“Super Fly” (Curtom Records, 1972), Curtis Mayfield



Por Sidney Falcão

Curtis Mayfield iniciou a carreira artística ainda na adolescência, em 1958, quando aos 16 anos, ingressou no grupo vocal de doo-wop The Impressions, sediado em Chicago, no estado de Illinois, nos Estados Unidos. O grupo The Impressions fez parte de uma geração de artistas americanos que ajudaram a moldar a chamada Chicago soul, uma vertente da soul music que surgiu na primeira metade dos anos 1960.

Por volta de 1970, Curtis Mayfield deixou os Impressions e iniciou a sua carreira solo. No mesmo ano, lançou o seu primeiro álbum solo, o elogiado Curtis. Nesse seu primeiro trabalho solo, Mayfield já tratava de temas que se tornariam recorrentes nos seus álbuns posteriores como racismo e desigualdade social, fazendo dele, um artista pioneiro na soul music a fazer esse tipo de abordagem, antes mesmo de Marvin Gaye e Stevie Wonder. Além da temática, o disco apresenta uma sonoridade majestosa, outro elemento que caracterizaria os trabalhos de Mayfield, marcado por arranjos de cordas e de metais muito bem elaborados, guitarras cheias de efeitos e linhas de baixo robustas. E para completar, a voz em falsete de Curtis Mayfield, uma marca registrada do artista.  

Com a carreira em ascensão e produtiva, Curtis Mayfield lançou em 1971 dois álbuns. Em maio de 1971, lançou Curtis / Live!, álbum duplo gravado ao vivo, e Roots, desta vez um álbum de estúdio com faixas até então inéditas.

A consagração de Curtis Mayfield veio em 1972, com o álbum Super Fly, uma trilha sonora elaborada por Mayfield para o filme homônimo de blaxploitation, dirigido por Gordon Parks Jr. (1934-1979) e estrelado por Ron O’Neal (1937-2004). Para quem não sabe, blaxploitation foi um movimento cinematográfico americano que ocorreu no começo dos anos 1970, onde os filmes eram produzidos e protagonizados por negros, e que tinham como público-alvo os negros americanos. A expressão blaxploitation é conjunção dos nomes “black” (“negro”) e “explotaition” (“exploração”). O termo “blax” é uma corruptela de “black”.

Os atores Ron O'Neal e Carl Lee, numa cena do filme Super Fly.

O filme trata sobre um grande traficante de cocaína em Nova York que tenta sair do ramo do negócio de drogas. As canções são baseadas nos personagens do filme e retratam o submundo do crime da Nova York do início dos anos 1970. Por outro lado, a crítica especializada da época entendeu que o filme de Parks Jr. e a trilha sonora de Mayfield caminhavam em sentidos diferentes. Enquanto o filme seguia por um sentindo um tanto quanto ambíguo a respeito do tráfico de drogas, as canções da trilha sonora elaborada por Mayfield se mostravam bastante críticas, assumindo claramente um posicionamento antidrogas. E não apenas isso, o repertório do disco assumia uma posição da valorização do negro, o que na prática, não era uma novidade na arte de Mayfield. Era uma bandeira de luta que ele já defendia desde o seu primeiro álbum solo, lançado em 1970.

O disco abre com “Little Child Runnin' Wild”, uma canção sobre a infância pobre e difícil num ambiente familiar problemático. A música possui um casamento perfeito entre percussão com inspiração latina e o órgão Hammond. “Pusherman” provavelmente faz referência ao chefão do tráfico no filme, Youngblood Priest, que se mostra “amigo” e disposto a atender os desejos da clientela viciada: “I'm your mamma, I'm your daddy / I'm that nigga in the alley / I'm your doctor, when in need / Want some coke, have some weed” (“Eu sou sua mãe, eu sou seu pai / Eu sou aquele mano no beco / Eu sou seu médico, quando precisar / Quer um pouco de coca, tome um pouco de maconha”).

