“Tim Maia” (Polydor, 1970), Tim Maia
O primeiro e
autointitulado álbum de Tim Maia (1942-1998) é considerado o “marco zero” da
soul music brasileira. Embora artistas da Jovem Guarda nos anos 1960 já
experimentassem a soul music como Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Eduardo
Araújo, foi o primeiro álbum de Tim que não só serviu de marco inicial do soul
brasileiro como deu ao estilo uma face musical mestiça e brasileira ao fundir a
música negra norte-americana com referências da música brasileira como samba e
baião. Mas até chegar ao seu primeiro e aclamado álbum, Tim Maia percorreu um
caminho longo e tortuoso.
Sebastião
Rodrigues Maia nasceu e cresceu no bairro da Tijuca, zona norte do Rio de
Janeiro. Na adolescência, tinha como amigos nada menos que Roberto Carlos,
Erasmo Carlos e Jorge Ben, futuras estrelas da música brasileira. Fãs de Elvis
Presley, Chuck Berry e Little Richard, Tim, Roberto, Erasmo, Jorge e mais
outros garotos, faziam parte da “Turma do Matoso”, um grupo de jovens que se
reunia para conversar e trocar informações sobre rock’n’roll. Em 1957, aos 15
anos de idade, que Tim começou a sua carreira musical ao montar o conjunto
vocal The Sputniks, com Roberto Carlos, Arlênio Silva, Edson Trindade e
Wellington.
Tim Maia (à esquerda) e Roberto Carlos (à direita) no conjunto The Sputniks no final dos anos 1950. |
Em 1959,
depois que seu pai morreu, Tim decidiu partir para os Estados Unidos, com
apenas 17 anos de idade. Foi tentar a sorte na carreira artística em Nova York,
onde morou por cinco anos. Lá, Tim teve contato direto com a nata da música negra
norte-americana que o deixaria encantado, principalmente o som da gravadora Motown,
cujos artistas faziam um enorme sucesso. O brasileiro fez amigos, trabalhou em
subempregos e até chegou participar de um grupo vocal, o The Ideals. Tim compôs
com Roger Bruno, líder do grupo, a canção “New Love”, que o The Ideals gravou e
lançou como single. Anos mais tarde, Tim gravaria essa canção no seu terceiro
álbum solo.
Contudo, a
passagem de Tim pelos Estados Unidos também foi cercada de encrencas. Após se
envolver num roupo de carro e ser pego com posse maconha, Tim Maia foi expulso
dos Estados Unidos, sendo deportado para o Brasil em abril de 1964. De volta o
Rio de Janeiro, percebeu que tudo estava mudado: o país estava sob domínio da
ditadura militar, a capital federal era agora Brasília e que seus velhos
amigos, Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Jorge Ben, se tornaram astros da música
brasileira.
Tim Maia (no centro) nos tempos do The Ideals, quando morou nos Estados Unidos. |
Morando
novamente com sua mãe e irmãos, Tim arrumou um emprego de guia turístico numa
agência de turismo. O fato de dominar o idioma inglês, depois de cinco anos
morando nos Estados Unidos, facilitou para que conseguisse o emprego. No
entanto, seus conhecimentos de História e Geografia, eram desatrosos, o que
comprometia o seu trabalho na hora de informar os turistas estrangeiros que
visitavam o Rio de Janeiro.
Em 1966, foi
preso novamente por furtar após roubar mesas e cadeiras de uma casa. Foi
condenado a dez meses de prisão. Na prisão, ao ler um jornal, lê uma reportagem
sobre o oitavo carro novo que Roberto Carlos havia acabado de comprar. A partir
dali, Tim prometeu a si mesmo que ao deixar a cadeia, iria dar rumo à sua
carreira artística, iria gravar discos, fazer shows, ficar rico e famoso como
Roberto Carlos.
Depois que
saiu da cadeia, em 1967, Tim encontrou um velho amigo, Almir, que estava
começando a carreira musical com a ajuda de Erasmo Carlos. Sob o nome artístico
Almir Ricardi, o estreante contou que em São Paulo era o lugar em que tudo
estava acontecendo, e que inclusive, já havia se apresentado no programa Jovem
Guarda, na TV Record. Com a ajuda de Almir, Tim conseguiu uma passagem e foi
para São Paulo, na esperança de contar com o apoio de Erasmo Carlos e Roberto
Carlos.
