção reflete a tensão entre a espera e a ação marcada pela presença emocional da pessoa amada. 

“Quem Vem Pra Beira do Mar” é uma antiga canção de Dorival Caymmi e que nesta versão de Adriana Calcanhoto, ela faz um bonito dueto com o próprio Caymmi. Os versos celebram a atração irresistível do mar, simbolizando liberdade e transformação, sugerindo que quem se aproxima dele não deseja retornar à vida anterior. A canção reflete o fascínio do oceano e sua conexão com o movimento e o mistério.

Adriana Calcanhoto com Dorival Caymmi na faixa "Quem Vem Pra Beira do Mar",
canção de autoria do próprio Caymmi. 

Em "Mão e Luva", Adriana Calcanhoto conta com a participação especial da banda Pedro Luís & A Parede. A través e um ritmo com uma acentuação reggae, Adriana e o vocalista Pedro Luís cantam versos sobre um relacionamento que parecia perfeito, mas foi interrompido, expressando saudade e o desejo de reviver momentos passados. 

O álbum ganha ares de clima de boate com “Pista de Dança” e sua batida eletrônica dançante, mais uma linha de baixo funk executada pelo produtor Liminha, que começou a sua carreira musical como baixista. Adriana não canta os versos, mas sim os declama como poema em cima da batida dançante e envolvente da música. Os versos refletem a confusão e a vertigem da vida moderna, comparando a existência a uma dança caótica, onde o indivíduo perde o controle e se move entre o acaso e a sorte. A canção mistura referências culturais e musicais, criando uma sensação de desorientação e entrega ao movimento. O poeta e compositor baiano, e co-autor desta música, Waly Salomão faz uma bem inusitada participação especial, recitando alguns versos. 

Com o curioso título “Vamos Comer Caetano”, a letra desta música explora de forma provocativa e metafórica, o desejo de absorver a essência artística e intelectual de Caetano Veloso, simbolizando uma fusão entre arte e consumidor. A base instrumental é um samba-reggae recheada de colagens sonoras com as voz de Caetano em vários momentos, seja falando e trechos de músicas cantadas por ele. 

A faixa seguinte, é outra canção presente no álbum que também se tornou um grande sucesso popular na carreira de Adriana. Composta por Bebel Gilberto, Cazuza (1958- 1990) e Dé Palmeira, foi através da voz de Adriana que “Mais Feliz” ficou conhecida pelo grande público. “Mais Feliz” é uma balada pop que expressa o amor contínuo e inabalável, comparando-o a um rio que supera obstáculos, e destaca a busca pela simplicidade e autenticidade no relacionamento. O pacto entre os amantes simboliza o desejo de alcançar a felicidade plena em momentos simples e compartilhados. 

Em "Asas", a letra trata sobre liberdade concedida ao ser amado para explorar o mundo, enquanto o eu lírico permanece à espera, observando de longe: “Suas asas, amor / Quem deu fui eu / Para ver você conquistar o céu”. Já “Dançando” refere-se a outro tipo de liberdade, a de se expressar através da dança, de maneira espontânea e diversa, sem regras ou limitações: “Quero porque quero / E não espero para começar / Danço porque danço / E não me canso até o sol raiar”

Recitando versos: o poeta e compositor Wally Salomão faz participação especial em
"Pista de Dança", parceria dele com Adriana Calcanhoto.

“A Cidade” é a faixa mais experimental de Maritmo. Consiste apenas de colagens sonoras que obedecem a uma sequência rítmica tendo um som de pandeiro como fio condutor da faixa, na qual se ouve diálogos, sons de buzina de carro, ruídos de trânsito e gargalhadas. 

Durante a sua carreira, Adriana Calcanhoto mostrou-se habilidosa em fazer releituras de sucessos de outros artistas, mas de uma bastante pessoal e conseguindo levar essas canções novamente às paradas de sucesso. Foi assim com “Por Isso Eu Corro Demais”, um grande sucesso de Roberto Carlos dos anos 1960 que ganhou uma nova regravação com Adriana Calcanhoto e voltou às paradas de rádio. Esta versão traz apenas a voz de Adriana acompanhada de um violão, mais algumas inserções de solos de guitarra de Felipe Eyer. 

“Canção Por Acaso” aborda a desconstrução de conceitos tradicionais da música e da arte, destacando a ausência de elementos estruturais como ritmo, melodia e teoria. A letra da canção propõe a criação artística espontânea, sem regras ou convenções. Com todas essas características, quem melhor do que Hermeto Pascoal para acompanhar Adriana nesta música? O músico acompanhou Adriana ao piano e ainda foi o produtor desta faixa. 

O disco chega ao final com “Cariocas – remix 96”, faixa que retrata as características e o estilo de vida descontraído e vibrante dos habitantes do Rio de Janeiro. 

Com mais de 150 mil cópias vendidas, Maritmo rendeu a Adriana Calcanhoto o disco de ouro. A faixa “Vambora” integrou a trilha sonora da novela Torre de Babel, da TV Globo, em 1988, enquanto que “Mais Feliz” foi incluída na trilha sonora da novela Suave Veneno, de 1999, também exibida pela TV Globo. 

Após Maritmo, Adriana lançou em 2000 Público, o primeiro álbum gravado ao vivo da cantora gaúcha, que chegou à marca de 250 mil cópias vendidas, que contém uma releitura bastante acertada de Adriana para “Devolva-me”, canção de grande sucesso da dupla Leno & Lílian nos anos 1960. 

Daí em diante, Adriana Calcanhoto adentra os anos 2000 lançando uma sequência de bons álbuns como Cantada (2002) e o premiado Adriana Partimpin (2004). A trilogia “marítima” de Adriana prossegue com Maré em 2008, e chega ao fim com Margem, em 2019.

 

Faixas

O disco contém canções de autoria da cantora e regravações. Os maiores sucessos do álbum foram "Vambora", "Mais Feliz" e "Por Isso Eu Corro Demais".

 

Faixas

1."Parangolé Pamplona"  (Adriana Calcanhotto)     

2."Maritmo"   (Adriana Calcanhotto)

3."Vambora"   (Adriana Calcanhotto)            

4."Quem Vem Pra Beira do Mar" (Dorival Caymmi)

5."Mão e Luva" (Pedro Luis) 

6."Pista de Dança"  (Adriana Calcanhotto - Waly Salomão)

7."Vamos Comer Caetano"   (Adriana Calcanhotto)

8."Mais Feliz" ( Bebel Gilberto – Cazuza – Dé)           

9."Asas" (Adriana Calcanhotto - Antônio Cícero)     

10."Dançando" (Péricles Cavalcanti)

11."A Cidade" (Helder Aragão)           

12."Por Isso Eu Corro Demais" (Roberto Carlos)      

13."Canção por Acaso"  (Adriana Calcanhotto)        

14."Cariocas - Remix 96" (Adriana Calcanhotto)

 

Referências:

adrianacalcanhotto.com

globo.com 


"Parangolé Pamplona"

"Maritmo"

"Vambora"

"Quem Vem Pra Beira do Mar"

"Mão e Luva"

"Pista de Dança"

"Vamos Comer Caetano"

"Mais Feliz"

"Asas"

"Dançando"

"A Cidade"

"Por Isso Eu Corro Demais"

"Canção por Acaso"

"Cariocas - Remix 96"

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