10 discos essenciais - Caetano Veloso


Por Sidney Falcão

Com uma carreira tão longeva e uma obra tão vasta e sólida, Caetano Veloso é um dos mais importantes e influentes artistas da história da música popular brasileira. Desde que começou a sua carreira nos anos 1960, Caetano sempre se mostrou sintonizado com o novo, com as mudanças e revoluções nas artes, mas sem abrir mão das tradições culturais que serviram de alicerce para a sua formação como artista.

Caetano Emanuel Vianna Telles Velloso nasceu em 7 de agosto de 1942, em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, quinto filho de sete filhos do casal José Telles Velloso (1901-1983), funcionário público do Departamento de Correios e Telégrafos, e de Claudionor Vianna Telles Velloso (1907-2012), dona de casa, mais conhecida como Dona Canô. Aos cinco anos de idade, Caetano já revelava seu gosto pelas artes, interessando-se por pintura, desenho e música. Gostava de ouvir rádio, especialmente as músicas de Luiz Gonzaga (1912-1989).

Em 1959, já adolescente, Caetano descobre a bossa-nova depois que ouve pela primeira vez a música de João Gilberto (1931-2019), através de um amigo que tinha o disco Chega de Saudade. Caetano muda-se com sua família para Salvador, em 1960, onde irá concluir o ensino colegial (atual ensino médio). Entre 1960 e 1962, Caetano escreveu críticas de cinema para o jornal Diário de Notícias, de Salvador. Nesse mesmo período, aprende a tocar violão e se apresenta em bares da capital baiana com sua irmã, Maria Bethânia. Em 1963, ingressou na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia. Naquele mesmo ano, conheceu Gilberto Gil, Gal Costa e Tom Zé.

Ainda em 1963, a pedido do diretor teatral baiano Álvaro Guimarães (1943-2008), Caetano compõe a trilha sonora para a montagem baiana da peça “O Boca de Ouro”, de Nélson Rodrigues (1912-1980). Juntamente com Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia e Tom Zé, Caetano participa do espetáculo teatral Nós, Por Exemplo, que estreou na inauguração do Teatro Vila Velha, em Salvador, em junho de 1964.

No ano seguinte, em 1965, Caetano abandona a faculdade em Salvador e parte para o Rio de Janeiro para acompanhar a irmã Maria Bethânia, chamada para substituir Nara Leão (1942-1989) no show Opinião. Em meados daquele ano, Caetano gravou o seu primeiro compacto (single) com as canções “Cavaleiro” e “Samba em Paz”, pela RCA Victor. Gal, Tom Zé e Gil, que também haviam deixado Salvador, se juntam a Caetano e encenam em São Paulo o espetáculo Arena Canta Bahia, no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), sob direção de Augusto Boal (1932-2009).

Em 1967, assina contrato com a gravadora Philips, e lança com Gal Costa, o disco Domingo, um trabalho totalmente influenciado pela bossa-nova. Apresenta-se no 3° Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, com a canção “Alegria, Alegria”, que se classificou em quarto lugar.

Caetano começa o agitado ano de 1968 lançando o seu primeiro e autointitulado álbum solo, o da capa psicodélica. O movimento tropicalista ganha força e revoluciona a música brasileira. Caetano se torna uma das grandes lideranças desse movimento de vanguarda ao lado de Gilberto Gil. O disco-manifesto Tropicália Ou Panis Et Circensis, que reúne Caetano, Gil, Gal Costa, Tom Zé, Mutantes, Rogério Duprat e Nara Leão, é lançado e consolida o movimento tropicalista.

No final do ano, Caetano Veloso e Gilberto Gil são presos no Rio de Janeiro, acusados de desrespeito ao hino e à bandeira nacional. São transferidos no começo de 1969 para Salvador, onde permanecem sob regime de confinamento. Em julho daquele ano, Caetano e Gil, juntamente com suas respectivas esposas, deixam o Brasil e partem para o exílio em Londres, na Inglaterra. No mês seguinte, já com Caetano exilado em Londres, foi lançado aqui no Brasil o segundo disco solo do cantor, o autointitulado álbum da capa branca, cujos vocais foram gravados durante o regime de confinamento em Salvador, e a base instrumental complementada em São Paulo.

