“Só No Forévis” (Warner, 1999), Raimundos
Por Sidney Falcão
Depois de ganharem
projeção no cenário do rock brasileiro dos anos 1990 com um som que misturava o
punk rock dos Ramones com o forró sacana de Zenilton, letras sexistas e toscas,
carregadas de muito humor pornográfico, os Raimundos decidiram fazer algo
diferente no seu quarto disco, o Lapadas do Povo, de 1997. O
quarteto brasiliense trocou o humor escrachado e o punk rock misturado com
sonoridade nordestina por temas mais sérios, e adotaram um som mais pesado do
que já tocavam, mas com elementos de heavy metal alternativo.
Apesar de
toda a pompa que cercou a produção de Lapadas do Povo, gravado em
Los Angeles, nos Estados Unidos, contado com o renomado produtor americano Mark
Dearnley (que já havia trabalhado com Black Sabbath, AC/DC, e com os próprios
Raimundos em Lavô Tá Novo, mas gravado no Brasil), o álbum não
agradou o público, acostumado com o forrocore (forró mais hardcore), o punk
rock agreste e com o humor juvenil dos Raimundos. O som puxado para o metal
alternativo agradou a crítica musical, mas causou estranheza nos fãs.
Embora tenha alcançado uma vendagem razoável - cerca de 200 mil cópias vendidas
- Lapadas do Povo não teve o mesmo grau de popularidade de Raimundos
(1994) ou de Lavô Tá Novo (1995). Lapadas do Povo
talvez seja aquele tipo de trabalho que poderia figurar na galeria dos “álbuns
injustiçados”.
Como se já
não bastasse o desprestígio de Lapadas do Povo, um fato abalou os
membros dos Raimundos um mês após o lançamento do álbum. Em novembro de 1997,
durante um show da banda no ginásio do Clube de Regatas Santista, em Santos, o
corrimão de uma escada de saída do local cedeu, provocando a queda de dezenas
de pessoas, e esmagando outras que estavam embaixo. Oito pessoas morreram e outras
sessenta e sete ficaram feridas. A tragédia chocou integrantes dos Raimundos
que classificaram o ocorrido como uma “eterna ferida”. Os membros da banda
ficaram tão abalados que dois meses de shows da turnê foram cancelados.
Para o
próximo trabalho, a banda optou em retomar a fórmula que a consagrou. O humor
pornográfico, as letras toscas, o forrocore e o punk rock “ramonesco” estavam
de volta. Rodolfo, Digão, Canisso e Fred, pareciam dispostos a fazer um
trabalho popular para recuperar o tempo perdido.
E foi dessa
necessidade que nasceu Só No Forévis, o álbum mais vendido da
carreira do quarteto. Produzido por Carlos Miranda, Tom Capone, Mauro Manzoli e
Dzcuts, Só No Forévis já deixa claro a sua vocação popular no
título e na imagem da capa. O título é inspirado no bordão do inesquecível
humorista Mussum (1941-1994), que integrou o grupo humorístico Os Trapalhões.
Mussum costumava a usar a expressão “forévis” para se referir à bunda, às nádegas.
Título do álbum foi inspirado no famoso bordão de Mussum (foto), "forévis",
expressão criada pelo humorista para se referir às nádegas.
A foto da capa é uma sátira aos grupos de pagode, que na época, faziam um enorme sucesso. Os Raimundos aparecem vestidos com figurino de pagodeiros. Para deixar a capa mais engraçada, o departamento gráfico da gravadora fez um tratamento digital na foto, fazendo alterações nos corpos dos integrantes dos Raimundos. Segundo Rodolfo, em entrevista para a revista Bizz, em junho de 1999, a ideia de se vestirem como uma banda de pagode para a capa era um “pedido” para que eles fossem aceitos por quem os chamavam de machistas. Para Rodolfo, os Raimundos não faziam nada de diferente do que os artistas populares faziam, mas a banda era quem levava a fama de sexista, enquanto os pagodeiros eram bem aceitos, segundo o vocalista do quarteto brasiliense. O cabelo de descolorido de Rodolfo foi inspirado no de Belo, na época, líder da banda de pagode Soweto.
Em Só
No Forévis, os Raimundos contaram com participações especiais de Marcelo
D2 (Planet Hemp), Bi Ribeiro (Paralamas do Sucesso), Érika Martins (Penélope),
Alexandre Carlo (Nativus, mais tarde mudou o nome para Natiruts) e Black Alien
(Planet Hemp).
