“The Real Thing” (Slash Records, 1989), Faith No More
Por Sidney Falcão
O ano era 1989. Nos Estados Unidos, o rock pesado vivencia o seu período mais comercial e midiático naquele país. A banda Guns N’ Roses arrasta multidões, entope estádios, vende milhões de discos, e seus integrantes, colecionam uma grande quantidade de confusões e escândalos. O glam metal (também chamado de “hair metal”), era o grande modismo da época: visual extravagante, cabeleira armada, muita maquiagem, muita pose, tudo isso regado a um som pesado e radiofônico. Enquanto isso, o grunge avança e mostra que não estava mais restrito a Seattle; o Nirvana lança o álbum Bleach e o Soundgarden assina com a A&M, e torna-se a primeira banda grunge a ser contratada por uma grande gravadora.
No meio disso tudo, uma banda californiana de San Francisco
desponta nas paradas de sucesso com um som pesado que era o crossover de funk, rap e heavy metal. Era o Faith No More e
o seu terceiro álbum, o The Real Thing, lançado em junho de
1989.
Formado por volta de 1982, o Faith No More havia passado por
um recente processo de expulsão de seu antigo vocalista, Chuck Mosley. Seu
abuso de álcool e drogas estava gerando problemas dentro da banda, e este teria
sido o principal motivo da sua expulsão. Mas haveria um outro motivo também: a
banda queria alçar voos mais altos, e Mosley se mostrava um vocalista limitado
paras as pretensões do grupo.
![]() |
Faith no More antes da fama: Roddy Bottum, Mike Bordin, Jim Martin, Billy Gould e Chuck Mosley. |
A escolha do novo vocalista se deu no final de 1988, depois que o guitarrista do Faith No More, James Martin, ouviu uma fita demo da banda Mr.Bungle. Martin ficou impressionadíssimo com o vocalista daquela banda, Mike Patton, um jovem de 20 anos, inquieto, cheio de energia ao cantar. Patton foi logo aceito pelos outros membros do Faith No More, e de cara, foi incumbido de escrever as letras de boa parte das músicas, cujas bases instrumentais, haviam sido gravadas para o novo álbum, em dezembro de 1988. Em duas semanas, Patton escreveu sozinho todas as letras das canções do novo álbum, exceto a de “Suprise! You’re Dead” (letra escrita por Patton em com parceria com James Martin) e a faixa-título (parceria de Patton e o baixista Bill Gould). Mike Patton gravou os vocais em janeiro de 1989, quando as gravações do novo álbum, sob produção de Matt Wallace e do próprio Faith No More, foram concluídas.
Lançado em 20 de junho de 1989, The Real Thing é um álbum
que o Faith No More conseguiu consolidar a sua identidade musical. Embora os
dois álbuns anteriores, We Care A Lot (1985) e Introduce
Yourself (1987), gravados com o antigo vocalista, Chuck Mosely
(1959-2017), foi em The Real Thing que a banda definiu o seu estilo marcado por riffs de guitarra do heavy metal, baixo
e bateria bastante entrosados e cheios de ritmo, e camadas de teclados criando toda
uma atmosfera pop e ao mesmo tempo com os pés fincados nas influências do rock
progressivo.
Nessa consolidação estilística musical do Faith No More,
Mike Patton teve um papel bastante importante. Patton já possuía uma
experiência com as fusões de rap, funk e rock pesado na Mr. Bungle, o que o
deixou bastante à vontade no Faith No More. O seu potencial vocal (muito
superior ao de Chuck Mosley) somado à versatilidade musical dos membros do
Faith No More, foram uma combinação bombástica que fez a banda californiana
decolar, do cenário do metal alternativo ao estrelato no rock mundial.
O lado A da versão LP de The Real Thing começa com
o peso e a velocidade de “From Out Of Nowhere”, uma ótima escolha para abertura
de álbum. A música foi o primeiro single do álbum, e traz Mike Patton e o seu
estilo vocal bastante irreverente dizendo a que veio.
A faixa seguinte é “Epic”, o primeiro grande sucesso do
Faith No More da “Era Patton”. No começo da música, o ritmo segue num andamento
rock para depois descambar para um ritmo funk com Mike Patton fazendo uma
vocalização rap. O baixo e a bateria estão num entrosamento incrível. A partir daí
a música alterna entre o andamento funk com vocalizações rap e riffs pesados de guitarra ao fundo
durante as estrofes, e o andamento rock cheio de peso nos refrãos. O videoclipe
da música causou indignação nos grupos defensores dos animais por mostrar ao
seu final, cenas de um peixe agonizando fora d’água, enquanto o tecladista faz
calmamente solos no seu piano.
