“Luiz Gonzaga Ao Vivo – Volta Pra Curtir” (RCA, 2001), Luiz Gonzaga


Quem viu Gonzaga – De Pai Pra filho (2012), filme de Breno Silveira, teve a oportunidade de saber um pouco da história de Luiz Gonzaga (1912-1989), o “Rei do Baião”. Viu o começo de sua carreira artística, ainda muito jovem, no sertão de Pernambuco, e o auge da fama entre o final dos anos 1940 e os anos 1950.

Mas o filme mostra também a decadência do velho “Lua” (um dos seus apelidos) na década de 1960. Era uma época estranha e hostil para o sanfoneiro pernambucano. O Brasil e o mundo viviam um momento de turbulências e transformações. A chamada “Era de Ouro” do rádio, tornou-se coisa do passado. Astros daquele período dourado como o próprio Luiz Gonzaga, mais Orlando Silva, Sílvio Caldas, Vicente Celestino entre outros, viraram coisas “cafonas”, “peças de museu”. O público jovem mudou, e com ele o seu gosto musical. A bossa nova, a música de protesto, Jovem Guarda e o Tropicalismo faziam parte do gosto musical dos jovens brasileiros daquele momento. Os Beatles, os Rolling Stones, a contracultura, eram as novas referências de comportamento para aquela juventude. Gonzaga parecia um ser deslocado do tempo.

A partir de 1964, seus shows tornaram-se mais minguados, o público era diminuto. O “Rei do Baião”, assim como outros artistas de sua geração, passaram a centrar fogo contra o rock, a culpá-lo pela perda de prestígio e pela “americanização” cultural do público jovem da época. Tanto é que em 1967, Gonzaga gravou a música “Xote dos Cabeludos”, dele e de José Clementino, onde ele faz um desabafo: “Cabra que usa pulseira / No pescoço medalhão / Cabra com esse jeitinho / No sertão de meu padrinho / Cabra assim não tem vez não / Não tem vez não / Não tem vez não”.

Em 1968, o compositor e produtor musical Carlos Imperial (1935-1992) tentou dar uma ajuda ao “Rei do Baião”, mas de uma maneira bem curiosa. Usando toda a sua influência e malandragem, espalhou pela grande mídia que os Beatles iriam gravar “Asa Branca”, maior sucesso da carreira de Gonzaga. Muita gente acreditou, e a mentira de Imperial rendeu entrevistas em revistas e jornais com Luiz Gonzaga, trazendo-o de novo à mídia. Quanto aos Beatles, o máximo que aconteceu foi que naquele ano, quando lançaram o famoso “Álbum Branco”, dentre as faixas daquele álbum duplo estava a canção “Blackbird”. Coincidência ou não, ao menos pelo título, teria mais a ver com “Assum Preto”, canção lamentosa que é outro sucesso da carreira de Gonzaga.


Beatles gravando "Asa Branca"? Carlos Imperial espalhou o boato para ajudar Luiz Gonzaga a sair do ostracismo.

Mas aos poucos, a barreira entre Gonzaga e os “cabeludos” começava a diminuir. Os tropicalistas demonstravam admiração pelo trabalho de Gonzaga. Muito antes de se tornar famoso em todo país, Gilberto Gil chegou a tocar sanfona, ainda na adolescência nos anos 1950, por influência das músicas de Luiz Gonzaga que ele ouvia no rádio. O autointitulado álbum de Gilberto Gil lançado em 1969, antes de partir para o exílio em Londres, trazia uma regravação de “17 Légua e Meia", de Humberto Teixeira e Carlos Barroso, gravada originalmente por Luiz Gonzaga em 1949. Caetano Veloso, durante o exílio em Londres, gravou em 1971 o seu álbum com cinco faixas em inglês e duas faixas em português, uma delas, “Asa Branca”, numa versão completamente melancólica. O baiano de Santo Amaro da Purificação demonstra mais uma vez apreço por Gonzaga no álbum seguinte, Transa, gravado em Londres e lançado em janeiro de 1972. Na canção “You Don't Know Me”, que mescla versos em inglês e em português, Caetano toma emprestado versos da música “Hora do Adeus”, gravada por Luiz Gonzaga em 1967: “Eu agradeço ao povo brasileiro / Norte, Centro, Sul, inteiro / Onde reinou o baião”.

