“SLA Radical Dance Disco Club” (EMI, 1990), Fernanda Abreu


Existe o velho e conhecido ditado popular que diz: “apressado come cru”. Quando a formação clássica da Blitz chegou ao fim, em 1986, o vocalista e líder da banda carioca, Evandro Mesquita, naquele mesmo ano, lançou o seu primeiro álbum solo, intitulado Evandro, que chegou a ter alguma repercussão. Evandro ainda lançou mais três álbuns solos, emplacando o hit “Babilônia Maravilhosa”, em 1989, que fez parte da trilha sonora da telenovela Top Model, da TV Globo. Mas não passou disso.

Ao contrário de Evandro, sua ex-colega de Blitz, Fernanda Abreu, preferiu esperar o tempo certo para aventurar-se numa carreira solo. Quando a Blitz acabou, não faltaram convites para ela gravar um disco solo. No entanto, os convites eram para ela trilhar o mesmo seguimento pop rock da Blitz. Embora estivesse decidida em não começar naquele momento a sua carreira, solo, a ex-backing vocal da Blitz já sabia que caminho musical seguiria, e o pop rock não estava em seus planos.

Antes de integrar a Blitz, Fernanda Abreu era uma admiradora da música negra americana. Desde a adolescência, ela gostava de ouvir e dançar ao som de R&B, funk e disco music. O caminho natural de Fernanda Abreu era a música pop, a música para as pistas.

Nos três anos seguintes após o fim da Blitz, Fernanda Abreu fez participações em trabalhos de outros artistas. Em 1987, colaborou na canção “Juliette”, do amigo Fausto Fawcett para o primeiro e homônimo álbum da banda Fausto Fawcett & Os Robôs Efêmeros. Dois anos depois, através do sociólogo Hermano Vianna (irmão de Herbert Vianna, vocalista e guitarrista dos Paralamas do Sucesso), Fernanda Abreu vai pela primeira vez a um baile funk comandado pelo DJ Marlboro, no subúrbio do Rio de Janeiro.

Fernanda Abreu (terceira da esquerda para a direita), nos tempos da Blitz.

Além das participações especiais, Fernanda Abreu fez duas concorridas temporadas no Rio de Janeiro e São Paulo, cantando clássicos da disco music, acompanhada de uma banda competentíssima: Fernando Vidal (guitarra), Aurélio Dias (baixo), Fábio Fonseca (teclados) e Bodão (bateria).

O sucesso das temporadas cantando clássicos da disco music estimulou Fernanda a grava uma fita demo produzida por Herbert Vianna com quatro música autorais focadas no pop, funk, R&B e disco music. A fita foi entregue pela própria Fernanda a Jorge Davidson, diretor da gravadora EMI, a mesma da qual a Blitz fazia parte. O produtor gostou do material, apesar de achar que naquele momento, não via um nicho de mercado para que estilo que a cantora estava abraçando. Na época, o cenário musical brasileiro vivia a ressaca do rock brasileiro dos anos 1980, a axé music e o sertanejo estavam em ascensão e a lambada era o modismo musical do momento.

Apesar de um cenário aparentemente pouco favorável para ela, Fernanda apostou no que acreditava, assim como a própria EMI. Para gravar o seu primeiro álbum solo do jeito que queria, Fernanda Abreu contou com o apoio dos músicos que tocaram com ela nas temporadas de shows no Rio e em São Paulo, além de outros ilustres convidados, como o cantor e compositor Leoni (ex- Kid Abelha), Fausto Fawcett e Herbert Vianna. A produção foi conduzida por Herbert Vianna, Fábio Fonseca e Fernanda Abreu.

O processo de gravação do álbum transcorreu bem, com muito entusiasmo, principalmente por causa do sampler, a grande novidade tecnológica nos estúdios de gravação na época, e que tornou o álbum de estreia de Fernanda, um dos pioneiros do emprego daquele equipamento no Brasil. Empolgados com o novo “brinquedo”, vários artistas foram sampleados, de Madonna a Gilberto, passando por Prince, Chic, Michael Jackson, dentre tantos outros. Os trechos sampleados foram inseridos em várias músicas.