![]() |
Faith No More com novo vocalista, Mike Patton (no centro). |
Uma linha de baixo grave e tremulante faz a introdução de “Falling To Pieces”, seguida pela entrada dos outros instrumentos. A base instrumental é uma perfeita conjugação da sonoridade acessível do pop rock com o peso das guitarras heavy metal. A faixa é um dos maiores sucessos da carreira do Faith No More, e teve o seu videoclipe bastante veiculado na MTV.
“Surprise! You’re Dead” é talvez a faixa mais pesada e a
mais heavy metal do álbum. A música era de uma antiga banda da qual o guitarrista
James Martin era integrante entre o final dos anos 1970 e começo dos anos 1980,
a Agents Of Misfortune. Nessa banda, Martin teve como colega o baixista Cliff
Burton, que mais tarde faria parte do Metallica. “Surprise! You’re Dead” é
cheia de andamentos alternados e intrincados. James Martin cria riffs de
guitarra matadores, enquanto Mike Patton canta de maneira agressiva e cheia de
cinismo.
Um som de violão calmo e dedilhado faz a introdução de
“Zombie Eaters”, última faixa do lado 1. Patton começa cantando de maneira
suave quase sussurrando, tendo ao fundo uma camada de teclados criando um clima
dramático. Mas a calmaria logo cede espaço para uma sonoridade roqueira
arrastada e pesada, direcionada para o metal. A música termina na calmaria inicial.
![]() |
Mike Patton em apresentação do Faith No More no Festival Pukkelpop, na Bélgica, em agosto de 1990. |
O lado 2 começa ao som de uma bateria em ritmo percussivo de
reggae. É a introdução da faixa “The Real Thing”, a música que dá nome ao
álbum. Com pouco mais de oito minutos, é a faixa mais longa do álbum. Em toda a
sua duração, há uma perfeita dosagem de peso e groove, que temperam a fusão de metal, rap e pop.
“Underwater” começa experimental, mas depois a música um
formato mais padrão de rock radiofônico. Em “The Morning After”, os vocais de
Mike Patton são vibrantes, e energéticos; a linha de baixo e a bateria
protagonizam na introdução, enquanto que a guitarra transita entre o peso do
heavy metal e a sonoridade mais leve do pop.
O álbum termina com “Woodpecker From Mars”, única faixa
instrumental de The Real Thing. A faixa permite ao ouvinte perceber as
habilidades dos músicos da banda. O andamento em ritmo oriental e a linha de
baixo cheia de “slaps” do funk, dão um caráter todo especial à música.
A versão The Real Thing, trouxe duas faixas
bônus. Um cover de um clássico do Black Sabbath, “War Pigs”, em o Faith No More
executada de uma maneira espetacular. A outra faixa-bônus é “Edge Of The
World”, música com inspiração jazzística que mostra a versatilidade incrível da
banda californiana.
Comercialmente, The Real Thing demorou um pouco para
decolar. Mas foi depois que o videoclipe de “Epic” começou a ser veiculado na
MTV americana, que o álbum aos poucos foi caindo no gosto do público e a subir
nas paradas de álbuns. O próprio single de “Epic”, lançado em janeiro de 1990,
alcançou o posto de 9º lugar na Billboard
200, nos Estados Unidos, onde vendeu mais de 1 milhão de cópias. Na
Austrália, o álbum alcançou o 2º lugar na parada de álbuns, e na Nova Zelândia
ficou em 3º lugar.
A partir daí a popularidade do Faith No More só cresceu, e
fez de 1990, um ano especial para o quinteto californiano. Revistas como as
britânicas Kerrang! e Suns, elegerem The Real Thing o “Álbum
do Ano”, enquanto que a americana Spin,
deu o título de “Banda do Ano” ao Faith No More. No mundo inteiro, o álbum
vendeu cerca de 2 milhões de cópias.
Em agosto de 1990, foi lançado o VHS You Fat Bastards: Live At the Brixton Academy, vídeo do show do
Faith No More gravado na íntegra no Brixton Academy, em Londres, em abril do
mesmo ano. A versão LP e CD foi lançado em fevereiro de 1991 com o título Live
At the Brixton Academy.