Em 1971, Gonzaga lança o álbum O Canto Jovem de Luiz Gonzaga, uma tentativa de reconquistar o público urbano, sobretudo do Sudeste. A capa mostra um Gonzaga sem o seu traje tradicional, mas vestido como um homem urbano, e ao fundo um edifício de cidade grande. No repertório, músicas de compositores em sua maioria jovens na época como a dupla Antônio Carlos & Jocafi, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Edu Lobo, Geraldo Vandré entre outros.

Contudo, foi em março de 1972 que a redescoberta de Luiz Gonzaga acontece por completo e de maneira arrebatadora. Já com Gil e Caetano de volta do exílio, eles de alguma forma fomentaram um processo de revitalização da carreira de Gonzaga. Sob a direção de Jorge Salomão, roteiro de José Carlos Capinam e ambientação cenográfica de Luciano Figueiredo e Oscar Ramos, Luiz Gonzaga começa uma temporada de shows no Teatro Tereza Rachel, no Rio de Janeiro, intitulada “Luiz Gonzaga Volta Pra Curtir”. Pela primeira vez, o “Rei do Baião” se apresentava na Zona Sul carioca, para uma plateia em sua maioria formada jovens “cabeludos”, intelectuais, estudantes - alguns deles de esquerda, fazendo oposição ao regime ditatorial da época - e que estavam ali para ver Luiz Gonzaga apresentar a sua música autêntica do sertão nordestino e ouvir os seus “causos”.

Naquela temporada de shows no Teatro Tereza Rachel, Luiz Gonzaga foi acompanhado pelo então jovem Dominguinhos (sanfona) - que havia recém deixado de usar o nome Neném e trocado para Dominguinhos – Maria Helena (voz, triângulo e cabaça), Toinho (triângulo), Raimundinho (reco-reco), Ivanildo Leite (zabumba, gonguê e triângulo), e uma novidade, uma guitarra elétrica e um baixo elétrico, instrumentos até então estranhos no forró, mas comuns no rock, executados nos shows pelo guitarrista Renato Piau e pelo baixista Porfírio Costa. Luiz Gonzaga havia enfim baixado a guarda com o som dos “cabeludos”.


Luiz Gonzaga e Maria Helena no show antológico no Teatro Tereza Rachel, em 1972.

A temporada no Teatro Tereza Rachel foi um enorme sucesso de público e de crítica que puderam ver Gonzaga desfilar no palco os seus maiores sucessos e ouvi-lo contar “causos” e histórias da sua vida no sertão e na cidade grande. Um dos “causos” foi sobre a época em que Gonzaga foi tocar numa república estudantil logo quando chegou ao Rio de Janeiro, nos anos 1930. Um dos estudantes era Armando Falcão, que estava presente no show e na ocasião era um político importante ligado aos militares da ditadura.

Luiz Gonzaga.
O show da noite do dia 24 de março de 1972 foi todo gravado, porém as fitas ficaram guardadas por quase trinta anos. Somente em 2001, doze anos após a morte de Luiz Gonzaga, o show da temporada antológica do velho “Lua” foi lançado em CD com o título Luiz Gonzaga Ao Vivo – Volta Pra Curtir. O registro traz clássicos da carreira do “Rei do Baião” que não poderiam faltar como “Asa Branca”, “Boiadeiro”, “Assum Preto”, “Respeita Januário” e “Xote das Meninas”. A apresentação foi muito bem capturada pela gravação, e o ouvinte consegue ser transportado ao Teatro Tereza Rachel, em 1972. A guitarra executada por Renato Piau fica ao fundo fazendo uma base de maneira competente. Uma pena que o espetáculo não foi registrado em vídeo.