Durante o período no exílio, Caetano escreveu artigos para o jornal O Pasquim, compôs novas canções que foram gravadas por outros artistas que estavam no Brasil como Gal Costa (“London, London”), Maria Bethânia (“A Tua Presença”), Elis Regina (“Não Tenha Medo”), Erasmo Carlos (“De Noite Na Cama”) e Roberto Carlos (Como Dois E Dois”). Em 1970, Caetano lança na Inglaterra o álbum que leva seu nome através da gravadora Famous.

Após três anos de exílio em Londres, Caetano retorna para Brasil no começo de 1972. Naquele momento, foi lançado Transa, álbum gravado por Caetano em Londres. Durante os três seguintes, Caetano seguiu excursionando e trabalhando como produtor, até que em 1975, lançou ao mesmo tempo dois álbuns, Jóia e Qualquer Coisa. Em 1976, Caetano juntou-se a Gal, Gil e Maria Bethânia e formaram o grupo Doces Bárbaros, que promoveu uma turnê por dez capitais brasileiras e lançou o álbum duplo Doces Bárbaros - Ao Vivo. O álbum Muito (Dentro da Estrela Azulada), de 1977, é o primeiro trabalho que Caetano gravou com A Outra Banda da Terra, banda de apoio que acompanhou o cantor até 1983.

Em 1981, o álbum Outras Palavras vendeu 100 mil cópias e garantiu a Caetano Veloso disco de ouro, o primeiro do artista após quase vinte anos de carreira. O segundo disco de ouro veio no ano seguinte com o álbum Cores, Nomes. Com o álbum Uns, de 1983, Caetano encerrou a parceria com A Outra Banda da Terra, enquanto que com Velô, de 1984, o cantor baiano passou a ser acompanhado pela Banda Nova. Ao longo da década de 1980, Caetano prosseguiu lançando discos, fazendo turnês e conquistando prêmios. Com Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso apresentou, em 1986, o programa de televisão Chico e Caetano, na TV Globo, onde os dois cantavam suas canções e recebiam artistas convidados.

Caetano e Gilberto Gil lançaram em agosto de 1993 o álbum Tropicália 2, em comemoração aos 25 anos do disco-manifesto Tropicália Ou Panis Et Circensis, e aos 50 anos de idade de Caetano e Gil (completados em 1992), e aos 30 anos de amizade entre os dois. Em 1997, Caetano lançou o livro de memórias Verdade Tropical. No ano seguinte, em 1998, a versão de Caetano para “Sozinho”, antigo sucesso do cantor Peninha, foi uma das canções mais tocadas do ano no Brasil, levando o álbum Prenda Minha (1998), do qual a versão do cantor baiano faz parte, a vender mais de 1 milhão de cópias. O álbum Livro (1998) conquistou em 2000 o prêmio Grammy de “Melhor Álbum de World Music”. Caetano fez em 2001 uma participação especial no filme Fale Com Ela, de Pedro Almodóvar, cantando a canção “Cucurrucucú Paloma”. Em 2003, se apresentou na cerimônia do Oscar cantando com a cantora e atriz mexicana Lila Dows a canção “Burn It Blue”, da trilha sonora do filme Frida, de 2002. Ainda em 2003, Caetano ganha o Grammy Latino na categoria de “Melhor Álbum de MPB”, pelo álbum Eu Não Peço Desculpas, gravado em parceria com Jorge Mautner.

Com álbum , de 2006, Caetano surpreende o público e a crítica ao lançar um álbum de rock, gravado com a Banda Cê, formada por músicos jovens, e abre uma trilogia de álbuns que se completa com os discos Zii E Zie(2009) e Abraçaço (2012). Em 2016, Caetano participa da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, cantando “Isso Aqui, O Que É”, com Gilberto Gil e Anitta. Dois anos depois, em 2018, lança o álbum Ofertório/Ao Vivo, ao lado dos filhos Moreno Veloso (filho do primeiro casamento de Caetano com Dedé Veloso), Zeca Veloso e Tom Veloso (filhos do segundo casamento de Caetano com Paula Lavigne). O cantor lançou em 2021, Meu Coco, o primeiro álbum de inéditas de Caetano após nove anos.

Abaixo, confira dez discos essenciais para se entender a obra de Caetano Veloso.

