“Cavalo de Pau” (Ariola, 1982), Alceu Valença




Por Sidney Falcão

O relacionamento de Alceu Valença com as gravadoras não era dos melhores no final dos anos 1970. Após vários desentendimentos com elas e sem perspectivas para a sua carreira aqui no Brasil, Alceu partiu para um autoexílio na França, em 1979, numa tentativa, quem sabe, de encontrar por lá uma melhor sorte para a sua música. Contudo, depois de um ano em terras francesas, a saudade bateu e a vontade de retornar para o Brasil falou mais alto. Movido por esse sentimento, Alceu chegou até a compor em Paris uma canção que se tornaria famosa mais tarde: “Coração Bobo”.

Em 1980, Alceu Valença já estava de volta ao Brasil, e sem perder tempo, inscreveu a canção “Coração Bobo” num festival de música que a TV Tupi estava promovendo. Ele participou do festival com essa música fazendo dueto com Jackson do Pandeiro (1919-1982), porém, não foram muito longe, logo estavam eliminados.

Apesar da eliminação, aquela canção chamou a atenção do produtor Marco Mazola, que naquele momento, estava montando o elenco de artistas da Ariola, gravadora alemã que estava se instalando no Brasil. Alceu foi convidado pelo produtor, e assinou contrato com aquela gravadora. Naquele mesmo ano gravou e lançou o álbum Coração Bobo, cuja faixa-título foi o primeiro grande sucesso de massa do cantor pernambucano. O álbum chegou à marca de 450 mil cópias vendidas.

O sucesso do álbum rendeu a Alceu um convite para participar do especial infantil da TV Globo, Arca de Noé, em homenagem ao poeta Vinícius de Moraes (1913-1980), onde o pernambucano cantou a música “A Foca”. Em 1981, sai Cinco Sentidos, que emplacou apenas uma música, “Cabelo no Pente”. O álbum vendeu modestas 150 mil cópias, bem menos que o álbum anterior. Estaria Alceu errando a mão? Teria perdido o caminho aberto com Coração Bobo?

De jeito nenhum. Na verdade, o melhor de Alceu estava por vir. E veio em julho de 1982, na garupa do seu Cavalo de Pau, oitavo álbum de estúdio do cantor e compositor pernambucano. O álbum manteve a receita musical que Alceu já vinha desenvolvendo nos trabalhos anteriores, ao fundir a tradição da cultura nordestina (forró, baião, maracatu, xote, poesia de cordel e embolada) com as referências musicais contemporâneas (rock, pop e reggae). Com esse caldeirão musical somado ao carisma de Alceu e a canções tão cativantes, inteligentes e de apelo popular, Cavalo de Pau agradou em cheio o público e a crítica.

No entanto, o álbum tinha tudo para dar errado. A ideia concebida por Alceu é a de que o álbum teria apenas oito faixas. O departamento de marketing da Ariola discordava, achava que com oito, o álbum não venderia nada e sugeriu que aumentasse para doze ou catorze faixas. Provavelmente, a Ariola temia que com a ideia das oito faixas defendidas por Alceu, o novo álbum pudesse ter vendas tão baixas ou menores que as de Cinco Sentidos, que tinha nove canções. Coração Bobo vendeu 450 mil cópias com as suas onze faixas. Talvez por essas razões, a gravadora se sentisse com mais propriedade nos argumentos para insistir no aumento da quantidade de faixas. Mas nada disso parecia intimidar o pernambucano de São Bento do Uma: ele insistiu nas oito faixas, e sua vontade foi atendida.

Alceu Valença e Jackson do Pandeiro participaram juntos do
Festival da TV Tupi, em 1980, com a música "Coração Bobo".

Cavalo de Pau começa com “Rima Com Rima”, música em que Alceu faz um interessante jogo de palavras, onde se revela a influência da literatura de cordel e da embolada. O canto de Alceu é bem inspirado nos cantadores de feira do interior do Nordeste.