O álbum
começa com a faixa-título, duração curta, praticamente uma vinheta, um pagode
maluco, tosco, cheio de arrotos, e que traz uma linha melódica baseada em
“Selim”, música do álbum Raimundos. Em seguida vem “Mata Véio”,
um punk rock sobre um sujeito que foi à loucura ao ser seduzido pelas nádegas
irresistíveis de uma garota, capazes de fazer o “zé-sem-osso” dele estourar.
Sexo em ritmo de hardcore dá o tom em “Carrão de Dois”, música sobre uma rapaz
que nunca mais foi o mesmo após uma transa inesquecível com uma garota no banco
de trás do carro. Misto de rock, rap e embolada, “Fome do Cão” faz alusão à
larica, que na gíria dos viciados em drogas, é a fome excessiva que ocorre após
o consumo de maconha.
“Mulher de
Fases” é a faixa de maior sucesso do disco, e um dos maiores da carreira dos
Raimundos. Com uma base instrumental interessante que mistura punk e country
music, “Mulher de Fases” fala da vida sexual de um casal e as oscilações do
humor feminino durante a tensão pré-menstrual, daí a expressão “mulher de
fases”. A frase “meu namoro é na folhinha” faz referência o calendário, em o sujeito
procurar a namorada apenas nos dias férteis dela. Na sequência, os Raimundos
vêm com o hardcore “Alegria” e seus versos absurdos: “Pois para poupar
camisinha, mandei encapar meu pau / E se tudo fosse doce não existiria sal /
Pra achar alguma coisa, alguém a teve de perder”.
A faixa
seguinte, é outra música que se tornou uma das mais populares da carreira dos
Raimundos, “A Mais Pedida”, que conta os percalços que uma banda passa antes de
chegar à fama, mas também é uma crítica à busca a qualquer custo pelo sucesso. Ao
mesmo tempo, “A Mais Pedida” satiriza os grupos de pagode que dominavam as
paradas de sucesso da época, e cita no refrão o cantor Salgadinho, vocalista da
Katinguelê, uma das bandas de grande destaque do estilo naquele momento: “Meu
cabelo é ruim, mas meu terno é de lin / Vou ser seu Salgadin, cê vai gostar de
mim / Se eu tocar no seu radin / Chora até o fim, só pra rimar com im / Pois se
eu ganhar din din cê vai gostar de mim / Se eu tocar no seu radin”.
Com participação especial do DJ Gonzalez, do Planet Hemp, “Boca de Lata” é um rap rock bem ao estilo dos Beastie Boys, e trata sobre as aventuras sexuais de uma garota que usa aparelho ortodôntico. O ska “Me Lambe” tem uma letra polêmica ao abordar as investidas sexuais de um homem mais velho a uma garota adolescente menor de idade. Bi Ribeiro faz uma participação especial em “Me Lambe” tocando baixo. A malícia e o duplo sentido pornográfico ao estilo “raimundista” prosseguem em “Pompem”, cuja letra é sobre uma garota que deixa a cidade grande para ir morar no campo, onde ela adorou ver a variedade de “cobras”.
Em “Deixa Eu
Falar”, os Raimundos deixam o humor de lado para tratar sobre coisa séria que é
liberdade de expressão. A música cairia bem em Lapadas do Povo, disco
em que os Raimundos abordaram temas de cunho social. Com um som pesado, lento e
agressivo, “Deixa Eu Falar” conta com as participações especiais de Alexandre
Carlo (vocalista da banda Nativus) e do rapper Black Alien (do Planet Hemp).
Para Só
no Forévis, os Raimundos regravaram “Aquela”, música da Little Quail
and The Mad Birds, banda que surgiu na mesma época que os Raimundos em
Brasília, no final dos anos 1980. Rock de apelo popular, “Aquela” é sobre um
sujeito que tocou sem querer no corpo de uma garota e por ela foi repreendido.
Porém, dias depois, ele foi surpreendido pela mesma garota que tentou seduzi-lo
a todo custo.
“Língua
Presa” é um hardcore ultra veloz e de letra amalucada sobre uma bruxa má que
transformou um lindo príncipe num sapo cururu que fala com a língua presa. E o
mais engraçado, é que Rodolfo canta como alguém que tem a língua presa. O álbum
termina com “Mulher de Fases (A Linda)”, uma versão acústica de “Mulher de
Fases”, que mantem o ritmo veloz da versão original, porém com muitos violões e
violinos.
Embora
“Mulher de Fases (A Linda)” seja a última faixa, o álbum traz uma faixa
“escondida”. Assim que a última faixa termina, o ouvinte é surpreendido por um
som suave de piano fazendo acompanhamento para uma sucessão de arrotos
bizarros. A “performance” grotesca foi de Bruno Abrantes, irmão de Rodolfo, na
época, um jovem estudante de direito de 24 anos. Fred e Digão estavam escalados
para fazer essa performance final, mas perderam o posto diante do “potencial”
imbatível do irmão de Rodolfo.
