“Só Se For A Dois” (PolyGram, 1987), Cazuza


Após o elogiado primeiro e homônimo álbum solo (popularmente conhecido como Exagerado), de 1985, Cazuza(1958-1990) entrou nos estúdios da gravadora Som Livre no segundo semestre de 1986 para gravar o seu segundo álbum solo, sob a produção de Ezequiel Neves (1935-2010) e Jorge Guimarães. Tudo transcorreu bem, as gravações foram finalizadas até que um dia, a Som Livre anunciou que iria cancelar o seu elenco de artistas e dedicar-se apenas às trilhas sonoras das novelas da TV Globo, emissora à qual a companhia pertence. A única exceção, foi Xuxa, apresentadora que tinha um programa infantil de grande audiência na Globo, o Xou da Xuxa, lançava discos pela Som Livre que vendiam milhões de cópias. Era uma verdadeira “mina de ouro”. Todos os outros cantores e bandas foram dispensados pela Som Livre, inclusive Cazuza. Nem mesmo o fato do cantor ser filho do diretor e fundador da Som Livre, João Araújo (1935-2013), livrou Cazuza da lista de dispensados da gravadora.

Contudo, não faltaram propostas de outras gravadoras para contratar Cazuza. De todas as propostas, o ex-vocalista do Barão Vermelho aceitou a da PolyGram (hoje Universal Music) com a qual assinou contrato. Como o material do segundo álbum já estava todo gravado, tudo que a PolyGram teve que fazer foi apenas prensar e distribuir no mercado as cópias do álbum. Assim, sob o título de Só Se For A Dois, o segundo álbum solo de Cazuza chegou às lojas em março de 1987.

“Só Se For A Dois” é a primeira faixa do álbum, e a quem dá nome a ele. É uma canção com texto forte que fala sobre amor, diversidade, respeito e convivência entre as diferenças. Para Cazuza, a felicidade, o amor e a liberdade, têm que ser vivenciados ao lado de alguém que amamos: “As possibilidades de felicidade / São egoístas, meu amor / Viver a liberdade, amar de verdade / Só se for a dois”.

A saída de Cazuza do Barão Vermelho, em 1985, provocou um rompimento de amizade entre o ex-vocalista e os membros da banda. Porém, em 1986, Cazuza e Barão Vermelho reataram amizade quando se encontraram nos bastidores de um programa da TV Globo. Desse reencontro, Cazuza e Roberto Frejat reataram também a parceria musical que rendeu novas canções. Algumas dessas canções foram gravadas por Cazuza para o seu segundo álbum. “Ritual” é uma delas, uma canção que trata sobre aproveitar a vida, não perder tempo com coisas pequenas, viver a realidade e encarar os desafios.

Cazuza e Roberto Frejat: parceria reatada.

“O Nosso Amor A Gente Inventa (Uma Estória Romântica)” é a canção mais famosa do álbum. A letra, escrita por Cazuza, foi baseada num drama vivido por um amigo seu com o fim de um relacionamento amoroso. Os versos da canção tratam sobre desilusão, ressentimento e esquecimento. Todo o amargor de um final difícil e traumático de um relacionamento, Cazuza conseguiu traduzir em versos como os do início da canção: “O teu amor é uma mentira / Que a minha vaidade quer / E o meu, poesia de cego / Você não pode ver”. O destaque nesta canção fica no final da música, com o belo solo vocal de Solange, vocal de apoio de Cazuza.

Composta por Cazuza e Frejat, “Culpa De Estimação” é um rock que trata de maneira bem-humorada sobre a culpa, apresentada na música como se fosse uma pessoa. A culpa é tratada como alguém inseparável, que segue o personagem da canção onde quer que ele vá, dá palpite em tudo, e ao mesmo tempo consola e aconselha. A bissexualidade de Cazuza está sutilmente presente nos versos: “Não sei se o nome dela é Eva ou Adão / É religiosa por formação / A minha culpa de estimação”.

O lado A da versão LP de Só Se For A Dois termina com o blues rock “Solidão Que Nada”. Para escrever a letra da canção, Cazuza se inspirou nas aventuras amorosas do baixista de sua banda, Nilo Romero. Em todas as cidades em que Cazuza e banda passavam, Romero conquistava uma namorada, trocava número de telefones. Eram amores efêmero, urgentes, vivenciados em quartos de hotéis ou saguões de aeroportos. “Solidão Que Nada” foi regrava pelo Kid Abelha em 1994 para o álbum acústico Meio Desligado, numa versão que teve bastante execução em rádio, mais até do que a versão original de Cazuza.

Cazuza em sessão de fotos para o álbum Só Se For A Dois.


Abrindo o lado B, “Completamente Blue”, uma música que faz referência em seus versos à solidão nos grandes centros urbanos, em contraste à liberdade que os tempos modernos nos proporcionam. Embora se trate de um pop rock, “Completamente Blue” possui uma acentuação funk na sua linha de baixo e na levada da bateria.

O deslumbramento com a fama é um dos temas abordados em “Vai À Luta”, parceria de Cazuza e Rogério Meandra. A música ao mesmo tempo tece uma crítica àquele tipo de gente que se alimenta do fracasso dos outros. Os versos finais são uma célebre frase do jornalista Millôr Fernandes (1923-2012): “Os fãs de hoje, são os linchadores de amanhã”.