“Freddie's Dead” tem um arranjo primoroso, com guitarra cheia de efeitos de wah-wah, uma linha de baixo robusta e uma orquestração fazendo um plano de fundo fantástico. A letra de “Freddie's Dead” é sobre Freddie, personagem do filme que morre atropelado por um carro. Na sequência vem “Junkie Chase”, faixa instrumental sensacional composta para as cenas mais tensas do filme. O álbum dá uma pausa em temas densos e amargos para falar de coisas mais amenas como “Give Me Your Love (Love Song)”, uma balada com versos cheios de juras de amor tão comuns em canções românticas.

“Eddie You Should Know Better” é uma canção sobre Eddie, personagem que é um traficante de drogas no filme Super Fly, e que trabalha para Youngblood Priest, o poderoso traficante que comanda o tráfico de drogas no Harlem. A letra de “Eddie You Should Know Better” é como um conjunto de conselhos em forma de versos a Eddie, para que ele deixe a vida marginal e perigosa.

A faixa “No Thing On Me (Cocaine Song)” é uma clara e evidente mensagem antidrogas em forma de canção, mas sem, no entanto, cair no discurso panfletário. A base instrumental é contagiante, alegre, e guarda um clima de esperança. Em seguida, vem a linda faixa instrumental “Think”. O álbum chega ao fim com a faixa-título, um funk elegante, suave e com um balanço rítmico bastante envolvente.

O cantor e compositor Curtis Mayfield, em apresentação nos anos 1970.

Super Fly alcançou o 1° lugar da parada de álbuns de R&B da Billboard, nos Estados Unidos. O álbum gerou dois singles, “Freddie's Dead” (2° lugar na parada de singles de R&B da Billboard), e “Super Fly” (4° lugar na parada de singles de soul music da Billboard).

O sucesso alcançado com Super Fly fez Mayfield ser convidado para compor e gravar trilhas sonoras de filmes durante a década de 1970. Ao longo do tempo, Super Fly se tornou um dos álbuns mais influentes da soul music. Vários artistas samplearam faixas de Super Fly como por exemplo “Freddie’s Dead” (sampleada pelos Racionais MC’s em “Mano Na Porta Do Bar”), “Pusherman” (sampleada por Ice-T em “I’m Your Pusher”) e a faixa-título (sampleada pelos Beastie Boys em “Eggman”).

Apesar do talento, da criatividade e do cuidado com que desenvolvia os seus trabalhos, Curtis Mayfield não alcançou o mesmo nível de popularidade de Marvin Gaye ou Stevie Wonder.

Lamentavelmente, os últimos nove anos de vida foram cruéis com Mayfield. Em 1990, o cantor sofreu um gravíssimo acidente durante uma apresentação em Nova York, quando um poste de luz caiu sobre ele no palco e que o deixou tetraplégico. Oito anos depois, teve a perna direita amputada por causa da diabetes. Curtis Mayfield faleceu em dezembro de 1999, aos 57 anos, por complicações da diabetes.

Faixas

Todas as músicas foram escritas e compostas por Curtis Mayfield .

Lado 1

1."Little Child Runnin' Wild" 

2."Pusherman"         

3."Freddie's Dead"    

4."Junkie Chase" (instrumental)      

Lado 2

5."Give Me Your Love (Love Song)" 

6."Eddie You Should Know Better"

7."No Thing on Me (Cocaine Song)" 

8."Think" (instrumental)      

9."Superfly"

 

Referências:

Revista Bizz – Edição 138 – janeiro/1997, Editora Azul.

wikipedia.org

 

"Little Child Runnin' Wild"

"Pusherman"

"Freddie's Dead"

"Junkie Chase"

"Give Me Your Love (Love Song)"

"Eddie You Should Know Better"

"No Thing on Me (Cocaine Song)"

"Think"

"Superfly"

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