Caetano Veloso (Philips, 1968). Após o calmo e bossa-novístico Domingo, de 1967, gravado em dueto com Gal Costa, Caetano Veloso lançava o seu primeiro e autointitulado álbum solo. Com capa psicodélica ilustrada pelo artista gráfico baiano, Rogério Duarte (1939-2016), o álbum traz canções que se tornaram legendárias: “Tropicália” e o seu “mosaico” de referências de ícones da cultura brasileira (Carmem Miranda, Jovem Guarda, “Garota de Ipanema”, “Iracema”), “Soy Loco Por Ti America” (uma ode a Che Guevara) e a canção que revelou Caetano Veloso, “Alegra, Alegria”, uma mistura da tradição da marcha rancho com a vanguarda do rock psicodélico. Os versos carregam símbolos da cultura de massa como Coca-Cola, Brigitte Bardot, televisão, revistas e o telefone.


Caetano Veloso (Philips, 1969). Também conhecido como “álbum branco”, o segundo álbum de Caetano Veloso foi gravado quando ele estava em prisão domiciliar em Salvador com Gilberto Gil pelo regime ditatorial militar. Todas as faixas foram gravadas com Caetano acompanhado por Gil ao violão. As fitas foram enviadas para São Paulo, onde os outros instrumentos foram inseridos nas gravações. Quando o álbum foi lançado, Caetano já estava exilado em Londres. Assim como o álbum anterior, o “álbum branco” de Caetano é marcado pelo ecletismo: vai do frevo elétrico de “Atrás Do Trio Elétrico” ao experimentalismo anticomercial de “Acrílico”, do folclore baiano de “Marinheiro Só” ao pop lisérgico tropicalista de “Não Identificado”, e da melancolia de “Irene” à latinidade de “Cambalache”. 


Transa (Philips, 1972). Gravado em Londres, ainda no período de exílio de Caetano Veloso na Inglaterra, Transa foi lançado quando o cantor estava retornando em definitivo ao Brasil após três anos morando como exilado na capital inglesa por causa da ditadura militar. Transa expôs a saudade, a nostalgia de Caetano em relação ao seu país enquanto estava no exílio, mas sem o tom melancólico do álbum anterior. O álbum foi gravado ao vivo dentro do estúdio e traz canções que transitam entre o samba, a bossa-nova, baião, rock'n'roll e cancioneiro nordestino, em arranjos minimalistas e experimentais. Transa traz canções marcantes como "You Don't Know Me" (dueto com Gal Costa), "Nine Out Of Ten" (primeira música brasileira a incorporar elementos do reggae), "Triste Bahia" (com versos de Gregório de Mattos) e "Mora Na Filosofia".


Qualquer Coisa (Philips, 1975). Após o álbum Transa, Caetano ficou três anos sem lançar álbuns com canções inéditas. Mas esse intervalo de tempo foi suficiente para o cantor acumular um farto material inédito. Caetano pensou em lançar um álbum duplo, mas acabou optando pelo lançamento simultâneo de dois álbuns simples, Jóia e Qualquer Coisa, em 1975. Dos dois álbuns, Qualquer Coisa teve mais popularidade. Com uma capa que emula a capa do álbum Let It Be, dos Beatles, Qualquer Coisa traz um repertório composto por releituras de canções famosas de outros artistas como Beatles (“Eleanor Rigby”, “For No One”, “Lady Madonna”), Jorge Ben (“Jorge da Capadócia”) e Chico Buarque (“Samba e Amor”). Das canções de Caetano, a faixa-título é a mais conhecida.


Bicho (Philips, 1977). Quando foi ao Festival Mundial de Arte e Cultura Negra, em Lagos, na Nigéria, com Gilberto Gil, em 1977, Caetano Veloso teve contato com o que havia de mais contemporâneo na música pop africana. Embora o contato não tenha sido tão impactante como fora com Gil ( que resultou no ótimo disco Refavela), Caetano absorveu alguma referência do que viu lá e empregou no álbum Bicho. O álbum contém canções que se tornaram célebres na carreira do cantor como a longa “Odara”, “Gente”, “O Índio”, “Tigresa” e “O Leãozinho” (dedicada a Dadi Carvalho, baixista da banda A Cor do Som). Apesar das canções hoje famosas, o disco foi criticado pela imprensa musical, principalmente as faixas “Odara” e “O Leãozinho”. Era a consequência dos embates que Caetano e imprensa vinham travando desde 1976.