Contudo, quando o álbum ficou pronto, o departamento jurídico da EMI ficou preocupado com a grande quantidade de trechos sampleados de músicas de outros artistas. Havia preocupação da gravadora com possíveis processos judicias por causa do uso desses trechos sem autorização. Preocupada, Fernanda Abreu conseguiu convencer o departamento jurídico da gravadora de lançar o disco. Vários artistas sampleavam outros artistas naquela época, e naquele momento, ainda não havia uma legislação que regulasse isso. O argumento da cantora foi convincente, e a gravadora confirmou o lançamento do álbum.

Prince, Michael Jackson, Madonna e Gilberto Gil estão entre os
sampleados no álbum SLA Radical Dance Disco Club.

Em fevereiro de 1990, foi lançado o single de “A Noite”, apresentando ao grande público uma Fernanda Abreu completamente diferente daquela artista do passado roqueiro dos tempos da Blitz. Fernanda ressurgia agora como uma cantora pop, com a cabeça e os pés mergulhados na dance music. O single de “A Noite” serviu como uma prévia do que o público poderia esperar do primeiro álbum da cantora carioca. “A Noite” agradou o público, e logo foi incluída na trilha sonora da telenovela Mico Preto, da TV Globo, no primeiro semestre de 1990.

Intitulado SLA Radical Dance Disco Club, o álbum de estreia de Fernanda Abreu foi lançado em 17 de março de 1990. Uma curiosidade: a sigla SLA do título é uma referência às iniciais do sobrenome Fernanda, que é Sampaio de Lacerda Abreu.

Composto por dez faixas (uma a mais nas versões CD e cassete), SLA Radical Dance Disco Club é um álbum de dance pop por excelência. Analisando o cenário musical brasileiro da época de seu lançamento, SLA Radical Dance Disco Club era como um “estranho no ninho”. Não havia nada parecido lançado no meio musical mais comercial, mais midiático. O mais próximo disso era Ed Motta, que assim mesmo, focava mais especificamente o R&B e o funk.

Em seu SLA Radical Dance Disco Club, Fernanda incluía no seu caldeirão pop musical soul music, disco music, funk, R&B, rap, Miami bass e a house music. Fernanda estava em completa sintonia com o que se produzia em termos de dance music internacional como Snap, Soul II Soul, Technotronic entre outros. Com produção de Herbert Vianna, Fábio Fonseca e Fernanda Abreu, SLA Radical Dance Disco Club é um álbum essencialmente dançante, pop, e consegue equilibrar a organicidade proporcionada pelas linhas de baixo e pela guitarra funky com o lado eletrônico sustentado pelo sample, bateria eletrônica e sintetizadores. Talvez por isso, o álbum tenha envelhecido bem, e uma ou outra faixa soe datada.

Detalhe da contracapa do álbum SLA Radical Dance Disco Club

O álbum abre com uma vinheta que é uma sucessão de colagens de hits antológicos da disco music dos anos 1970, como “Don't Stop 'Til You Get Enough” (Michael Jackon), “We Are Family” (Sister Sledge), “Good Times” (Chic), “Get Off” (Foxy) entre outros. Logo em seguida, começa “A Noite”, lançada anteriormente como single. A música é um misto de funk e disco music, e é um convite para sair à noite para dançar e barbarizar numa pista de dança.

O clima continua em alta com a faixa seguinte e que dá nome ao álbum. “SLA Radical Dance Disco Club” tem uma divisão rítmica bem delineada, alternando funk nas estrofes e a batida arrastada típica da disco music nos refrãos. Destaque para a levada galopante da linha de baixo nos refrãos acentuando o ritmo característico da disco music.

A linha de baixo volta a ter uma presença bastante acentuada no funk romântico “Kamikazes do Amor”, que cria uma sonoridade robusta e cheia de slaps. Fechando o lado A, “Luxo Pesado”, uma versão de “Got To Be Real”, sucesso de Cheryl Lynn nos anos 1970, que através de Fernanda Abreu, ganhou uma leitura mais pessoal e erótica.

