“Gal Tropical” (Philips, 1979), Gal Costa
Durante boa
parte da década de 1970, Gal Costa era vista como uma cantora cult e
musa hippie. Mas a partir do álbum Água Viva (1978), Gal começou
a mudar a sua orientação musical e estética. Esse álbum deu origem ao
espetáculo Gal Tropical, que estreou em 11 de janeiro de 1979 no Teatro
dos Quatro, no Rio de Janeiro, onde ficou em cartaz por cerca de um ano.
Além de
apresentar canções presentes no álbum Água Viva, o espetáculo Gal
Tropical trazia também no seu repertório canções essencialmente brasileiras,
algumas delas da época da era de ouro do rádio brasileiro, mas que acabaram
esquecidas. Houve resgate de antigos boleros, marchinhas de carnaval dos anos
1930 e 1940. No espetáculo Gal Tropical, todas essas canções ganharam
arranjos modernos, mas sem, no entanto, perderem a essência.
O visual de
Gal também foi alterado. A cantora sofreu uma repaginada, trocou o visual
hippie por um figurino mais elaborado, mais elegante, sensual e exuberante, com direito
a muito colorido e brilho.
Todo o
conceito do espetáculo foi pensado e articulado pelo então empresário e
produtor de Gal, Guilherme Araújo (1936-2007). A ideia de Araújo era
transformar Gal Costa numa grande intérprete da MPB. Talento para cantar, Gal
tinha, mas para Araújo, faltava dar à cantora uma “embalagem” mais sofisticada e
interessante. A ideia de Guilherme Araújo em transformar Gal numa diva da MPB
era compreensível, pois sabia que tinha uma pedra preciosa nas mãos, mas
precisava “lapidá-la”. Gal já era uma mulher de 33 anos de idade, havia chegado
à maturidade.
Musa hippie: Gal Costa em 1973, na época do álbum Índia. |
O espetáculo
Gal Tropical não apenas serviria para mostrar uma nova Gal Costa, mas
também uma maneira da cantora baiana se redimir do espetáculo anterior, o mal sucedido Com A Boca no Mundo, que promoveu o álbum Caras
& Bocas, em 1977. Aquele espetáculo sofreu críticas da imprensa musical que
o considerou ruim. Apontou problemas na indefinição de repertório, na direção
musical e de palco. Além dos problemas técnicos, ainda havia a baixa atração de
público.
Era
necessário Gal Costa dar um salto na carreira, num momento em que o mercado
fonográfico se mostrava favorável às cantoras. A partir da segunda metade dos
anos 1970, a indústria fonográfica brasileira presenciava um desempenho
comercial das cantoras brasileiras como nunca se viu antes, quebrando um
pensamento equivocado e preconceituoso de que cantoras vendem poucos discos no Brasil.
Clara Nunes (1942-1983) vendia mais de 500 mil cópias de cada álbum que lançava.
Maria Bethânia havia alcançado a marca de 1 milhão de cópias vendidas do álbum Álibi
(1978). Beth Carvalho (1946-2019) e Alcione se consolidavam como grandes vozes
femininas do samba e vendedoras de discos do estilo. Isso sem falar, é óbvio,
de Elis Regina (1945-1982), que após mais de dez anos, mudara-se da Philips
para a gravadora Warner. E ainda tinha Rita Lee, Fafá de Belém, Simone entre
tantas outras. A concorrência estava acirrada e a mudança de rota na carreira
da cantora baiana se fazia mais do que necessária.
O sucesso do
espetáculo Gal Tropical motivou Gal Costa e Guilherme Araújo a pensarem
no próximo álbum com um repertório baseado no espetáculo, porém gravado no
estúdio. Seria algo semelhante ao que Elis Regina fez em 1976 quando gravou o
álbum Falso Brilhante com repertório baseado no do espetáculo
homônimo.
Guilherme Araújo e Gal Costa, em 1980. Araújo foi responsável pelo conceito do espetáculo Gal Tropical, que transformou Gal Costa de musa hippie a diva da MPB. |
Lançado em
julho de 1979, Gal Tropical, o álbum, trouxe algumas canções do
repertório do espetáculo, porém gravadas em estúdio, sob a produção de
Guilherme Araújo. O álbum não trouxe à época de seu lançamento nenhuma canção
inédita, apenas canções regravadas dos anos 1930 e dos anos 1970, nas quais Gal
fez releituras bastante pessoais, a tal ponto de empregar algum grau de
ineditismo. Algumas das canções presentes no disco alcançaram mais popularidade
através de Gal do que em suas versões originais, como foi o caso de “Balancê”,
gravada por Carmen Miranda (1909-1955) em 1937, mas que tornou-se um grande
sucesso nacional 42 anos depois com a cantora baiana.
