“Blood On The Tracks” (Columbia, 1975), Bob Dylan


Por Sidney Falcão

No início da década de 1970, Bob Dylan enfrentava um período de instabilidade criativa e pessoal. Após uma série de álbuns irregulares e uma breve passagem pela gravadora Asylum Records, onde lançou os álbuns Planet Waves e o álbum ao vivo Before the Flood com The Band, ambos em 1974, Dylan parecia distante da inspiração que o consagrou nos anos 1960. Foi logo após a turnê no começo de 1974 com The Band, marcada por uma maratona de shows pela América do Norte, que Dylan começou a enfrentar uma crise pessoal ainda mais profunda: o colapso de seu casamento de anos com sua esposa Sara, mãe de seus quatro filhos. Essa ruptura foi catalisada por um envolvimento extraconjugal com Ellen Bernstein, uma jovem funcionária da Columbia Records, gravadora à qual Dylan retornaria após sua breve estadia na Asylum. 

Em meio a essa tempestade emocional, Dylan buscou refúgio na arte, matriculando-se em aulas de pintura com o artista Norman Raeben, que o ajudou a expandir sua percepção de tempo e de narrativa. Inspirado por essas novas perspectivas e pela turbulência de sua vida pessoal, Dylan começou a compor as canções que formariam o repertório do álbum Blood On The Tracks. 

Em agosto de 1974, Bob Dylan assinou contrato com a Columbia Records, cravando assim o seu retorno àquela companhia. No mês seguinte, gravou o material do novo álbum em Nova York, nos estúdios A&R, tendo à frente da produção Phil Ramone (1934-2013). Contudo, quando Dylan apresentou o material gravado ao lado do seu irmão David Zimmerman, este o aconselhou a regravar cerca de cinco canções, metade do álbum, por achá-las tematicamente fortes demais, muito amarguradas, o que, segundo ele, poderia comprometer as vendas do álbum. Bob Dylan foi até Minneapolis e, no estúdio Sound 80, regravou as cinco canções sugeridas por seu irmão. Previsto para ser lançado em dezembro de 1974, todo esse processo de regravação de metade do repertório fez com que o novo álbum fosse lançado apenas em 20 de janeiro de 1975. 

Décimo quinto álbum de estúdio de Bob Dylan, Blood On The Tracks marcou o retorno do cantor à Columbia Records após um curto período na Asylum Records. Musicalmente, o disco não possui nada de tão surpreendente, mas a relevância reside no conteúdo das letras das canções. As canções são confessionais e teriam sido influenciadas pelo fim do casamento de Dylan, embora o cantor negasse.

Blood On The Tracks marcou o retorno de Bob Dylan à gravadora Columbia.

Blood On The Tracks é um álbum profundamente pessoal, abordando temas como dor, arrependimento, perda e relacionamentos fracassados. As letras exploram desilusões amorosas, traumas emocionais e a luta interna do eu lírico para lidar com essas experiências. Com uma sensação de nostalgia e melancolia, o álbum retrata a busca por paz e sentido em meio à dor, enquanto reflete sobre escolhas e erros do passado, com ênfase em confrontar verdades difíceis e buscar redenção. 

O álbum abre com “Tangled Up In Blue”, uma das faixas que foram regravadas. A canção é uma reflexão poética de Bob Dylan sobre um relacionamento turbulento e a complexidade das emoções envolvidas, marcada por encontros, separações e a busca por sentido em meio ao emaranhado do passado e presente. 

“Simple Twist Of Fate” narra a história de um encontro amoroso que, apesar de intenso, termina abruptamente, deixando o eu lírico refletindo sobre como uma simples reviravolta do destino mudou o curso de suas vidas, levando-o a um sentimento de perda e desilusão. Os versos de "You're A Big Girl Now" retratam a dor e o arrependimento de um homem após o fim de um relacionamento, enquanto ele reflete sobre a perda, a maturidade emocional de sua ex-parceira e seu próprio desejo de reconciliação. 

“Idiot Wind” traz a presença constante do órgão Hammond, conduzido pelo próprio Bob Dylan. A letra de “Idiot Wind” é carregada de raiva e frustração, onde o eu lírico confronta uma relação desfeita, acusando a ex-parceira de traição e manipulação, enquanto expressa sua própria dor e desilusão com a situação. “Idiot Wind” reflete a amargura de um amor destruído e a luta para superar as cicatrizes emocionais deixadas para trás. 

O lado 1 do álbum encerra com “You're Gonna Make Me Lonesome When You Go", que trata da antecipação da solidão e da dor emocional que o eu lírico sentirá após a partida de um amor intenso e fugaz, refletindo sobre como esse relacionamento será insubstituível.

Detalhe da ilustração de David Oppenheim para a contracapa
do álbum Blood On The Tracks.