Ao chegar na
capital paulista, viu de perto centenas de fãs gritando, chorando e com
cartazes nas mãos diante do teatro onde era realizado o programa. Parecia uma
versão brasileira da beatlemania. Foi ali que Tim percebeu o tamanho da fama que
os seus velhos amigos haviam alcançado. Tentou várias vezes ter contato com Roberto
Carlos e Erasmo Carlos, mas todas em vão. Seus antigos amigos agora eram ídolos
nacionais.
Em São
Paulo, enquanto não conseguia um encontro com Roberto Carlos e Erasmo, Tim cantava
em boates e casas noturnas em troca de pequenos cachês, e algumas apresentações
no programa de Wilson Simonal na TV Record. Durante uma apresentação na TV
Bandeirantes, conhece Os Mutantes.
De volta ao Brasil, Tim Maia trabalhou de guia turístico no Rio de Janeiro e cantou boates e casas noturnas em São Paulo antes da fama. |
No fim de
1967, Tim foi passar o Natal com a família no Rio de Janeiro, e lá chegando,
fica sabendo que Roberto Carlos estava na cidade, hospedado no Hotel Excelsior.
Tim, foi direto para o hotel, onde não encontrou Roberto, mas a esposa dele,
Nice, com quem conseguiu falar. A ela, Tim entregou uma fita com duas músicas
para ser entregue depois a Roberto. O ídolo da Jovem Guarda recebeu a fita e
enviou para o seu produtor, Evandro Ribeiro, da gravadora CBS. Tim foi
contratado pela CBS, e no começo de 1968, a gravadora lançou o primeiro
compacto do cantor, com as canções “Meu País” e “Sentimento”. No entanto, o
compacto foi um fracasso comercial.
Roberto
Carlos ajudou mais uma vez Tim, ao convidá-lo para se apresentar no programa Jovem Guarda, na TV Record. Tim foi,
cantou duas canções em inglês, mas seu vozeirão soul cheio de firulas vocais,
não agradou o auditório, em sua maioria, composto por garotas acostumadas com
os rocks ingênuos e baladas “açucaradas” de Jerry Adriani e Warderley Cardoso.
Ainda em
1968, Erasmo Carlos, o outro velho amigo dos tempos da Tijuca, gravou uma
canção de Tim, Não Quero Nem Saber”. Erasmo chamou Tim para fazer os vocais na
canção.
Em 1969,
através da Fermata, Tim lança seu segundo single que traz as canções “What You
Want To Bet?” e “These Are The Songs”, que assim como o single anterior, também
passa ignorado pelo público.
Capa do segundo compacto de Tim Maia, lançado em 1969 pela gravadora Fermata. |
Ainda em
1969, por recomendação dos Mutantes e Erasmo Carlos, o então presidente da
gravadora Philips, André Midani contrata Tim Maia, sem nem mesmo tê-lo ouvido. No
final daquele ano sai o single com as canções “Jurema” e “Primavera”. A faixa
“Primavera” se torna um sucesso nas rádios. Elis regrava “These Are The Songs”,
e convida Tim Maia para fazer dueto com ela.
O sucesso do
dueto motiva o selo Polydor, da gravadora Philips, a lançar um álbum de Tim
Maia. Para a produção do álbum, foram escalados os produtores Jairo Pires e
Arnaldo Saccomani, este último já trabalhara nos discos psicodélicos de Ronnie
Von. Os arranjos de cordas ficaram aos cuidados dos maestros Waltel Branco,
Waldir Arouca e Cláudio Riditi. A banda de apoio, responsável pela base
instrumental sensacional contou músicos talentosos como os baixistas Zé Carlos
e Capacete, o tecladista Carlinhos, o percussionista Guilherme, o baterista
Paulinho e o guitarrista Cassiano, também autor de algumas canções. Além de
guitarrista, Cassiano integrava o grupo vocal Os Diagonais, ao lado do seu
irmão Camarão, e de Amaro. A participação dos Diagonais fazendo os vocais de
apoio, se tornaram o ponto alto do álbum de estreia de Tim Maia.