“Você Pra Mim” abre o lado B de SLA Radical Dance Disco Club. A balada romântica tem um arranjo pop elegante, muito bem acabado, e mostra que sobreviveu muitíssimo bem ao tempo. “Space Sound To Dance” é cheia de clichês típicos da dance music dos anos 1990, mas que contrasta com versos de uma complexidade pouco comum numa música para dançar nas pistas: “Se o vento assobia, o mar ruge, o trovão atroa / Os pássaros chilream, a chuva martela”. Em “Speed Racer”, Fernanda Abreu percorre ruas e avenidas do Rio de Janeiro pilotando um Mach 5, o mesmo carro do personagem de desenho animado japonês que dá nome à música. Em “Vênus Cat People”, Fernanda Abreu conta com participação especial de Fausto Fawcett, a primeira de outras tantas que estariam por vir. Fernanda incorpora uma vênus felina e sedutora, cujo corpo e alma são um sonho.

Fernanda Abreu durante show da SLA Tour, em 1990.

O álbum termina com “Disco Club 2 (Melô do Radical)”, faixa que é uma típica Miami bass, gênero que se se tornou a base fundamental para o nascimento funk carioca, que na época, ainda era algo específico dos subúrbios pobres do Rio de Janeiro. A música traz a participação do DJ Marlboro nos scratches, e responsável pela propagação do funk carioca.

Nas versões CD e cassete, o álbum traz uma faixa a mais, e a que encerra o álbum, “Kung Fu Fighting”. Sucesso nos anos 1970 com Carl Douglas, a música é outro cover presente no álbum que ganhou uma versão bastante pessoal de Fernanda Abreu, mais suave e mais romântica que a original.

SLA Radical Dance Disco Club teve um bom desempenho comercial. Vendeu 260 mil cópias, e rendeu quatro singles. “Você Pra Mim” alcançou o 1º lugar nas paradas de rádio, e foi incluída na trilha sonora da telenovela, Meu Bem, Meu Mal, da TV Globo, em 1990. Com o seu bom álbum de estreia, Fernanda Abreu deixou de ser apenas aquela backing vocal sensual da Blitz para ganhar imagem própria. Na eleição dos melhores do ano de 1990 da revista Bizz, Fernanda foi eleita “Revelação do Ano - Nacional” pelos leitores. Pelos votos da crítica especializada, o eleito foi o grupo Que Fim Levou Robin?, que assim como Fernanda Abreu, era um dos poucos artistas de dance music no Brasil. No entanto, o grupo paulista teve uma vida muito breve e logo acabou.
 
Se firmaria como um dos nomes mais destacados do pop brasileiro dos anos 1990, impulsionada pelo sucesso dos álbuns seguintes SLA 2 Be Sample (1992) e Da Lata (1995), trabalhos que uniram a dance music com referências de música brasileira.

Faixas

  1. "Disco Club 1" (vinheta) (Fernanda Abreu - Sergio Mekler)
  2. "A Noite" (Fernanda Abreu - Luiz SteinCarlos Laufer)
  3. "SLA Radical Dance Disco Club" (Fernanda Abreu – Leoni)
  4. "Kamikazes do Amor" (Fernanda Abreu)
  5. "Luxo Pesado (Got To Be Real)" ( D. PaichC. Lynn - D. Foster; Versão: Fernanda Abreu - Fausto Fawcett)
  6. "Você Pra Mim" (Fernanda Abreu)
  7. "Space Sound To Dance" (Fernanda Abreu - Luiz Stein - Carlos Laufer)
  8. "Speed Racer" (Fernanda Abreu - Herbert Vianna - Fábio Fonseca)
  9. "Vênus Cat People" (Fausto Fawcett - Carlos Laufer)
  10. "Disco Club 2 (Melô do Radical)" (Fernanda Abreu - Herbert Vianna - Fábio Fonseca - DJ Marlboro)
  11. "Kung Fu Fighting" (Carl Douglas)

Referências:
Revista Bizz – julho/1990 – Edição 59
Revista Bizz – abril/1991 – Edição 69
Wikipedia



("Disco Club 1" - vinheta)"A Noite" 

"SLA Radical Dance Disco Club" 

"Kamikazes do Amor" 

"Luxo Pesado (Got To Be Real)"

"Você Pra Mim" 
(videoclipe original)

"Space Sound To Dance" 

"Speed Racer" 

"Vênus Cat People" 

"Disco Club 2 (Melô do Radical)" 

"Kung Fu Fighting"

"A Noite"
(videoclipe original) 

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