"Meet Me In The Morning" abre o lado 2 de Blood On The Tracks. A canção é um blues eletroacústico que poderia muito bem ter sido criado pelos Rolling Stones. Os versos de "Meet Me In The Morning" tratam da dor e do desespero de um amor perdido, com o eu lírico expressando sua angústia e solidão enquanto reflete sobre a escuridão que tomou conta de sua vida desde a partida de sua amada: “Dizem que a hora mais escura / É momentos antes da nascente / Mas você não diria por mim / Todo dia tem sido trevas desde que você se foi”. 

“Lily, Rosemary And The Jack Of Hearts” é a faixa mais longa do disco, com cerca de nove minutos de duração. Em ritmo de música country reto e sem pausa, a canção narra uma história complexa de traição, roubo e assassinato em um ambiente de cabaré. A letra entrelaça as vidas de vários personagens, com o misterioso Valete de Copas influenciando os destinos de todos ao seu redor. 

Em sentido contrário à faixa anterior, “If You See Her, Say Hello” é uma canção mais lenta, quase sonolenta. Nela, Bob Dylan canta sobre a dor e a saudade após o término de um relacionamento. É mais uma canção presente no disco que reflete o arrependimento do eu lírico, que ainda carrega fortes sentimentos pela pessoa amada, apesar da separação. É impossível não associá-la ao momento pós-separação que Dylan vivia. 

A balada folk "Shelter From The Storm" traz apenas Bob Dylan e seu violão. Os versos desta canção tratam da busca por consolo e refúgio durante momentos de crise e desolação emocional. A letra descreve uma jornada através da dor e da vulnerabilidade, onde o eu lírico da canção encontra abrigo temporário em meio às tempestades de sua vida pessoal e emocional.

 

Fechando o álbum, "Buckets Of Rain", uma delicada e minimalista balada folk, conta apenas com o violão dedilhado de Bob Dylan e o baixo de Tony Brown fazendo o apoio. Dylan explora o sentimento de cansaço e resignação diante da vida e dos relacionamentos. A letra reflete sobre a dor e a alegria acumuladas, expressando um amor que persiste apesar das adversidades e das dificuldades emocionais. 

Na época de seu lançamento,Blood On The Tracks recebeu uma recepção por parte da crítica um tanto quanto “morna”. O jornalista Robert Christgau, então colunista do jornal Village Voice, afirmou que o disco traz “momentos de raiva que parecem imaturos, e o tema predominante do amor interrompido lembra angústia adolescente, mas no conjunto é o trabalho mais maduro e seguro do artista”. Para John Landau, da revista Rolling Stone, o álbum tem uma “escrita poderosa”, mas que estava condenado por causa da produção que deixava a desejar. 

Comercialmente, o álbum alcançou uma temperatura “um pouco mais elevada”. Em menos de um mês de lançamento, Blood On The Tracks vendeu mais de 500 mil cópias nos EUA, conquistando em pouquíssimo tempo o disco de ouro. Mais tarde, Blood On The Tracks alcançaria a marca de 2 milhões de cópias no mercado americano, garantindo a Bob Dylan disco duplo de platina. Nas paradas, Blood On The Tracks foi 1° na Billboard 200 nos Estados Unidos, e também na parada de álbuns do Canadá, além de 4° no Reino Unido. 

Se na época em que foi lançado Blood On The Tracks recebeu avaliações “mornas” e cautelosas por parte da crítica musical, o álbum foi construindo a sua reputação ao longo do tempo. Blood On The Tracks passou a ser reconhecido não apenas como um momento de mudança significativa na vida pessoal de Dylan, mas também como uma obra-prima na discografia do cantor e um dos álbuns mais influentes da história da música popular. Os temas do álbum, como amor, perda e traição, são universalmente ressonantes, e a capacidade de Dylan de transmitir emoções complexas por meio de letras poéticas e maduras estabeleceu um novo padrão para a composição. Faixas como "Tangled Up In Blue" e "Shelter From The Storm" se tornaram icônicas, frequentemente citadas como os principais exemplos do gênio lírico de Dylan.

 

Faixas

Todas as faixas foram compostas por Bob Dylan

Lado 1

  1. "Tangled Up in Blue"
  2. "Simple Twist of Fate"
  3. "You're a Big Girl Now"
  4. "Idiot Wind"
  5. "You're Gonna Make Me Lonesome When You Go" 

Lado 2

  1. "Meet Me in the Morning"
  2. "Lily, Rosemary and the Jack of Hearts"
  3. "If You See Her, Say Hello"
  4. "Shelter from the Storm"
  5. "Buckets of Rain"

 

Referências:

A Balada de Bob Dylan – Um retrato musical – Daniel Mark Epstein, 2012, Editora Zahar, Nova York, Rio de Janeiro, Brasil.

wikipedia.org

"Tangled Up in Blue"

"Simple Twist of Fate"

"You're a Big Girl Now"

"Idiot Wind"

"You're Gonna Make Me 
Lonesome When You Go"

 
"Meet Me in the Morning"

"Lily, Rosemary and the Jack of Hearts"

"If You See Her, Say Hello"

"Shelter from the Storm"

"Buckets of Rain"

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