A faixa que
abre o álbum é “Coroné Antônio Bento”. Originalmente, essa música foi gravada
por Luiz Wanderley (1931-1993) em 1959 sob o título “Matuto Transviado” em
ritmo de baião. A letra é sobre um coronel do sertão nordestino quem contrata
um pianista famoso do Rio de Janeiro para tocar na festa do casamento de sua
filha. Durante os intervalos das gravações, os músicos se divertiam tocando
essa música com Camarão, dos Diagonais, cantando com o sotaque nordestino de
Luiz Wanderley. A brincadeira agradou Tim Maia que quis gravar a música, que
foi rebatizada para “Coroné Antônio Bento” e ganhou arranjos que misturavam
soul music com baião, cujo resultado é interessantíssimo. A curiosidade é que Tim
Maia canta a primeira parte, e a parte do matuto, quem canta é Camarão.
Composta por
Tim Maia e Carlos Imperial, “Cristina” foi inspirada nas nádegas da empregada
doméstica da atriz, dançarina e amiga de Tim, Maria Gladys. Os glúteos
avantajados da empregada que se chamava Cristina, daí o título da música,
levavam Tim à loucura. No entanto, existe uma outra versão de que “Cristina”
era na verdade uma senha (“vou ver Cristina”) que Tim usava para fumar maconha
fora do apartamento de Imperial, que detestava drogas.
Lançada
antes em single, “Jurema” tem um ritmo dançante e a letra em inglês. A música
tem uma linha de baixo pulsante, belos vocais femininos de apoio e arranjos de
metais que lembram os de “Respect”, de Otis Redding. O título da música faz
referências à Cabocla Jurema, uma entidade da Umbanda.
A temática
nordestina reaparece no álbum na faixa “Padre Cícero”, cuja letra, conta um
pouco da vida do Padre Cícero Romão (1844-1934), religioso que se tornou uma
figura mística no catolicismo popular do sertão nordestino. “Padre Cícero”, a
música, tem um ritmo interessante que alterna soul music e baião. Um fato
curioso foi que a música “Padre Cícero” sofreu alteração na letra, e virou
“João Coragem”, servindo música-tema do personagem de mesmo nome interpretado
pelo ator Tarcísio Merina, na novela Irmãos
Coragem, da TV Globo, em 1970.
A vida do Padre Cícero virou tema de canção na voz de Tim Maia. |
A festiva “Flamengo”
é uma faixa que presta homenagem ao Flamengo, e que ao longo da música se ouve
apenas o nome do time de futebol mais popular do Brasil. “Você Fingiu”, de
Cassiano, fecha o lado A da versão LP do álbum, uma canção dramática sobre
desilusão amorosa. Nesta canção, Tim e os Diagonais fazem uma bem entrosada
interação vocal de “chamada e resposta”.
O lado B começa
com a linda com a balada “Eu Amo Você”, uma parceria de Cassiano e Sílvio
Rochael, cuja letra é valorizada pelo canto cheio de sensibilidade de Tim Maia.
A faixa seguinte, “Primavera (Vai Chuva)”, é uma das canções mais populares da
carreira de Tim Maia. “Primavera” começa num balanço muito bem elaborado
musicalmente, e que logo dá lugar a uma pausa, e em seguida entra o canto
poderoso de Tim Maia. Tudo em “Primavera” funciona bem, dos arranjos de corda
aos vocais de apoio fantásticos dos Diagonais em completa sintonia com a voz de
Tim Maia. O naipe de metais e a linha de baixo estão impecáveis.
“Risos” é
uma canção que mistura soul e valsa, e seu andamento parece rodopiar. Composta
por Fábio e Paulo Imperial (irmão de Carlos Imperial), Tim canta sobre um amor
que partiu, mas que ainda assim é preciso risos porque um novo amor renascerá.
“Azul da Cor
do Mar” foi outra canção do álbum de estreia de Tim que se tornou um grande
sucesso e que marcaria a carreira do cantor carioca. Tim escreveu a canção
quando morava de favor no apartamento do cantor e amigo, Fábio no Rio de
Janeiro, pouco depois de assinar contrato com a gravadora Philips, mas estava
aguardando ser chamado para gravar. Numa noite, sozinho, escreveu a letra ao
ver um pôster colorido de uma bela mulher numa praia do Taiti. A letra fala de
sofrimento, solidão, mas também traz otimismo, esperança, superação: “Mas quem sofre sempre tem que procurar /
Pelo menos vir achar razão para viver / Ver na vida algum motivo pra sonhar /
Ter um sonho todo azul / Azul da cor do mar”.
