“Os Cães Ladram, Mas A Caravana Não Pára” (Sony Music, 1997), Planet Hemp
O Planet Hemp vinha do sucesso comercial e de crítica do seu
primeiro álbum de estúdio, Usuário, lançado em 1995. A banda não chamava
a atenção apenas pelo seu som, mas também pela causa que defendia: a
legalização da maconha. O título do seu álbum de estreia e o conteúdo das
letras de algumas canções como o hit “Legaliza Já”, deixavam muito claro o
posicionamento da banda carioca. É evidente que isso causou polêmica. A Planet
Hemp foi alvo de críticas pesadas de setores mais conservadores da sociedade que
chegaram a criar um movimento para impedir as apresentações do Planet Hemp nas
cidades em que a banda passava. Mesmo com toda essa confusão, protestos e ações
judiciais, o primeiro álbum da Planet Hemp vendeu mais de 150 mil cópias.
No final de 1996, após terminar a turnê do álbum Usuário,
a Planet Hemp entrou em estúdio para gravar o seu segundo álbum, que contou com
a produção de Mário Caldato Jr., produtor brasileiro que tinha no currículo
produção e mixagem de trabalhos de artistas consagrados no exterior como
Beastie Boy, Björk, The Cult, Beck entre outros.
Intitulado Os Cães Ladram, Mas A Caravana Não Pára,
o segundo álbum da Planet Hemp foi batizado com esse nome em resposta àqueles
que achavam que a banda não resistiria aos processos judiciais e às prisões por
defender a liberação da maconha. O título do álbum seria baseado num antigo
provérbio árabe.
Assim como no álbum anterior, em Os Cães Ladram, Mas A
Caravana Não Pára, a Planet Hemp prossegue com o seu discurso em defesa
da liberação da maconha e toca em assuntos delicados como a violência policial
e os problemas sociais vividos pelas camadas mais carentes da cidade do Rio de
Janeiro. O álbum traz uma soma sonora de rock, rap, funk, hardcore, jazz,
bossa-nova e samba.
“Zerovinteum” abre o álbum com colagens sonoras de trechos
de “Veneno da Lata”, de Fernanda Abreu. Com um balanço funk cadenciado e
irresistível, o título da música faz referência ao DDD (Discagem Direta à
Distância) da cidade do Rio de Janeiro, onde a banda foi formada em 1993. A letra
trata sobre as mazelas sociais da cidade do Rio de Janeiro: “Rio,
cidade-desespero / A vida é boa mas só vive quem não tem medo / Olho aberto
malandragem não tem dó / Rio de Janeiro, cidade hardcore / Arrastão na praia
não tem problema algum / Chacina de menores é aqui 021”.
A provocativa “Queimando Tudo” é a faixa mais conhecida do
álbum, e nela a Planet Hemp ratifica a sua defesa da ligação da maconha. “Hip
Hop Rio” ressalta a diversidade musical do Rio de Janeiro e do Planet Hemp, e
como a banda assume a sua identificação com aquela cidade apesar de todos os
seus problemas sociais: “A cidade, eu
tenho certeza, só tem gente bamba / Lugar de rock, reggae, hip hop e samba / Na
minha bocada, mermão vacilão não cola / Rio de Janeiro, cidade maravilhosa /
Não entendeu, te explico em um minuto / O novo estilo carioca invadindo o
mundo”.
“Bossa”, como o próprio título diz, é inspirada na bossa
nova e possui uma musicalidade bastante retrô. É uma faixa curtíssima, cerca de
trinta segundos, está mais para uma vinheta doque para uma música propriamente
dita. “100% Hardcore” é veloz e pesada, mostra a veia punk do Planet Hemp. Com
um balanço dançante e envolvente, a faixa instrumental “Biruta” traz uma linha
de baixo presente e um órgão com ares de anos 1970 “forrando” a base
instrumental. “Mão Na Cabeça” é um misto de rock e rap, de andamento arrastado
e pesado onde a Planet Hemp discorre nos seus versos a violência policial no
Rio de Janeiro: “Mão na cabeça, assalto? Não, é a polícia / Mas dá no mesmo
se você não tem um pingo de malícia / São pagos pra proteger, mas te tratam
como ladrão / Quem é que vão proteger, então”.
“O Bicho Tá Pegando” guarda um parentesco com “Malandragem
Dá Um Tempo”, samba de grande sucesso de Bezerra da Silva nos anos 1980 ao
tratar do “dedo-duro”, o sujeito que entrega a malandragem para a polícia. Além
do tema, a música do Planet toma emprestado alguns versos do samba gravado por
Bezerra. No entanto, diferente do samba de Bezerra que tem humor e
irreverência, a música do Planet Hemp é crua, agressiva e direta.