Muito (Dentro da Estrela Azulada) (Philips, 1978). Os confrontos e troca de farpas entre Caetano e imprensa prosseguiram durante o ano de 1978, quando o cantor baiano lançou Muito (Dentro da Estrela Azulada). A crítica musical foi implacável, execrou o disco. Não poupou nem mesmo a capa do disco, em que aparece Caetano acompanhado de sua mãe. Caetano por sua vez, respondia às críticas da imprensa nos shows, transformando os palcos em tribunais. Embora tenha sido um fracasso em vendas – talvez por força da troca de farpas entre o artista e a imprensa – Muito foi conquistando o seu reconhecimento ao longo do tempo, afinal, como ignorar um disco que contém canções como “Sampa” e “Terra”? 


Cinema Transcendental (Philips, 1979). Álbum recheado de canções que se tornaram grandes sucessos e que foram ao longo do tempo regravadas pelos mais diversos artistas. “Menino do Rio” é uma canção inspirada no jovem surfista carioca Petit (1957-1989) e composta por Caetano sob encomenda para Baby Consuelo, que gravou a canção e foi incluída na trilha sonora da novela Água Viva, da TV Globo, em 1980, e se tornou um grande sucesso. Caetano gravou pouco depois, chegou a ter alguma repercussão, porém sem a mesma dimensão da versão de Consuelo. Em “Trilhos Urbanos”, Caetano rememora seus tempos de infância em Santo Amaro da Purificação, sua cidade natal. O baião “Cajuína” é um tributo ao poeta tropicalista Torquato Neto (1944-1972). Uma gíria dos negros soteropolitanos virou título da canção “Beleza Pura”, composta e gravada por Caetano, mas que alcançou grande sucesso nas paradas de rádio com a versão da banda A Cor do Som, ainda em 1979, e que três décadas depois, foi regravada pelo Skank. Vale destacar ainda “Lua de São Jorge” e a linda “Oração Ao Tempo”.


Velô (Philips, 1984). A parceria de Caetano Veloso e a Outra Banda da Terra havia chegado ao fim em 1983 com o álbum Uns, após seis anos de trabalhos juntos. O álbum Velô foi o primeiro disco de Caetano com uma nova banda de apoio, a Banda Nova. É perceptível neste trabalho uma inclinação de Caetano para o pop rock, provavelmente motivado pelo novo momento que o rock brasileiro vivenciava na década de 1980. “Podres Poderes” traz um Caetano expressando a sua indignação contra as lideranças políticas e à indiferença de uma parcela da sociedade à cruel realidade social do Brasil. O cantor mostra toda a sua alma de poeta em “O Quereres” e “Língua”, esta última com a participação especial da cantora Elza Soares (1930-2022). Na balada pop “Shy Moon”, Caetano faz dueto com o rock star inglês radicado no Brasil, Ritchie.


Tropicália 2 (Philips, 1993), Caetano Veloso e Gilberto Gil. Para celebrar os 50 anos de idade que ambos completaram em 1992, os 30 anos de amizade e os 25 anos do disco Tropicália Ou Panis Et Circensis, em 1993, Caetano Veloso e Gilberto Gil gravaram Tropicália 2. O caldeirão tropicalista foi atualizado ao trazer referências da música eletrônica, rap e axé music. O rap e a MPB se encontram em “Haiti”, uma crítica ao racismo dissimulado da sociedade brasileira. Caetano e Gil prestam uma linda homenagem ao samba em “Desde Que O Samba É Samba”. A dupla tropicalista revisita a obra do sambista baiano Riachão (1921-2020) em “Cada Macaco No Seu Galho”.


(Universal Music, 2006). Após uma longa sequência de discos em que trafegou entre a MPB, música baiana e ritmos afro-latinos, eis que Caetano, aos 64 anos, surpreendeu o público e a crítica com um disco de rock, . Gravado com a Banda Cê, um power trio formado por músicos jovens, é um disco com uma sonoridade crua, minimalista e sintonizado com o que se fazia de contemporâneo no rock mundial na época. Tematicamente, boa parte das canções foram influenciadas pelo fim do casamento de Caetano com a atriz e produtora Paula Lavigne, como “Rocks”, “Odeio” e a bonita “Não Me Arrependo”. “Musa Híbrida” é dedicada à modelo Ilde Silva, com quem Caetano teria vivido um breve romance após o fim do seu casamento com Paula Lavigne. Na faixa “Homem”, Caetano diz que inveja a “longevidade e os orgasmos múltiplos” das mulheres.


Referências:

Caetano - uma biografia : a vida de Caetano Veloso, o mais doce bárbaro dos trópicos, Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco – 2017, Editora Seoman, São Paulo, Brasil.

caetanoveloso.com.br

wikipedia.org








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