“A Revolta dos Dândis” (RCA, 1987), Engenheiros do Hawaii


Com o seu álbum de estreia, Longe Demais das Capitais, o power trio gaúcho Engenheiros do Hawaii teve uma razoável visibilidade no cenário do rock brasileiro em 1986. O álbum teve mais de 100 mil cópias vendidas e conseguiu emplacar os hits “Toda Forma de Poder” e “Segurança”. Mas em meio ao modesto sucesso, a banda passou por algumas transformações. A primeira foi a saída do baixista Marcelo Pitz, que por motivos particulares, deixou a banda. A saída de Pitz motivou um reordenamento de funções na banda. O guitarrista Augusto Licks, músico que já havia feito parte da banda do cantor gaúcho Nei Lisboa, entra para a banda, enquanto que Humberto Gessiger, antes guitarrista, assumiu o baixo, mas manteve-se como vocalista.

A mudança nos Engenheiros do Hawaii não ficou restrita apenas na formação da banda, o som também mudou. O trio gaúcho abandou a sonoridade pop com influência da new wave do primeiro álbum optando por uma musicalidade calcada no folk rock, com referências de bandas do gênero das décadas de 1960 e 1970, e dando ênfase ao uso da harmônica e dos violões. Com a chegada de Licks, um músico mais cerebral e técnico, o som da banda ganhou em qualidade e maturidade.  A aproximação da banda com o folck rock abrirá caminho para ela flertar com o rock progressivo nos álbuns seguintes.  Todas essas características musicais estão presentes em A Revolta dos Dândis, segundo álbum do trio gaúcho.


Engenheiros do Hawaii assinando contrato com a gravadora RCA, em 1985. 
Da esquerda para a direita: Humberto Gessinger, 
Carlos Maltz e Marcelo Pitz.


O título do segundo álbum reflete a influência da filosofia existencialista do filósofo e ensaísta francês, Albert Camus (1913-1960) nas letras da banda naquele momento, sobretudo, em Humberto Gessinger, autor da maioria das letras do trio. A Revolta dos Dândis  foi baseado no título de um capítulo de um ensaio de Camus, intitulado O Homem Revoltado. Jean-Paul Sartre (1908-1980) é outro filósofo francês existencialista que exerce influência no conteúdo das letras de algumas canções do álbum.

A presença da literária e filosófica se percebe no refrão do folk rock “A Revolta dos Dândis I”, primeira faixa do álbum que diz: “Eu me sinto um estrangeiro / Passageiro de algum trem / Que não passa por aqui / Que não passa de ilusão”. Gessinger teria se inspirado no livro “O Estrangeiro”, de Albert Camus. “Terra de Gigantes”, balada folk sobre a angústia e os dilemas de se chegar à vida adulta, ficou famosa pela frase “A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes”.

“Infinita Highway” apresenta mais uma citação filosófica e literária através da frase “A dúvida é o preço da pureza” empresta do conto “A Infância De Um Chefe”, presente no livro O Muro, de Jean-Paul Sartre. A música parece estabelecer uma conexão literária filosófica entre o existencialismo de Sartre e os ideais de liberdade da Geração Beat. Teria a infinita highway dos Engenheiros do Hawaii algum grau de parentesco com a On The Road do escritor beat Jack Kerouac (1922-1969)?

Albert Camus e Jean-Paul Sartre: influências filosóficas e
literárias em A Revolta dos Dândis.

“Refrão de Bolero” tem um começo lento, mas ao seu final, termina com solos distorcidos da guitarra de Licks e a bateria vigorosa de Maltz. Curiosamente, essa música só veio a fazer sucesso somente em 1991, durante a turnê do álbum O Papa É Pop (1990). “Filmes De Guerra, Canções De Amor” traz como destaque a bateria de Maltz e a guitarra de rock de Licks solando sobre uma forte base percussiva de samba. 

O folk rock “A Revolta dos Dândis II” é uma continuação da faixa de abertura do álbum. A música se encerra com sinais de código morse que servem de elo de ligação com a faixa seguinte, “Além Dos Outdoors”. Solidão é o tema central de “Vozes”, enquanto que “Quem Tem Pressa Não Se Interessa” é mais uma faixa que faz referência à obra de Sartre, desta vez ao livro O Ser E O NadaO rock “Desde Aquele Dia” traz o amor romântico em sua letra e que poderia cair muito bem numa balada. “Guardas Da Fronteira” encerra o álbum, num dueto entre o vocalista Humberto Gessinger e o cantor gaúcho Júlio Reny, numa participação especial.

Formação consagradora,
de cima para baixo: Humberto
Gessinger, Carlos Maltz
e Augusto Licks.
Com produção de Reinaldo B. Brito, que havia produzido o primeiro álbum da banda, A Revolta dos Dândis deixou os executivos da RCA céticos e preocupados com potencial comercial do álbum, julgando-o “difícil” para a compreensão do público. “Infinita Highway” com seus seis minutos de duração, seria para os executivos, longa demais pra tocar no rádio. Eles achavam também que o mesmo aconteceria com “Terra De Gigantes” que não tinha bateria, mas na finalização da produção, acrescentaram uma curta virada de bateria.

Mas a persistência da banda em não dar ouvidos aos executivos da gravadora deu certo. O álbum de conteúdo “difícil” agradou o público.  A Revolta dos Dândis superou as expectativas, emplacando “Infinita Highway”, “Terra De Gigantes”, “A Revolta dos Dândis I” e “Refrão de Bolero”, que ajudaram o álbum a vender mais de 230 mil cópias. A capa de cor amarela de A Revolta dos Dândis inaugurava a “trilogia das cores”, baseada nas cores da bandeira do Rio Grande do Sul, verde, vermelho e amarelo. Os álbuns Ouça O Que Eu Digo, Não Ouça Ninguém (1988) e Várias Variáveis (1993), concluem a trilogia.

A Revolta dos Dândis era sucesso de público, mas alguns setores da crítica teceram duras críticas à banda, chegando a acusa-la de fascista e elitista, ante ao conteúdo filosófico e literário de algumas músicas do disco. Começava aí os embates entre a crítica e a banda que perdurariam por anos. O talento de compositor de Humberto Gessinger era sempre questionado pelos críticos com um certo tom de implicância. Por outro lado, o sucesso de A Revolta dos Dândis elevou os Engenheiros do Hawaii ao primeiro escalão do rock brasileiro, aumentando a popularidade da banda que passou a se apresentar para plateias maiores, sempre com estádios e arenas lotados de legiões de fãs com as letras das canções na ponta da língua.

Faixas

Lado A 
  1. "A Revolta dos Dândis I"     
  2. "Terra de Gigantes"             
  3. "Infinita Highway"                
  4. "Refrão de Bolero"              
  5. "Filmes de Guerra, Canções de Amor" 
Lado B                 
  1. "A Revolta dos Dândis II" 
  2. "Além dos Outdoors"          
  3. "Vozes" 
  4. "Quem Tem Pressa Não Se Interessa"  (Humberto Gessinger - Carlos Maltz)       
  5. "Desde Aquele Dia"                           
  6. "Guardas da Fronteira"  
Todas as canções são de autoria de Humberto Gessinger exceto a indicada.

Engenheiros do Hawaii: Humberto Gessinger (voz, baixo e guitarra 12 cordas ), Augusto Licks (guitarras, violões, harmônica, órgão Hammond e vocais) e Carlos Maltz (bateria, percussão, vocais e voz em “Filmes De Guerra, Canções de Amor”).


Ouça na íntegra o álbum A Revolta dos Dândis

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