A temporada no Teatro Tereza Rachel pode até não ter sido tão rentável para Luiz Gonzaga, que por causa de compromissos com aquela temporada no teatro, não podia tocar em outras praças. Mas ajudou a resgatar a carreira de um dos artistas mais importantes da música popular brasileira em todos os tempos. Pode-se afirmar que foi um divisor de águas. Se o público jovem redescobriu o “Rei do Baião”, este por sua vez reviu os seus conceitos, tornou-se um artista um pouco mais flexível.

A partir daquele espetáculo, Luiz Gonzaga adotou a guitarra elétrica nos seus discos, diferente de Jackson do Pandeiro (1919-1982) que se manteve resistente à guitarra até o final da década de 1970, quando passou a incluí-la nas suas gravações. No álbum Luiz Gonzaga, de 1973, foi empregado o uso da guitarra elétrica, do baixo e da bateria, como se pode perceber em faixas como “O Fole Roncou” e “Baião de São Sebastião”. O emprego desses instrumentos não descaracterizou a musicalidade de Gonzaga. Acabou sendo uma tendência seguida a partir dos anos 1970 por outros artistas de forró como Trio Nordestino e Genival Lacerda, o que acabou por modernizar o forró, o xote e a outros ritmos populares do interior nordestino sem tirar deles a essência. E isso, direta ou indiretamente, passa pela temporada de shows ao vivo no Teatro Tereza Rachel, no Rio de Janeiro, em 1972, que mudou a carreira de Gonzaga.  

Faixas

01-"Boiadeiro" (Klecius Caldas – Armando Cavalcante)
     "Cigarro de Paia" (Armando Cavalcante - Klecius Caldas)

02-"Moda da Mula Preta" (Raul Torres)
      "Lorota Boa (Luiz Gonzaga - Humberto Teixeira)

03-"Siri Jogando Bola" (Luiz Gonzaga – Zé Dantas)
     "Macapá" (Luiz Gonzaga - Humberto Teixeira)

04-"Qui Nem Giló" (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
     "Oiá Eu Aqui de Novo" (Antonio Barros)

05-"Asa Branca" (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
     "A Volta da Asa Branca" (Luiz Gonzaga - Humberto Teixeira)

06-"Assum Preto" (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
     "Ana Rosa" (Humberto Teixeira)

07-"Hora do Adeus" (Luiz Queiroga – Onildo Ameida)

08-"Estrada de Canindé" (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
     "Respeita Januário"' (Luiz Gonzaga - Humberto Teixeira)

09-"Numa Sala de Reboco" (José Marcolino – Luiz Gonzaga)
    "O Cheiro da Carolina" (Amorim Roxo - Zé Gonzaga)
     O Xote das Meninas" (Luiz Gonzaga - Zé Dantas)

10-"Adeus, Rio" (Luiz Gonzaga – Zé Dantas)
     "Aquilo Bom (Garotas do Leblon)" (Luiz Gonzaga - Severino Ramos)

11-"No Meu Pé de Serra" (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
     "Baião" (Luiz Gonzaga - Humberto Teixeira)

12-"Pau de Arara" (Guio de Moraes – Luiz Gonzaga)
     "Juazeiro" (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira)

13-"Derramaro O Gai" (Luiz Gonzaga – Zé Dantas)
     "Imbalança" (Luiz Gonzaga - Zé Dantas)

14-"A Feira de Caruaru" (Onildo Ameida)

15-"Olha A Pisada" (Luiz Gonzaga – Zé Dantas)
     "Boiadeiro" (Armando Cavalcante - Klecius Caldas)



Ouça na íntegra Luiz Gonzaga Ao Vivo -
Volata Pra Curtir









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