Em “Quarta-feira”, Cazuza faz um jogo de sedução nos versos, tendo como cenário, alguma praia ensolarada do Rio de Janeiro no meio da semana. A sedução pode envolver paixões perigosas: “Talvez você caia / Na minha rede um dia / Cheia de cacos de vidro”. Ou beijos ardentes com gosto de bala de hortelã: “E o galã não vê / Que é bombardeado com balas de hortelã”.

O amor intenso, vivenciado com total entrega, sem preocupações com o que virá depois, é cantando por Cazuza em “Heavy Love”, um rock veloz e pesado. Encerrando o álbum, “Balada do Esplanada”, um blues acústico baseado num poema de Oswald Andrade (1890-1954) que trata sobre um menestrel que foi morar com sua amada no Hotel Esplanada, onde ele tenta fazer uma balada para ela, mas não consegue.

O jornalista Millôr Fernandes, autor da frase "os fâs de hoje, são os
linchadores de amanhã", inserida por Cazuza na canção "Vai À Luta".

Para celebrar o lançamento do álbum Só Se For A Dois, Cazuza fez uma temporada de duas semanas no Teatro Ipanema, no Rio de Janeiro. Cazuza queria uma produção impecável, e o investimento para tanto foi alto. Por causa disso, Cazuza selou um pacto com o casal de empresários que gerenciava a sua carreira, Rosa e Mário Almeida, em que caso a temporada fosse um fracasso, o prejuízo seria dividido entre os três. A temporada foi um fracasso, e Cazuza tomou uma decisão quanto ao pacto: assumiu todo o prejuízo. Decidiu cobrir o prejuízo usando o dinheiro ganho no contrato com a PolyGram, não só cobriu a parte do pacto que lhe cabia como também a do casal de empresários, que estava prestes a vender o carro para pagar as outras duas partes do acordo. 

Um mês após o lançamento do álbum, Cazuza fez um teste e descobre era portador do vírus da AIDS, o HIV. Depois de passar por um processo de tratamento na Clínica São Vicente, Cazuza parte para Boston, nos Estados Unidos, onde dá prosseguimento ao seu tratamento no New England Medical Center, a base de AZT, uma novidade no tratamento dos portadores do vírus da AIDS.

De volta ao Rio de Janeiro, em dezembro de 1987, Cazuza deu início às gravações do seu terceiro álbum, Ideologia, trabalho que consagrou Cazuza. A pouca divulgação do álbum por parte da gravadora não impediu que Só Se For A Dois tivesse um desempenho comercial razoável, vendendo cerca de 250 mil cópias, muito por conta de “O Nosso Amor a Gente Inventa” ter tocado bastante no rádio.

A sua condição de soropositivo e o processo de recessão econômica que o Brasil atravessava, influenciariam Cazuza a partir de então, tornando-o um artista mais maduro, porém mais crítico e ácido nas letras. Naquele momento, estrelas do rock brasileiro atiravam pesado contra a classe política da época, como os Titãs com os hits “Lugar Nenhum” e “Desordem”, do álbum Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas (1987), e a Legião Urbana com o seu “Que País É Este”, do álbum Que País É Este – 1978/1987 (1987). Possivelmente, Cazuza se mostrou estimulado pelos colegas e decidiu também expressar a sua fúria e indignação no álbum Ideologia, dando o seu recado por meio da faixa-título, “Brasil” e “Boas Novas”, embora tivesse preservado o romantismo ao qual havia se dedicado em Só Se For A Dois.

Faixas

Lado A

  1. “Só Se For a Dois” (Rogério Meanda/Cazuza)
  2. “Ritual” (Frejat/Cazuza)
  3. “O Nosso Amor a Gente Inventa” (Uma Estória Romântica) (Rogério Meanda/Cazuza/Rebouças) 
  4. “Culpa de Estimação” (Frejat/Cazuza)           
  5. “Solidão que Nada” (George Israel/Cazuza/Nilo Romero)" 

Lado B

  1. “Completamente Blue” (Rogério Meanda/George Israel/Nilo Romero/Cazuza)"       
  2. “Vai à Luta” (Cazuza/Rogério Meanda)
  3. “Quarta-Feira” (Zé Luís/Cazuza)"      
  4. “Heavy Love” (Frejat/Cazuza)             
  5. “O Lobo Mau da Ucrânia” (Cazuza/Rogério Meanda/Nilo Romero/Rebouças/Moraes/Ezequiel)"         
  6. “Balada do Esplanada” (Cazuza/Adaptação: Oswald De Andrade)" 

Referências:
Cazuza: Só As Mães São Felizes - Lucinha Araújo e Regina Echeverria, 1997, Editora Globo.
Cazuza: Segredos de Liquidificador – Rafael Julião, 2019, Editora Batel.



“Só Se For a Dois”

“Ritual”

“O Nosso Amor a Gente Inventa”

“Culpa de Estimação”

“Solidão que Nada”

“Completamente Blue”

“Vai à Luta”

“Quarta-Feira”

“Heavy Love”

“O Lobo Mau da Ucrânia”

“Balada do Esplanada”

“O Nosso Amor a Gente Inventa”
(videoclipe oficial para 
"Fantástico", TV Globo, 1987)




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