“Ed Motta & Conexão Japeri” (Warner, 1988), Ed Motta & Conexão Japeri


Por Sidney Falcão

No final dos anos 1980, o rock brasileiro ainda tinha fôlego e presença frequente nas paradas radiofônicas do Brasil. Mas eis que em 1988, um vozeirão de um garoto de 17 anos de idade, cheio de swing funk/soul, começa a despontar nas paradas de sucesso em meio a tantas bandas de rock, cantando que um tal de “Manuel foi pro céu”. Era Ed Motta & Conexão Japeri, uma banda carioca liderada por um garoto adolescente gordinho e marrento, cantando funk e soul como um veterano. O talento e a personalidade forte já estavam no seu “DNA musical”: Ed Motta, o vocalista, era sobrinho de Tim Maia (1942-1998), o soulman maior da música brasileira. Sua mãe, Luzia Motta, era irmã de Tim Maia.

Desde a infância, Ed Motta já revelava a sua veia musical e um fascínio pela música negra americana. Ainda criança, nos anos 1970, ouvia discos de soul music, funk, disco music e rock. Na adolescência, iniciou a carreira artística como vocalista de uma banda de hard rock, no Rio de Janeiro, a Kabbalah. Por volta de 1986, aos 15 anos, Ed Motta e o guitarrista Luiz Fernando Comprido formaram a banda Expresso Realengo, que pouco depois é renomeada para Conexão Japeri.

Tio famoso: Ed Motta é sobrinho do cantor Tim Maia (foto),
pioneiro da soul music no Brasil.

Contando com Ed Motta (vocal), Luiz Fernando Comprido (guitarra), Bombom (baixo), Fábio Fonseca (teclados), Fran Bouéres (percussão) e Marcelo Pereira (bateria), a Conexão Japeri se tornou sensação no circuito musical carioca com seu som funk bastante azeitado e pelo talento sensacional de seu vocalista, um garoto ainda de menor que cantava como gente grande, e ainda tinha como “bônus” o fato de ser sobrinho de cantor famoso.

Em 1988, a banda assinou contrato com a Warner, que no mesmo ano lançou o primeiro e homônimo álbum da banda, Ed Motta & Conexão Japeri. Com nove faixas, o álbum mostra um incrível entrosamento entre os músicos da banda, bem como uma maturidade musical fora do comum para alguém tão jovem como era Ed Motta na época. Para se ter uma ideia, enquanto Ed Motta tinha apenas 17 anos, seus companheiros de banda tinham em média 25 anos. O fato dos músicos já terem experiência, como o excelente baixista Bombom, só valorizou o talento vocal do jovem Ed Motta. E o resultado foi um álbum muito bem-acabado, seja na execução das faixas, seja na produção, sob o comando de Vitor Farias, de João Barone (baterista dos Paralamas do Sucesso) e do próprio Ed Motta. A presença de Ed Motta na produção do álbum, já revelava que desde muito jovem, ele se mostrava um artista preocupado com a qualidade das gravações, uma postura que ele levaria para a vida adulta.

O álbum começa em grande estilo com a faixa “Manuel”, um funk sobre um sujeito que tinha uma vida dura: acordava para pegar um trem lotado e seguir para o trabalho em troca de um salário de fome. A redenção do pobre coitado era os bailes de fim de semana que ele frequentava para dançar ao som de muito funk. O refrão dá a entender que o protagonista da letra da música havia morrido.

Ed Motta e a Conexão Japeri mantêm o ritmo em alto nível com a faixa seguinte, “Vamos Dançar”, outro grande hit do álbum. Com uma letra que prega a liberdade de viver e que a vida é muito mais do que trabalhar para ganhar dinheiro, “Vamos Dançar” é um funk que possui uma linha de baixo fantástica, executada por Bombom, cujo som mais parece um rolo compressor desgovernado passando por cima de tudo que encontra pela frente. É uma música que envelheceu muitíssimo bem e que ainda é capaz de encher a pista de qualquer baile.