A capa é um
reflexo da fase em que Gal estava vivendo: rosto moreno da cantora aparece na
capa com duas flores presas na cabeça. As fotos da capa do disco, tiradas por
Antônio Guerreiro, mostram uma Gal Costa mais exuberante, mais bonita e
sensual.
Gal
Tropical começa
com “Samba Rasgado”, um samba de gafieira gravado originalmente por Carmen
Miranda em 1938, mas que parece que foi composta especialmente para Gal Costa
cantar.
A próxima
faixa é um clássico do choro de autoria de Jacob do Bandolim (1918-1969),
“Noites Cariocas. Gravada por Jacob em 1957 como música instrumental, “Noites
Cariocas” veio ganhar letra em 1979 através do compositor Hermínio Bello de
Carvalho, como uma homenagem ao músico que completava naquele ano dez anos de
falecimento. Gal foi a escolhida para gravar “Noites Cariocas” com letra, e
como era de esperar, não decepcionou. A versão de Gal Costa para “Noites
Cariocas” foi incluída na trilha sonora da novela Água Viva, exibida
pela TV Globo em 1980.
“Índia” já
havia sido gravada pela própria Gal em 1973, quando lançou um álbum com o mesmo
nome da música. Na versão para Gal Tropical, a cantora baiana
imprimiu mais dramaticidade e emoção numa interpretação impecável. Composta
pelos paraguaios José Asunción Flores e Manuel Ortiz Guerrero, “Índia” é uma
canção que se tornou um patrimônio da cultura paraguaia em 1944. Em 1952,
“Índia” foi gravada em português pela primeira vez no Brasil pela dupla
Cascatinha e Inhana, cuja versão fez um enorme sucesso no Brasil e contribuiu
para a difundir no país a guarânia, gênero musical paraguaio ao qual a canção
pertencia, exerceu a partir de então uma grande influência na música sertaneja.
Uma
sonoridade suave de teclados abre a faixa seguinte, em que Gal canta com sua
voz doce e agradável que “É de manhã vem o sol / Mas os pingos da chuva que
ontem caíram / Ainda estão a brilhar”. São os versos iniciais de “Estrado do
Sol”, canção de Dolores Duran (1930-1959) e Tom Jobim (1927-1994), gravada pela
primeira vez em 1958 por Agostinho dos Santos (1932-1973).
Composta por
Dorival Caymmi (1914-2008), “A Preta do Acarajé” foi gravada por Carmen Miranda
em dueto com Caymmi em 1939. Quarenta anos depois, a música ganhou uma versão
irretocável de Gal em que a cantora, em alguns momentos, chega a “encarnar” a
voz da negra baiana vendedora de acarajé, que sai pelas ruas da velha Salvador
vendendo os seus saborosos quitutes para ganhar o seu sustento. O lado 1 do
álbum encerra com “Dez Anos”, um bolero gravado pela primeira em português por
Emilinha Borba (1923-2005) em 1951.
Poster de Gal Costa que vinha como brinde no álbum Gal Tropical. |
O lado 2 de Gal
Tropical começa com “Força Estranha”, uma canção que foi composta por
Caetano Veloso para Roberto Carlos, que a gravou em 1978. Com Gal Costa, “Força
Estranha” ganhou uma versão mais intimista, apenas a voz da cantora acompanhada
pelo violão dedilhado de Robertinho do Recife. Apesar da versão minimalista,
canta de maneira fantástica, mostrando não apenas o seu talento como intérprete
como também realçando a qualidade poética de Caetano Veloso como compositor. “Força
Estranha” na voz de Gal Costa fez parte da trilha sonora da novela Os
Gigantes, exibida pela TV Globo em 1979.
Gravada por
Roberto Carlos em 1975 como uma canção de ritmo calmo e lento, “Olha” aparece
em Gal Tropical numa versão bolero dotada de elegância e
sensualidade. No entanto, no samba-canção “Juventude Transviada”, Gal segue
numa versão um pouco mais próxima da original de 1975, gravada por Luíz Melodia
(1951-2017), cantor e autor da canção.
O disco
segue num clima alto astral a partir de “Balancê”, uma releitura de Gal para a
antiga marcha carnavalesca de João de Barro (1906-2007) e Alberto Ribeiro
(1902-1971), gravada por Carmen Miranda em 1937. Contudo, foi com Gal Costa que
“Balancê” se tornou um estrondoso sucesso nas rádios de todo o Brasil em 1979,
a tal ponto de surpreender o próprio co-autor da música, João de Barro, mais
conhecido como Braguinha, que não imaginava que a música voltaria a fazer tanto
sucesso mais de quarenta anos depois. Na prática, “Balancê” ganhou a sua versão
definitiva com Gal Costa.