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Planet Hemp, da direita para a esquerda: Formigão, Ricardo Crespo, Marcelo D2, Black Alien e Bacalhau. |
Na próxima faixa, o Planet Hemp surpreende o ouvinte com
“Adoled”, que é na verdade uma versão veloz, pesada e insana de “The Ocean”, do
Led Zeppelin. Para a versão em português, os membros da Planet Hemp adaptaram a
letra para tratar da violência policial nas favelas cariocas. O hardcore “Sem
Amigos” é um cover da banda Serial Killer, do Rio de Janeiro, e fala das falsas
amizades, enquanto que “Paga Pau” alerta sobre o perigo de brigas por motivos
banais terminar em tragédia.
Com participação do rapper Skunk (1967-1994), “Rappers
Reais” é um recado de Marcelo D2 e seus companheiros de Planet Hemp aos fãs de
rap que ouvem apenas rap americano, mas desprezam os artistas de rap brasileiro
que retratam a dura realidade brasileira nas suas músicas. Composta nos anos
1940 por Rubens Soares e David Nasser, “Nega do Cabelo Duro” foi regravado
pelos mais diversos artistas, desde o Bando da Lua a Emicida. O Planet Hemp fez
uma versão samba-rock de “Nega do Cabelo Duro”, com direito a vocal cheio de
malandragem imitando o saudoso Noriel Vilela (1936-1975).
“Hemp Family” é um tributo do Planet Hemp às bandas da cena
musical brasileira daquele momento, cuja letra cita nomes de algumas delas como
Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, The Funk Fuckers entre
outras. O Planet Hemp volta a acelerar alucinadamente no hardcore “Quem Me Cobrou?”,
mais uma faixa que tem a maconha como tema e traz versos em português e
espanhol.
Fechando o disco, “Se Liga”, uma faixa que tem uma base
rítmica lenta e que remete à capoeira sobre a qual Marcelo D2 faz o seu canto
cheio de marra e autoconfiança. Curiosamente, assim que “Se Liga” termina, ouve-se
o som de telefone tocando e alguém falando a frase: “Eu já disse que não
quero você nesses lugares”. A partir daí começa uma música instrumental
interessante que não aparece na lista de faixas do disco.
O lançamento de Os Cães Ladram, Mas A Caravana Não
Pára foi sucedido por uma turnê que percorreu o Brasil, e contou com
uma apresentação especial do Planet Hemp em conjunto com os Raimundos como
atrações de abertura para os Beastie Boys e Cypress Hill no Metropolitan, no
Rio de Janeiro, para um público estimado em sete mil pessoas.
Porém, nem tudo foi alegria após o lançamento de Os
Cães Ladram, Mas A Caravana Não Pára. Em novembro de 1997, os
integrantes do Planet Hemp voltaram a ter problemas com a Justiça ao serem
presos após uma apresentação em Brasília. A prisão da banda motivou o protesto
de fãs e de alguns artistas em apoio ao Planet Hemp. Toda a repercussão da
prisão do Planet Hemp despertou setores da sociedade para a discussão sobre a
despenalização dos consumidores de drogas leves como a maconha. Depois de cinco
dias na cadeia, os membros do Planet Hemp foram libertados através de uma habeas
corpus.
Faixas
01 - “Zerovinteum” (Marcelo
D2/BNegão/Black Alien/Formiga) Participação: Fernanda Abreu
02 - “Queimando Tudo” (Marcelo
D2/Black Alien/Zé Gonzalez)
03 - “Hip Hop Rio” (Marcelo
D2/Rafael Crespo)
04 - “Bossa” (Marcelo
D2/Rafael/Appolo/Formigão/Ronaldo Caldas)
05 - “100% Hardcore” (Marcelo
D2/BNegão/Rafael)
06 - “Biruta” (Formigão)
07 - “Mão Na Cabeça” (Marcelo
D2/Ulisses Cappelletti)
08 - “O Bicho Tá Pegando” (Marcelo
D2/BNegão/Zé Gonzalez)
09 - “Adoled (The Ocean)” (Jimmy
Page/Robert Plant/John Paul Jones/John Bonham/Vrs. Marcelo D2/Vrs. BNegão)
10 - “Seus Amigos” (Katinha/Fábio
Barreto)
11 - “Paga Pau” (Marcelo
D2/Marcelo Lobato)
12 - “Rappers Reais” (Marcelo
D2/S. Kunk)
13 - “Nega do Cabelo Duro” (Rubens
Soares/David Nasser)
14 - “Hemp Family” (Marcelo
D2/Rafael/Zé Gonzalez)
15 - “Quem Me Cobrou?” (Marcelo
D2/Rafael)
16 - “Se Liga” (Marcelo D2/Zé
Gonzalez)
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