O sucesso do Faith No More e do seu The Real Thing acabou despertando inevitáveis comparações com o Red Hot Chili Peppers, e acendendo uma rivalidade entre as duas bandas. Anthony Kiedis, vocalista dos Red Hot Chili Peppers, acusou o Faith No More de estar copiando os Red Hot Chili Peppers. Roddy Bottum, tecladista do Faith No More respondeu que a sua banda em nada soa como os Red Hot Chili Peppers. Mike Patton complementou dizendo que não se incomodava com as acusações de Kiedis, pois de uma certa forma, elas acabavam sendo uma forma de “divulgação gratuita” do trabalho do Faith No More.
Em janeiro de 1991, o Faith No More passou pelo Brasil pela
primeira vez, quando se apresentou no festival Rock in Rio II, no Estádio do
Maracanã, no Rio de Janeiro. Apesar da então recém-criada MTV Brasil veicular
os seus videoclipes, o Faith No More ainda era uma “ilustre desconhecida” do
grande público brasileiro. Tanto era que o cachê da banda foi o menor das
atrações internacionais do Rock in Rio II. No entanto, na noite em que o
público compareceu para ver as superestrelas dos Guns N’ Roses, viu antes - e
com perplexidade - a apresentação do Faith No More. Se o cachê da banda foi pequeno,
a apresentação que ela fez foi de um gigante do rock. Mike Patton parecia ser
um ser de outro planeta no palco, com uma performance amalucada e arrasadora, e
os seus colegas de banda garantindo a retaguarda. O público ficou catatônico,
mas feliz após o show. Mike Patton e seus companheiros saíram do palco
consagrados.
![]() |
Pausa para um passeio turístico: Faith No More aos pés do Cristo Redentor, no Rio Janeiro, quando se apresentou no Festival Rock in Rio 2, em janeiro de 1991. |
A apresentação bombástica no Brasil no Rock in Rio II rendeu ao Faith No More um retorno ao país meses depois, em setembro de 1991. O grupo fez 13 apresentações, passando por Manaus, Recife, Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Santo André, Curitiba e Porto Alegre. As apresentações faziam parte da turnê do álbum The Real Thing, que depois de quase dois anos, terminou em outubro de 1991, em Oakland, na Califórnia, nos Estados Unidos.
Embora seja um álbum lançado em 1989, The Real Thing ajudou a moldar o rock dos anos 1990, sobretudo no campo do heavy metal, sendo considerado por alguns jornalistas da imprensa musical, uma das obras influentes para a formação do nü metal. O álbum e o som do Faith No More se tornaram uma grande referência musical para várias bandas que despontaram a partir dos anos 1990 no cenário do rock mundial como Deftones, Rage Against The Machine, Korn, Slipknot, Limp Bizkit e System Of A Down.
Faixas
Lado 1
- “From Out Of Nowhere” - (musica: Bill Gould/Roddy Bottum - letra: Mike Patton)
- “Epic” (musica: Gould/Jim Martin/Bottum/Mike Bordin - letra: Patton)
- “Falling to Pieces” (musica: Gould/Bottum/Martin - letra: Patton)
- “Surprise! You're Dead!” (musica: Martin - letra: Patton)
- “Zombie Eaters” (musica: Martin/Gould/Bordin/Bottum - letra: Patton)
Lado 2
- “The Real Thing” (musica: Gould/Bottum - letra: Patton/Gould)
- “Underwater Love” (musica: Gould/Bottum – letra: Patton)
- “The Morning After” (musica: Gould/Bottum/Martin - letra: Patton)
- “Woodpecker From Mars”(musica: Martin/Bordin)
Bônus (versão CD)
- “War Pigs” (Butler/Iommi/Osbourne/Ward)
- “Edge Of The World” (musica: Gould/Bottum/Bordin - letra: Patton)
Faith No
More: Mike Patton (vocais principais), James Martin (guitarras), Roddy Bottum
(teclados), Bill Gould (baixo) e Mike Bordin (Bateria).
Referências:
Revista Bizz –
janeiro /1991 – Edição 66, Editora Azul)
Revista Bizz –
abril /1991 – Edição 69, Editora Azul)
Revista Bizz –
setembro /2005 – Edição 193, Editora Azul)
Comentários
Postar um comentário