“Fullgás” (Polygram, 1984), Marina Lima


Marina Lima começou a carreira artística em meados dos anos 1970 como compositora. Em 1977, teve uma de suas canções, “Meu Doce Amor”, gravada por Gal Costa para seu álbum Caras & Bocas. Naquele mesmo ano, Marina assinou contrato com a gravadora Warner, que estava se instalando no Brasil. Porém, só veio lançar o seu primeiro álbum, Simples Como Fogo, em 1979, e no qual já firmara parceria com o seu irmão, o poeta Antônio Cícero, nas composições, parceria essa que se tornaria frequente em toda a sua carreira.

No momento em que lançava o seu disco de estreia, Marina estava integrando uma nova geração de cantoras que despontava naquele ano de 1979 na música brasileira, e da qual se destacaram também Ângela Ro Ro, Zizi Possi, Joanna, dentre outras. Marina ainda usava apenas o seu nome de batismo. Só viria a fazer uso do seu sobrenome, Lima, somente a partir do começo dos anos 1990.

Em 1980, trocou de gravadora, deixou a Warner e foi para Ariola, através da qual lançou naquele ano o seu segundo disco, Olho Felizes, que trouxe o primeiro grande sucesso da carreira de Marina, “Nosso Estranho Amor”, canção em que ela faz dueto com Caetano Veloso. Seguem-se mais dois álbuns pela Ariola, Certos Acordes (1981) e ...Desta Vida, Desta Arte...(1982), ambos, assim como os dois primeiros álbuns, com modesta repercussão perante o público e a crítica.

Marina Lima no final dos anos 1970: início de carreira como cantora. 

A grande virada na carreira de Marina acontece quando ela deixa a Ariola em 1983 e assina com a gravadora Polygram. Pela nova companhia, Marina lança em 1984 o seu quinto álbum, Fullgás, trabalho que se tornou um divisor de águas na carreira da cantora e que moldaria o seu estilo musical, influenciado os seus discos posteriores.

Se nos quatro primeiros discos, o trabalho musical de Marina era muito amparado na MPB, com algumas “pinceladas” de música pop, em Fullgás a cantora assume completamente a sua vocação para música pop e o rock. Fullgás é um álbum pop por excelência, e mostra a música de Marina mais contemporânea, dançante e elegante, características que se tornariam uma marca do trabalho dela a partir de então. Essa orientação pop de Fullgás contou com o apoio de figuras importantes como Lulu Santos e Lobão, além do músico e produtor Liminha, dos tecladistas Ricardo Cirstaldi e Niko Rezende. A produção ficou a cargo de João Augusto.

Lobão em 1984, quando integrava a banda Lobão & Os Ronaldos: amizade e parceria com Marina Lima.

O que diferenciou Fullgás dos álbuns anteriores foi o emprego dos sintetizadores e baterias digitais programadas, que deram ao álbum um caráter pop contemporâneo, fazendo Marina flertar com o synthpop e a new wave.

A faixa que dá nome ao álbum é quem abre o disco, e é identificado pelos críticos musicais brasileiros como o que se poderia chamar de um exemplo de pop perfeito. “Fullgás”, a música, tem no seu título - e que também nomeia o álbum - um trocadilho de palavra em português “fugaz” (algo breve, rápido, efêmero) com a expressão em inglês “full gas” (“a todo vapor”). A música é um pop moderno e dançante, traz na sua base rítmica o emprego de uma bateria digital programada, a Oberheim DMX, a cargo de Liminha, músico e produtor.

“Pé na Tábua”, a faixa seguinte, é uma versão em português feita por Antônio Cícero para “Ordinary Pain”, canção de Stevie Wonder e gravada originalmente por ele no seu álbum Songs In The Key Of Life, de 1976. Pop romântico, “Pé na Tábua” conta com Lobão, velho amigo de Marina, nos vocais de fundo. Lobão havia sido baterista da banda de Marina por volta de 1981, quando também exercia essa mesma função na banda Blitz.

"Ordinary Pain", canção de Stevie Wonder, ganhou uma versão em português gravada por Marina para o álbum Fullgás.

As idas e vindas de um amor são o tema de “Pra Sempre E Mais Um Dia”. “Ensaios de Amor” traz uma linha de baixo robusta, marcante e discreta, fazendo dupla com uma bateria digital programada.

“Mesmo Que Seja Eu” fecha o lado A do álbum, uma música de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, gravada originalmente por Erasmo em 1983. A versão de Marina ganhou uma conotação totalmente inesperada ao virar um hino libertário lésbico. A versão de Marina para “Mesmo Que Seja Eu” é um pop rock que se diferencia da maioria das faixas de Fullgás por fazer pouco uso de sintetizadores, ficando a faixa amparada no baixo, guitarra e bateria.

O lado B de Fullgás começa com outra regravação, “Me Chama”. Composta por Lobão, “Me Chama” foi gravada pela banda Lobão & Os Ronaldos como uma balada romântica, e foi uma das músicas mais tocadas nas rádios brasileiras em 1984. Na versão de Marina, “Me Chama” virou um pop rock dançante, e contou com o próprio Lobão na bateria, além de Liminha no baixo.

Detalhe da capa do compacto (single) de "Me Chama", sucesso de Lobão & Os Ronaldos regravado por Marina Lima.