"Balancê" foi gravada em 1937 por Carmen Miranda (foto). Mas foi a versão de Gal Costa que ficou mais famosa. |
A folia de
carnaval prossegue com o frevo “O Bater do Tambor”, cujas guitarras trazem para
o disco o clima do carnaval dos trios elétricos de Salvador. Chama a atenção
que em determinados trechos, o ritmo frenético do frevo é quebrado pela levada
percussiva que remete à batida rítmica dos atabaques dos terreiros de Candomblé
da Bahia. Composta por Caetano Veloso, “O Bater do Tambor” foi gravada por ele
em 1978 para o carnaval de 1979.
O álbum
termina com chave de ouro com Gal Costa revisitando uma outra canção gravada
por ela no passado, “Meu Nome É Gal”. A canção foi escrita por Roberto Carlos e
Erasmo Carlos especialmente para Gal Costa, e gravada por ela em 1969. Dez anos
depois, Gal regravou a canção e desta vez de uma forma mais incendiária, cujo
ponto alto da música é o momento em que a cantora trava um desafio com sua voz
contra a guitarra elétrica de Robertinho do Recife, promovendo um duelo
sensacional de agudos. Após o grande duelo, a faixa termina num irresistível
ritmo de samba.
Gal
Tropical vendeu
mais de 100 mil cópias e rendeu a Gal Costa o seu primeiro disco de ouro. O
espetáculo que deu nome ao álbum se desdobrou numa grande e bem sucedida turnê,
que percorreu as principais cidades brasileiras e teve a sua etapa
internacional, passando pelos Estados Unidos, Japão, Israel e alguns países da
Europa.
Com o
sucesso do álbum e da turnê, Gal Costa passou a estampar capas de revistas e a
se tornar uma figura frequente em programas de TV e trilhas sonoras de
telenovelas. As produções muito bem apuradas dos seus discos e de suas
apresentações que se sucederam a partir do álbum Gal Tropical elevaram
Gal Costa a status de diva da MPB, deixando no passado a imagem de musa
hippie que povoou o imaginário dos jovens da primeira metade dos anos 1970.
Faixas
Lado A
1."Samba Rasgado" (Portello Juno - Wilson Falcão)
2."Noites Cariocas (Minhas Noites sem Sono)"
(Hermínio Bello de Carvalho - Jacob do Bandolim)
3."Índia" (José Asunción Flores - Manuel Ortiz
Guerrero; versão: José Fortuna)
4."Estrada do Sol" (Dolores Duran - Tom Jobim)
5."A Preta do Acarajé" (Dorival Caymmi)
6."Dez Anos" (Diez Años) (Rafael Hernandez; versão:
Lourival Faissa)
Lado B
7."Força Estranha" (Caetano Veloso)
8."Olha" (Roberto Carlos - Erasmo Carlos)
9."Juventude Transviada" (Luiz Melodia)
10."Balancê" (João de Barro - Alberto Ribeiro)
11."O Bater do Tambor" (Caetano Veloso)
12."Meu Nome É Gal" (Roberto Carlos - Erasmo Carlos)
Referências:
Revista Pop – abril/1979, Editora Abril, São
Paulo, Brasil.
Revista Música – abril/1979, Editora Imprima, São
Paulo, Brasil.
Revista Manchete – N° 1482, 13/09/1980, Editora Bloch,
Rio de Janeiro, Brasil.
Jornal do Brasil – edição de 13/09/1980, Rio de
Janeiro, Brasil.
gazetadopovo.com.br
galcosta.com.br
wikipedia.org
"Samba Rasgado"
"Noites Cariocas (Minhas Noites sem Sono)"
"Índia"
"Estrada do Sol"
"A Preta do Acarajé"
"Dez Anos"
"Força Estranha"
"Olha"
"Juventude Transviada"
"Balancê"
"O Bater do Tambor"
"Meu Nome É Gal"
Ouvi muito esse LP na minha vitrola,adorava e adoro até hoje,Gal é imortal.
ResponderExcluirVia muito esse disco nos sebos da vida, sempre o ignorei. Em um determinado dia, fiz a escolha de levá-lo para casa. Me surpreendi, que disco lindo!
ResponderExcluirLindo mesmo,pra ouvir sem pular faixa.
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