Na sequência “Lady”, que conta ao fundo com som de sintetizador bem característico dos eletro-funks dos anos 1980. “Seis da Tarde” é uma balada romântica dotada de erotismo nos seus versos. O apelo sexual segue na próxima faixa, “Um Love”, em que o eu lírico imagina encontrar a sua amada num lugar deserto para fazer amor. A música encerra o lado A da versão LP do álbum com um sensacional naipe de metais.

Ed Motta no programa Milk Shake, da TV Manchete, em 1988.

O lado B começa com “Baixo Rio”, balada romântica que também foi um grande hit de Ed Motta & Conexão Japeri. A música trata sobre solidão, e nela, o eu lírico vaga pela cidade de madrugada e encontra outras pessoas que, assim como ele, também está na sua mesma condição de solitário.

A trajetória da vida e os percalços que o indivíduo têm que superar são abordados em “Caminhos (Não É Só Meu)”. No entanto, a canção parece sugerir que os obstáculos presentes nos tais caminhos devem ser trilhados e superados ao lado de alguém que se divide uma vida a dois.

“Parada de Lucas” é um funk alegre e dançante sobre o bairro que dá nome à música, localizado na zona norte do Rio de Janeiro. Na letra, Ed diz que vai para aquele lugar para dançar e curtir um som. Um dos versos cita o nome de uma suposta banda, Para-choques do Progresso, o que parece ser um trocadilho bem-humorado Ed Motta com a banda os Paralamas do Sucesso.

Encerrando o álbum, a faixa “A Rua”, um misto de funk e disco music que celebra a cultura de rua. É a única faixa gravada ao vivo presente no álbum. Os músicos da Conexão Japeri mostram que além de estúdio, eram muito bem entrosados ao vivo. Ed Motta faz uma performance de alto nível e segura, muito surpreendente para um artista tão jovem na época.

Ed Motta & Conexão Japeri, o álbum, foi um grande sucesso comercial, numa época em que o que estava em voga no Brasil ainda era o rock. O disco catapultou Ed Motta para o estrelato. É verdade que o grau de parentesco de Ed com Tim Maia ajudou a dar visibilidade à banda, mas isso só não basta. A qualidade dos músicos da banda e o talento fora do comum para o então adolescente Ed Motta, contribuíram bastante para o sucesso deles. “Manuel”, “Vamos Dançar” e “Baixo Rio” estouraram, tocaram bastante nas rádios.

Dois anos depois, em 1990, Ed Motta desligou-se da Conexão Japeri, e deu início à sua carreira solo com o álbum Um Contrato com Deus, que contou com a participação de seu ex-companheiro de banda, o baixista Bombom. Um Contrato com Deus não repetiu o mesmo êxito comercial de Ed Motta & Conexão Japeri, porém apresentou um Ed Motta mais preocupado com o valor artístico do que com a quantidade de discos que poderia vender, uma filosofia de vida artística que nortearia o cantor ao longo de sua carreira.

Faixas

Lado A

  1. "Manuel" (Fábio Fonseca - Marcia Serejo)   
  2. "Vamos Dançar"  (Ed Motta - Rafael Cardoso)
  3. "Lady" (Ed Motta - Fábio Fonseca - Matilda Kovac - Eduardo Pálpebras)
  4. "Seis da Tarde" (Ed Motta - Rafael Cardoso - Fran Bouerés)
  5. "Um Love" (Ed Motta - Fábio Fonseca – Bombom)
Lado B

  1. "Baixo Rio" (Ed Motta - Luiz Fernando - Fábio Fonseca - Marcelo Mansur)           
  2. "Caminhos (Não é só o meu)" (Ed Motta - Fran Bouerés)   
  3. "Parada de Lucas"  (Fábio Fonseca)  
  4. "A Rua"  (Ed Motta - Rafael Cardoso)

Ed Motta & Conexão Japeri: Ed Motta (vocal), Luiz Fernando Comprido (guitarra), Bombom (baixo), Fábio Fonseca (teclados), Fran Bouéres (percussão) e Marcelo Pereira (bateria).


"Manuel"

"Vamos Dançar"

"Lady"

"Seis da Tarde"

"Um Love"

"Baixo Rio"   

"Caminhos (Não é só o meu)"

"Parada de Lucas"

"A Rua" 

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