“Cristina
Nº2” é uma reprise da segunda faixa do álbum, porém numa versão com mais
balanço, mais dançante e um pouco mais curta. “Tributo À Booker Pittman”
encerra o álbum, uma balada jazzística em tributo a Booker Pittman (1909-1969),
saxofonista norte-americano e que foi padrasto da cantora brasileira Eliana Pittman.
Álbum de estreia de Tim Maia recebeu elogios da imprensa musical e críticas da ala nacionalista da MPB. |
Lançado em
junho de 1970, Tim Maia, o álbum teve uma boa recepção da imprensa musical,
mas sofreu críticas da ala mais nacionalista e conservadora da MPB, que via na
música praticada por Tim como uma arte “americanizada”. Já o público adorou: o
álbum vendeu mais de 200 mil cópias, figurando em primeiro lugar na parada de
álbuns mais vendidos no Brasil por cerca de vinte semanas. “Primavera”, “Eu Amo
Você” e “Azul da Cor do Mar” estavam estouradas nas rádios de todo o Brasil. O
show de lançamento do álbum, no Teatro da Praia, no Rio de Janeiro, foi
bastante concorrido, a tal ponto da temporada de apresentação naquele teatro,
prevista para duas semanas, ser estendida para três meses, e com lotação
esgotada.
O sucesso do
álbum Tim Maia e do próprio cantor, abriu as portas de vez para a
soul music no Brasil, e deu visibilidade a uma geração de artistas desse gênero
no país como Dom Salvador e Tony Tornado, este último, vencedor do 5º Festival
Internacional da Canção, em 1970, com a canção “BR-3”, composta por Antonio
Adolfo e Tibério Gaspar. Cassiano, que teve canções suas gravadas por Tim Maia,
deixou Os Diagonais, e partiu para carreira solo, firmando-se como um dos
pilares da soul music brasileira ao lado de Tim Maia e Hyldon. Até artistas da
MPB, como o bossa-novista Marcos Valle, experimentaram o som negro americano.
Valle compôs “Black Is Beautiful”, gravada por Elis Regina. O novato Ivan Lins
estourava com o samba-soul “Madalena”, que também seria gravada por Elis. Um
velho amigo da Tijuca, e que havia se consagrado na música, Jorge Bem, emplacou
“País Tropical”, canção ufanista que mistura samba e soul, mas que embora
composta por Jorge, foi gravada antes por Wilson Simonal. Ainda em 1970, o
pernambucano Paulo Diniz fazia sucesso com “"I Want to Go Back to Bahia”,
canção em que o som negro do Harlem se encontra com a música nordestina.
O sucesso de
público e de crítica do álbum de estreia de Tim Maia transformou-o numa das
estrelas da gravadora Philips, que tinha no seus cast, a nata da música brasileira como gente do quilate de Caetano
Veloso, Chico Buarque, Mutantes, Gal Costa, Gilberto Gil, Elis Regina, Maria
Bethânia, Tom Jobim, Wilson Simonal, Nara Leão, entre outros artistas.
No rastro do
sucesso de seu primeiro álbum Tim preparava o seu segundo trabalho que seguiria
os mesmos caminhos do antecessor, trazendo canções antológicas como “Você”, “A
Festa de Santo Reis” e “Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar)”. Mas essa história,
fica para uma outra ocasião.
Faixas
Lado 1
- "Coroné Antônio Bento" (João do Vale - Luiz Wanderley)
- "Cristina" (Carlos Imperial - Tim Maia)
- "Jurema" (Tim Maia)
- "Padre Cícero" (Genival Cassiano - Tim Maia)
- "Flamengo" (Tim Maia)
- "Você Fingiu" (Genival Cassiano)
Lado 2
- "Eu Amo Você" (Genival Cassiano - Silvio Rochael)
- "Primavera (Vai Chuva)" (Genival Cassiano - Silvio Rochael)
- "Risos" (Fábio - Paulo Imperial)
- "Azul da Cor do Mar" (Tim Maia)
- "Cristina Nº 2" (Carlos Imperial - Tim Maia)
- "Tributo a Booker Pittman" (Cláudio Roditi)
Referências:
Revista Bizz –
Edição 87 - outubro/1992, Editora Azul
Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia – Nelson Motta, 2007, Editora Objetiva
Ouça na íntegra o álbum Tim Maia -1970
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