A faixa seguinte é a música da vida de Alceu Valença: “Tropicana”. Popularmente conhecida como “Morena Tropicana”, a música é uma deliciosa fusão de xote com reggae. “Tropicana” exala em seus versos sensualidade e erotismo, em que há um jogo de associações entre as frutas tropicais tão populares no Nordeste com os atributos do corpo da linda morena cantada por Alceu: a jaboticaba com os olhos; a poupa do caju com a pele macia da morena; o umbu-cajá é o beijo travoso (amargo) da moça, mas a saliva é doce como o mel de uruçu, um tipo de abelha comum nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.

Se “Tropicana” é sensual e erótica, “Como Dois Animais” vai mais além: é sexo puro, instintivo, animal. Não fosse a sutileza poética, seria quase pornográfica. Em “Como Dois Animais”, como o próprio título sugere, o sexo é tratado como instinto animal, desprovido de qualquer conexão com o romantismo: “Meu olhar vagabundo / De cachorro vadio / Olhava a pintada / E ela estava no cio / E era um cão vagabundo / E uma onça pintada / Se amando na praça / Como os animais...”
O lado A do álbum em sua versão LP, começa com o baião “Pelas Ruas Que Andei”, onde Alceu sai pelas ruas do Recife à procura de alguém. Algumas das ruas da capital pernambucana são citadas na letra da canção. Em “Martelo Alagoano”, Alceu presta uma homenagem a poetas populares e cantadores do Nordeste, citando os nomes de alguns deles nos versos.

Mágoa é um tema abordado de maneira intensa e profunda em “Lava Mágoa”. Porém, o ritmo descontraído da música contrasta com a profundidade dos versos. “Cavalo de Pau” é outro grande sucesso da carreira de Alceu Valença, um xote lento com uma performance vocal em que Alceu alterna o tom de sua voz.

O álbum termina com o ritmo alegre e festivo do maracatu com a faixa que dá nome ao folguedo popular pernambucano. A música é uma parceria de Alceu Valença com o poeta pernambucano Ascenso Ferreira. O maracatu ganhou uma maior difusão no resto do Brasil e um caráter mais pop através do movimento manguebeat, nos anos 1990, sobretudo por Chico Science & Nação Zumbi.

Ao contrário do que a gravadora temia, Cavalo de Pau superou todas as expectativas. Das oito faixas do álbum, quatro se tornaram sucesso nas rádios brasileiras”: Tropicana”, “Como Dois Animais”, “Pelas Ruas Que Andei” e “Cavalo de Pau”. Mas o maior sucesso do álbum foi “Tropicana”, que teve execução exaustiva nas emissoras de rádio de norte a sul do Brasil. O álbum bateu a marca de 1 milhão de cópias vendidas e elevou Alceu Valença a astro da MPB. Seus shows passaram a atrair um público muito maior do que antes, lotando ginásios e arenas.

No rastro do sucesso de Cavalo de Pau, vieram na sequência álbuns que fazem parte desse momento de auge na carreira de Alceu como Anjo Avesso (1983) - que traz outro megassucesso do cantor, “Anunciação” – e Mágico (1984). Em 1985, ele se apresentou na primeira edição do Rock in Rio, no Rio de Janeiro.

Faixas
Todas as faixas são de autoria de Alceu Valença, exceto onde indicado.

Lado A
"Rima Com Rima"                  
"Tropicana (Morena Tropicana)" Alceu Valença, Vicente Barreto  
"Como Dois Animais"              
"Pelas Ruas Que Andei" Alceu Valença, Vicente Barreto

Lado B
"Martelo Alagoano"             
"Lava Mágoas" Alceu Valença, Dominguinhos         
"Cavalo de Pau"           
"Maracatu" Alceu Valença, Ascenso Ferreira

Os 100 Melhores CD’s da MPB – Um guia para ficar por dentro do melhor da nossa música popular – André Domingues, 2004, Sá Editora
alceuvalenca.com.br
wikipedia


"Rima Com Rima"


 
"Tropicana (Morena Tropicana)"

 
"Como Dois Animais"

 
"Pelas Ruas Que Andei"

 
"Martelo Alagoano"

 
"Lava Mágoas"

 
"Cavalo de Pau"

"Maracatu"

"Tropicana (Morena Tropicana)" 
(videoclipe para o "Fantástico" 
TV Globo, 1982)

"Como Dois Animais" (participação de
Alceu Valença no programa
 "Geração 80" TV Globo, 1982)




Comentários