“Mesmo Se O Vento Levou” trata sobre o amor que acabou, mas aborda o assunto de maneira leve, sem dramas e lamentações (“Mas nós dois / Eu vou lembrar / Vou sim / Mesmo se o vento levou / Isso vai ficar em mim”). O ritmo na audição do álbum é quebrado por “Cícero e Marina”, um poema recitado por Antônio Cícero e Marina, sem acompanhamento musical, apenas as vozes dos dois irmãos.

“Veneno”, versão em português feita por Nelson Motta a partir de uma canção italiana, “Veleno”, é uma das mais belas canções gravadas por Marina. A canção carrega nos arranjos e na letra, uma bem equilibrada dose de romantismo, sensualidade e erotismo: “Veneno / Cor-de-rosa suave e moreno / Nestes seios tem todo o veneno / Que você chama amor”.

“Mais Uma Vez”, uma parceria de Lulu Santos e Nelson Motta, é uma das faixas mais interessantes do álbum. A bateria digital programada cria uma batida funk eletrônica e que aproxima a música ao que se produzia do som hip hop na época que emergia no cenário pop mundial naquele momento. Participações especiais de Lulu Santos na guitarra e de Léo Gandelman no saxofone. “Mais Uma Vez” traz um dado curioso: a música possui um pequeno trecho sem áudio entre o verso “Um amor...” e “Ou razão, ou motivo”. Mas o que parece ser uma falha de gravação, na verdade foi um ato de censura à palavra tesão, mesmo após a canção ter sido gravada. As cópias do disco foram vendidas com essa “falha”. Em 1984, o Brasil vivia ainda sob um regime de governo ditatorial, onde tudo tinha o crivo da censura. O mais intrigante, no entanto, é que mesmo após o fim da ditadura, esse pequeno trecho sem áudio persistiu nos relançamentos de Fullgás, até mesmo nas versões do álbum para streaming. O verso com a inclusão da palavra censurada é “Um amor, um tesão / Ou razão, ou motivo”. 

Irmãos na vida e na arte: o poeta Antônio Cícero durante a cerimônia de posse na Academia Brasileira de Letras, acompanhada de sua irmã, a cantora Marina Lima, em março de 2018.

Encerrando o álbum, “Nosso Estilo”, uma parceria de Lobão, Marina e Antônio Cícero. Com influência da new wave, “Nosso Estilo” é dançante, possui sintetizadores e bateria programada fazendo a base sonora. Lobão faz nesta faixa mais uma participação especial nos vocais de fundo.

Fullgás foi um grande sucesso comercial, vendendo pouco mais de 250 mil cópias. Praticamente metade do álbum ganhou as rádios e programas de TV. Do álbum, a faixa que mais foi executada em rádio foi a faixa-título. Contudo, “Mesmo Que Seja Eu”, “Me Chama”, “Veneno” e “Pé Na Tábua”, fizeram também sucesso perante o público. O bom êxito comercial do álbum fez Marina circular todo o Brasil numa grande turnê, indo nos lugares mais distantes do país, coisa que não havia acontecido nos álbuns anteriores. O álbum deu à cantora grande visibilidade, e mostrou a ela o caminho orientado para o pop que ela trilharia nos álbuns seguintes e que a transformariam numa das mais importantes cantoras da história da música pop brasileira.

Faixas

Lado A
  1. "Fullgás" (Marina Lima - Antônio Cícero)
  2. "Pé Na Tabua (Ordinary Pain)" (Antônio Cícero - Sergio de Souza - Stevie Wonder)       
  3. "Pra Sempre e Mais Um Dia" (Marina Lima - Antônio Cícero)      
  4. "Ensaios De Amor" (Marina Lima - Ana Terra)       
  5. "Mesmo Que Seja Eu" (Roberto Carlos - Erasmo Carlos) 
Lado B
  1. "Me chama" (Lobão)          
  2. "Mesmo Se O Vento Levou" (Marina Lima - Antônio Cícero)
  3. "Cícero E Marina" (Antônio Cícero) 
  4. "Veneno (Veleno)" (Nelson Motta)
  5. "Mais Uma Vez"  (Nelson Motta - Lulu Santos)
  6. "Nosso Estilo" (Lobão - Marina Lima - Antônio Cícero)     

"Fullgás"


"Pé Na Tábua"


"Pra Sempre E Mais Um Dia"


"Ensaios De Amor"


"Mesmo Que Seja Eu"


"Me Chama"


"Mesmo Se O Vento Levou"


"Cícero E Marina"


"Veneno"


"Mais Uma Vez"


"Nosso Estilo"


"Fullgás" (videoclipe)




Comentários

  1. Muito obrigado pelo artigo! Estava tentando entender por que a "Mais Uma Vez" tinha aquela "falha"! rs

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    1. Eu que agradeço, César. E realmente, é algo curioso. E mais curioso é que mesmo após o fim da ditadura -lá de vão mais de 35 anos - essa "falha" persiste.

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  2. Obrigado pelo artigo! Queria saber o nome dos músicos que tocaram nesse álbum.

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    1. Eu que agradeço por ter deixado o seu comentário.

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  3. O disco de Marina saiu em junho de 1984 eu trabalhei em loja de discos nessa época, e em dezembro do mesmo ano a palavra tesão passou no crivo da censura em O quereres de Caetano no álbum Velô.

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