Raimundos disfarçados de banda de pagode.
Lançado em 27 de maio de 1999, Só No Forévis teve um desempenho comercial brilhante e recuperou a popularidade dos Raimundos. O single de “Mulher de Fases”, lançado um mês antes do álbum chegar às lojas, alimentou a expectativa dos fãs para o álbum. E não era para menos. Para se ter uma ideia, o lançamento do álbum estava previsto para 17 de maio, mas teve que ser adiado porque na véspera, cerca de 100 mil cópias de Só No Forévis foram roubadas de um depósito da gravadora Warner, no Rio de Janeiro.
O videoclipe
de “Mulher de Fases”, se tornou um fenômeno de exibição na MTV Brasil, se
tornando um dos videoclipes mais pedidos pelo público na história da emissora.
Além do single de “Mulher de Fases”, outros quatro singles foram extraídos de Só
No Forévis: “A Mais Pedida”, “Me Lambe”, “Pompem” e “Aquela”.
Através de Só
No Forévis, os Raimundos atingiram o auge da popularidade na sua
carreira, chegando se tornarem a maior banda de rock do Brasil na virada do
século XX para o século XXI. Porém, toda aquela exposição midiática dos
Raimundos incomodou os fãs mais antigos que acusaram a banda de ter se tornado
comercial. Só No Forévis vendeu mais de 700 mil cópias, mas
estima-se que tenha chegado à marca de 1,8 milhão de cópias vendidas. Por causa
do sucesso de Só No Forévis, os Raimundos conquistaram vários prêmios
como o MTV Video Music Brasil, em 1999, nas categorias “Escolha da
Audiência” e “Melhor Videoclipe de Rock”, ambos pelo videoclipe de “Mulher de
Fases”.
Para
consagrar um período tão vitorioso na carreira, os Raimundos lançaram em
parceria com a MTV Brasil, o MTV ao Vivo – Raimundos, em formatos
de álbum duplo gravado ao vivo com 40 faixas e o DVD. O material foi gravado a
partir dos shows dos Raimundos em Curitiba e São Paulo. MTV ao Vivo –
Raimundos vendeu mais de 750 mil cópias.
Mas,em pleno
auge da carreira, quando se imaginava um novo álbum de estúdio dos Raimundos, o
vocalista Rodolfo anuncia em 2001 que estava deixando a banda, após se
converter ao evangelho. Sua saída foi traumática, e durante mais de vinte anos
os ex-colegas de banda e Rodolfo não se falavam. Digão assumiu os vocais, e desde
então, os Raimundos lançaram novos discos, passaram por novas mudanças de
integrantes. Porém, o fato é que desde a saída de Rodolfo, algo mágico na banda
se perdeu lá no passado, e os Raimundos nunca mais foram os mesmos.
Faixas
- "Só no Forevis (Selim)" (Cristiano Telles – Raimundos)
- "Mato Véio" (Rodolfo – Fred)
- "Carrão de Dois" (Rodolfo)
- "Fome do Cão" (Rumbora – Rodolfo – Digão)
- "Mulher de Fases" (Rodolfo – Digão)
- "Alegria" (Martin Luthero – Danilo)
- "A Mais Pedida" (Rodolfo – Digão – Canisso – Fred)
- "Boca de Lata" (Rodolfo - Rodrigo Nuts - Zé Gonzales)
- "Me Lambe" ( Rodolfo - Digão - Fred)
- "Pompem" (Rodolfo – Digão)
- "Deixa Eu Falar" (Alexandre Carlo - Black Alien – Rodolfo – Digão – Fred)
- "Aquela" (Gabriel Tomás)
- "Língua Presa" (Martin Luthero - Rodolfo – Digão)
- "Mulher de Fases (A Linda)" (Rodolfo – Digão)
Raimundos:
Rodolfo Abrantes - voz, percussão (em "Só no
Forévis") e palmas (em "Pompem")
Digão - guitarra, violão (em "A Mais Pedida" e
'Aquela"), viola (em "A Mais Pedida") vocal (1, 2, 4, 6—13),
feira (em "Fome do Cão")
Canisso - baixo (menos em "Me Lambe" e "Boca
de Lata") e vocal (todas menos 3, 5, 7, 9 e 14)
Fred Castro - bateria, percussão e vocal (em "Só no
Forevis"), triângulo (em "Fome do Cão) e palmas (em "Pompem")
Referências:
Folha de S.Paulo – caderno Ilustrada, 22 de Maio de 1999
Folha de S.Paulo – caderno Folhateen, 30 de outubro de 2000
Revista Bizz – junho/1999 – Edição 167, Editora Abril
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